sábado, outubro 14, 2006

O Nobel político

Orhan Pamuk, escritor turco de 54 anos, venceu o Prémio Nobel da Literatura. Apesar de a sua obra ser pouco conhecida, sabemos que se trata de um especial observador da cultura islâmica, e de um crítico do genocídio levado a cabo na Arménia entre 1915 e 1917, ainda hoje negado pelas autoridades turcas. “Mais um Nobel político”, ouviu-se dizer.

Não se julgue que se trata apenas de uma tendência comum aos últimos quinze ou vinte anos. Na verdade, o alcance político do Nobel da Literatura é uma característica essencial deste prémio, desde que foi criado.

Entre 1916 e 1920, os vencedores foram sempre escolhidos entre países não-beligerantes na Primeira Guerra Mundial, receando a Academia receber críticas ora por favorecer um dos lados da contenda, ora por ferir susceptibilidades na sua sequência. Em 1939, justamente quando os tanques soviéticos invadiam a Finlândia, o prémio recai sobre um obscuro finlandês, Frans Sillanpää. E como explicar o Nobel outorgado a Churchill em 1953, senão como um reconhecimento da sua importância para o triunfo aliado anos antes?

Há mais exemplos. Em 1966 – justamente quando o conflito israelo-árabe se adensava – o escritor hebreu Shmuel Yosef Agnon ganha o prémio. Acertou: era um acérrimo defensor da causa sionista. Quatro anos depois, o russo Alexander Solzhenitsin recebe o Nobel, sobretudo devido à sua célebre denúncia do sistema prisional russo (em Um Dia na Vida de Ivan Denisovich), isto antes mesmo de publicar a sua obra-prima, O Arquipélago de Gulag. Em 1980 (curiosamente no ano em que o “Solidariedade” é fundado na Polónia e Lech Walesa se torna o seu líder), a Academia laureia o polaco Czeslaw Milosz, então exilado nos Estados Unidos, reconhecido crítico dos regimes autoritários e dos sistemas políticos repressivos.

Nas últimas duas décadas, com a globalização da actualidade política e a sua inscrição no espaço quotidiano, esta tendência generalizou-se. Independentemente dos seus méritos literários, comprovam-no os prémios atribuídos a Akinwande Soyinka (Nigéria, 1986), Naguib Mahfouz (Egipto, 1988), Nadine Gordimer (África do Sul, 1991), Seamus Heaney (Irlanda, 1995), Gao Xingjian (China, 2000) e Harold Pinter (Reino Unido, 2005).

::: Uma lista completa dos vencedores pode ser encontrada aqui ou aqui.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Subscrevo. O Nobel da Literatura é uma treta tamanha que posso fazer uma listagem daqueles que considero os dez melhores autores do século XX, e só um deles é que ganhou o prémio (Thomas Mann).

Mas acrescento o seguinte: o pormenor da tentativa de uma maior subtileza das motivações políticas do prémio nestas últimas três décadas. Desde logo assim se explica que se tenha deixado de considerar o ensaio como literatura premiável. Porquê tantos romancistas de bodega (premiados e premiáveis) e nenhum ensaísta? Não os há?!: Jean Delumeau, Stephen Jay Gould, Jacques le Goff, Umberto Eco, Hans Jonas, Peter Sloterdijk, Noam Chomski...

14/10/06 12:48  
Anonymous Anónimo said...

Acabas de me dar uma ideia para um "post" sobre os incríveis esquecimentos da Academia.

14/10/06 21:39  
Blogger sofia said...

não sei se sou muito ignorante mas não conhecia o sr turco. mas pelo que tenho investigado, parece-me que esta questão política está muito empolada. parece que o sr só referiu umas poucas vezes os tais factos. não é um activista, não escreve sobre o assunto, etc. disse uma vez numa entrevista, aquilo colou-se à sua imagem e pronto.. não sei, isto só de investigações da net..

15/10/06 22:08  
Blogger José Gomes André said...

kolk

24/10/09 20:37  

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