terça-feira, outubro 31, 2006

1 + 1 = 3

Há com certeza bons argumentos para se defender a despenalização do aborto até às 10 semanas. O direito da mulher não é um deles.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Começar bem

É uma arte singular, que requer um talento específico. A história da Literatura está repleta destas preciosas conquistas, desde o "I was born", de David Copperfield, áspero, mas coloquial, até à longa e belíssima descrição inicial da Recherche, de Proust. Também há espaço para prelúdios metafísicos – "No meio do caminho em nossa vida, eu me encontrei por uma selva escura, porque a direita via era perdida" (A Divina Comédia), ou preâmbulos solenes, como o de Ana Karenina: "Todos os géneros de felicidade se parecem, mas todas as desgraças têm o seu carácter peculiar".

Proponho-vos então um exercício impossível: determinar qual a melhor frase inicial de um livro.

De um vastíssimo leque de boas hipóteses, registo a minha escolha – Cem Anos de Solidão (García Márquez): "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo."

domingo, outubro 29, 2006

Coisas que valem a pena 3

Domingo à noite, com amendoins.

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sexta-feira, outubro 27, 2006

Tudo bons rapazes

No mesmo dia em que o Presidente iraniano ameaçava a Europa de poder vir a pagar o seu apoio a Israel, afirmando que “a tempestade irá para além da Palestina”, o Embaixador do Irão discursava em Lisboa sobre o “pacífico programa nuclear”.

A lição estava bem estudada: nada como começar por conquistar a plateia. “90% dos americanos pensam que o Irão fica na América do Sul”. Risos e aplausos. Primeiro objectivo cumprido. Depois de provar que os americanos são estúpidos (afinal eles ouvem música country, gostam de basebol e passam o dia a comer hambúrgueres), o Embaixador pode tranquilamente apresentar o seu país como o paraíso na Terra.

O Irão teve 27 eleições democráticas em menos de 30 anos. O Parlamento é um poço de diversidade, com representantes de todas as minorias. O povo vota em massa e com plena liberdade. Existem múltiplos partidos políticos, “de esquerda e direita”. A sociedade é “muito moderna”. As universidades estão a abarrotar. As mulheres ocupam um lugar vital na sociedade – ele há de tudo: “membros do parlamento, vice-presidentes, professoras, médicas, artistas”. Periódicos são às dezenas. Imaginem que até funcionam no Irão 42 canais televisivos. Assim está bem.

Depois desta descrição idílica, seguiu-se a defesa do programa nuclear iraniano. Com voz embargada, o Embaixador falou dos “direitos humanos”, da “luta do povo” pela “conquista de um direito legítimo”. Quando a audiência parecia esmorecer, o Embaixador recorreu a novos trunfos e pronunciou a palavra mágica: Guantánamo (era capaz de jurar que voltei a ouvir a frase “os americanos são estúpidos”). Risos e aplausos.

No final da palestra, a plateia ganhou coragem e lançou perguntas difíceis. Mas o Embaixador não se ficou. “Porque precisa o Irão de energia nuclear, já que detém enormes reservas de petróleo e gás natural?”. “É um direito humano”. “O que acha então do programa norte-coreano?”. “A isso foram obrigados pelos americanos” (os tais que ouvem música country). “E o que pensa o Irão do 11 de Setembro?”. “É um evento controverso, não há certezas sobre o que aconteceu realmente.”. Aqui entre nós, suspeito que a culpa foi de uns tipos gordos que comiam hambúrgueres.

A pérola da tarde estava reservada para a folhinha de propaganda distribuída pela Embaixada, com o título “Breve história do Irão”. A dado passo, podemos ler: “o Irão sempre tentou manter boas relações com os seus países vizinhos”. Israel que o diga.

quinta-feira, outubro 26, 2006

a arte da fuga

Joan Miró, "El pájaro relámpago cegado por el fuego de la luna", 1955

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O dilúvio

Eu sei que tem chovido bastante. Mas nada justifica o cenário dantesco que as imagens televisivas revelam por estes dias. Ruas alagadas. Inundações nas praças, nas avenidas, nas estradas. O comércio fechado. O trânsito proibido. Até um autocarro foi levado por um riacho em Soure.

As explicações variam. Ninguém fechou as janelas. Foi uma tempestade. Foi um tufão. São os gases de estufa. É o fim do mundo.

Gostava que me dissessem como sobrevivem os indianos durante as monções. Como é que o Bangladesh se mantém à tona de água? Pronto, mais perto. Como é que Londres não submerge no Inverno? Ou Amesterdão, Berlim, Copenhaga? Porque lá chove que se farta. Bem sei que não têm mini-tornados, como nós, mas também nunca ouvi uma notícia de afogamentos em Picadilly Circus.

Seria interessante que alguém investigasse o estado das nossas sarjetas. E que se desse uma olhadela aos sistemas de escoamento das nossas estradas, praças e ruas. Mas isso depois obrigava a fazer perguntas ao Governo e o Governo atribuiria responsabilidades aos autarcas. Os autarcas culpariam as Juntas de Freguesia. E as Juntas.. bem, as Juntas queixam-se da comunicação social. O melhor mesmo é dizer que a culpa é do tempo, que tem as costas largas.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Dar o exemplo

As contas apresentadas pelos partidos – relativas às eleições legislativas de 2005 – foram submetidas a análise. Conclusão? A Entidade das Contas e Financiamentos Públicos e o Tribunal Constitucional detectaram dezenas de irregularidades. Falta de consolidação das contas da campanha. Actividades de angariação de fundos pouco claras. Insuficiência de mecanismos internos de controlo das acções de campanha e registo dos respectivos custos. Contribuições ambíguas dos partidos políticos. Receitas e despesas sem registo em contas bancárias. Recebimentos injustificados de donativos em datas posteriores à eleição (esta é particularmente divertida). Donativos não titulados. Subvenções estatais por declarar. Documentos de suporte de despesa duvidosos.

Quando esta gente vem falar de “rigor orçamental”, de “critérios de excelência” e de “confiança nas instituições”, só pode estar a debitar princípios de auto-ajuda.

terça-feira, outubro 24, 2006

A integração europeia e o caso americano

O alargamento e o reforço da União Europeia têm encontrado nos últimos anos uma feroz resistência (de que o chumbo francês ao projecto constitucional é apenas um exemplo). A oposição utiliza com frequência o mesmo argumento: insolúveis diferenças entre os Estados-membros impedem um maior aprofundamento do processo de integração europeia. A diversidade geográfica, demográfica, cultural, religiosa, institucional e linguística dos países europeus impossibilita a criação de um laço político semelhante ou sequer próximo aos Estados Unidos da América.

Este argumento assenta num princípio falacioso, porque, ao contrapor o caso europeu ao exemplo americano, assume que este último foi construído sobre um consenso generalizado. Ora, a diversidade – que os europeus tanto pretendem reclamar como sua propriedade exclusiva – era, na verdade, dominante entre os Estados americanos quando a sua União ganha forma.

As assimetrias geográficas entre os Estados americanos eram gritantes. A Virgínia ocupava 1/5 do território e era cerca de oitenta vezes maior que Rhode Island. Apenas quatro dos treze Estados (Virgínia, Massachusetts, Pensilvânia e Nova Iorque) representavam 55% da área total do território. As distâncias eram impressionantes, num período em que a carroça era o meio de transporte mais utilizado. A maioria dos americanos vivia num meio rural, mas já havia grandes cidades (Filadélfia, Nova Iorque, Charleston).

A diversidade demográfica era igualmente relevante. Metade dos americanos concentrava-se em quatro Estados (Virgínia, Massachusetts, Pensilvânia e Carolina do Norte). A população da Virgínia era doze vezes superior à da Geórgia. Em Filadélfia viviam mais pessoas do que em todo o Estado de Rhode Island.

Naturalmente, existiam riquíssimas diferenças culturais e religiosas. Oriundos de vários países europeus, os colonos trouxeram consigo múltiplas crenças e tradições. No Massachusetts predominavam os Puritanos, na Pensilvânia os Quakers, em Rhode Island os Baptistas, em Nova Iorque e no Connecticut os Presbiterianos, na Virgínia e nas Carolinas os Unitarianos e os Anglicanos. Existiam incontáveis seitas. Os costumes de um comerciante de Filadélfia e de um proprietário de Richmond eram tão diferentes que, não fosse o facto de ambos falarem inglês, dir-se-ia que seriam perfeitos estranhos.

A vida económica dos Estados americanos não podia ser mais díspar entre si. O Sul, esclavagista e aristocrático, vivia sobretudo da exportação de algodão e tabaco para a Europa. O Norte, industrial e empreendedor, apostava na pesca e nos bens manufacturados. As relações comerciais entre os Estados eram mínimas. Na verdade, dois terços das trocas ocorriam com a Grã-Bretanha e com a França. Não existia uma moeda comum.

As diferenças institucionais levariam um estudante de ciência política à exaustão. As constituições estaduais incluíam sistemas bi-camarários e uni-camarários, assembleias muito numerosas ou incrivelmente restritas. O poder executivo era conferido ora a um Governador nomeado pela Legislatura, ora a um Presidente eleito, ora a um conselho senatorial. A duração dos mandatos oscilava entre um e seis anos. O direito de voto variava de tal forma que em Nova Jérsia as mulheres votavam e na Geórgia um proprietário de pequena dimensão não o podia fazer. Não havia um sistema judicial homogéneo. A educação estava a cargo dos condados e era igualmente díspar. Não existia um exército comum.

Os Estados americanos nunca haviam conhecido qualquer tipo de vínculo político anterior aos eventos revolucionários e, de um modo geral, era estranho à população um sentimento propriamente nacional. Os indivíduos eram “habitantes dos Estados”. Falava-se da América e da revolução americana, mas a figura de um povo americano era uma ideia bizarra.

Em síntese, nos anos decisivos da fundação dos EUA (entre 1770 e 1790) existiam entre os Estados mais diferenças do que semelhanças. E, no entanto, essas divergências não impediram a criação da primeira república federal moderna. O que aconteceu, então? Empenho de um pequeno grupo de figuras públicas que arriscaram as suas carreiras estaduais porque sonhavam com uma grande nação. Crença num projecto que poderia conciliar as diferenças e harmonizar dinâmicas e interesses distintos. Vontade política, em suma.

Neste caso, o que falta à Europa? Essa mesma vontade política. Esse mesmo empenho. E a disponibilidade e honestidade intelectual para perceber que a diversidade não é um obstáculo, é uma benção.

segunda-feira, outubro 23, 2006

o belo e o sublime 3

Peixe-anjo

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domingo, outubro 22, 2006

Afinal é uma questão de QI

Esqueçam os séculos de discussão filosófica sobre a existência de Deus. Esqueçam os infindáveis debates teológicos sobre a natureza da divindade. Esqueçam os medievais. Esqueçam Descartes, Pascal, Espinosa e Kant. Esqueçam os gnósticos e os místicos. Esqueçam a Bíblia e o Corão.

José Rodrigues dos Santos foi ao Canadá e comprou uns livros de Física e Matemática (suponho que no pacote também veio Leibniz – e seguramente Voltaire ficou na estante). Resultado? O problema está para sempre resolvido.

"Se queremos provar a existência de Deus temos que procurar duas coisas: inteligência e intenção. Se lhes mostrar o meu relógio, vêem que é um objecto inteligente que foi feito com uma intenção e por um ser inteligente. E se olharem para a água: ela exerce uma função e é concebida com inteligência." (estão a perceber como é simples?).
"Quando olhamos para o universo encontramos inteligência, do micro ao macrocosmos. E isso é um poderoso indício da existência de Deus. Associando isso a outros princípios, conseguimos fazer a prova da existência de Deus.”.

Pena que, no meio de tanta esperteza, tenhamos ficado com as dores de dentes, as hemorróidas e as filas de trânsito.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Não são para aqui chamados

O referendo sobre o aborto está em marcha. Ontem foi aprovada a pergunta que vai ser submetida ao escrutínio dos portugueses: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”.

Eu também tenho uma questão a fazer. Duas, aliás. Porque é feita uma referência explícita à vontade da mulher e se omite totalmente a opinião do homem? Porque se aceita exclusivamente a opção da mãe e se dispensa por completo a posição do pai? Que eu saiba, ainda são precisos dois para dançar o tango.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Cantinho do contra

Uma auto-estrada, como sabemos, destina-se a permitir viagens mais rápidas e mais seguras. O que se passa no acesso a Lisboa a partir do Norte roça o escândalo. Nos últimos meses, provavelmente anos, não há viagem sem o condutor ser incomodado por obras a decorrer, máquinas em movimento, bermas suprimidas ou pavimentos em regularização. Nalgum momento do percurso, tanto pela A8 como pela A1, é certo e sabido que vai haver sarilho. Actualmente, na A1, a situação chega a tal ponto que se o preço da portagem fosse indexado ao índice de obras a Brisa teria de pagar aos condutores. O extraordinário é que eles se dão ao luxo de gozar connosco através daqueles ecrãs electrónicos que alertam para trabalhos a xis quilómetros. Tenham dó. Qual é a alternativa? Inversão de marcha e volta atrás? Encosta a viatura e pede boleia? Quer dizer, um procedimento civilizado seria informar ANTES do nó de acesso, ANTES do potencial utilizador se ver entalado a 80 km/hora numa via de suposta circulação rápida. Não. Para tanto teria de existir a normal relação de forças entre consumidor e fornecedor de serviços. Que, num quase-monopólio, é impossível.

Da televisão por cabo há outro tanto para dizer. Já todos nos habituámos aos canais sem sinal dias a fio, às interrupções momentâneas de transmissões desportivas, ao bloqueio de canais abertos - pelos quais se paga mensalmente - quando transmitem programas com direitos internacionais, às séries que voltam ao primeiro episódio ao fim de dois meses e às outras que são emitidas sem qualquer respeito pela ordem natural de sequência dos episódios, etc, etc, etc. Todas as queixas relacionadas os operadores pura e simplesmente pisaram e andaram, sem que as entidades reguladoras tenham achado interessante intervir. Mas quando a malta da pirataria começa a esticar-se, logo a Assembleia da República acode os pobrezinhos. O diploma saiu hoje e tem coimas de 500 a 3750 euros para os clientes com receptores ilegais. Curiosamente, no regulamento que prevê a penalização de condutores sob efeito de cocaína, heroína, anfetaminas e demais drogas, também aprovado hoje pelos deputados, as multas vão só até 2500 euros. É justo.

Por fim, a minha querida EDP. Mais ou menos há dois anos comprei um apartamento. Na sequência da política da EDP de encerramento de balcões, o contrato de fornecimento de energia eléctrica foi celebrado numa loja de som, televisores e pequenos electrodomésticos. Acontece que, na transição do papel para o sistema informático da EDP, algum funcionário menos acordado inseriu erradamente o endereço do titular do contrato (neste caso, eu). Foi o início do efeito dominó – a segunda factura já não chegou ao destinatário, que, obviamente, não a pagou. Quando o computador emitiu a terceira, acendeu-se a luzinha vermelha no ecrã. Havia um mês em falta. E o que faz a EDP nestes casos? Manda cortar que se faz tarde. Cartinha de aviso? Não chegou à caixa de correio. Naturalmente. De modo que, no final de uma aprazível jornada de trabalho, o titular do contrato entra em casa e vê-se às escuras. Mais: o portão da garagem não funciona, a placa do fogão não funciona, a caldeira que aquece a água para o banho não funciona, o aquecimento central não funciona. Tecnicamente, já não se pode chamar lar àquele apartamento. Depois de vários telefonemas, o call-center da EDP descobre o que se passa e informa que só a regularização da dívida permitirá o regresso à normalidade. Já caiu a noite, os serviços estão fechados. Calma. No dia seguinte, às 09h30, é efectuado o pagamento da factura, acrescido de uma taxa de reactivação. Volvidas 12 horas, o titular do contrato volta a entrar em casa. Desta vez com um sobrinho de um ano e meio a cargo para jantar e dormir. Apesar do estaleiro local da EDP ficar a 300 metros, o cenário mantém-se inalterável. Não há luz, o portão da garagem não funciona, a placa do fogão não funciona, a caldeira que aquece a água para o banho não funciona, o aquecimento central não funciona. E, mesmo assim, o call-center tenta convencer o reclamante - que pagara há 12 horas uma reactivação provocada por um erro da empresa - a esperar pelo dia seguinte. Felizmente, nós portugueses sabemos sempre dar voz a uma boa peixeirada – e uns minutos depois o piquete estava à porta.

Coisas que fazem rir

José Cid - A Pouco e Pouco (Favas com Chouriço)


Obrigado, Sofia.

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quarta-feira, outubro 18, 2006

Coisas que valem a pena 2

Com canela, de preferência.

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Socialista, mas pouco

Uma reportagem da emissora romena ProTV, que acompanhava uma expedição aos Himalaias, mostrou recentemente imagens chocantes, nas quais guardas fronteiriços chineses disparavam arbitrariamente sobre um grupo de pessoas. Tudo leva a crer que se tratavam de tibetanos procurando fugir para o Nepal ou para a Índia. O vídeo é num aspecto inequívoco: nem todos foram bem-sucedidos.

O PS – que convidou o Partido Comunista Chinês a participar no seu Congresso – foi interrogado pelo “Público” relativamente a este sucedido. Os comentários, a cargo de Paulo Pisco (membro do departamento internacional do PS), são extraordinários.

“O convite está feito, não o vamos retirar”, começou por dizer, acrescentando que “o PS e o PCC têm uma relação institucional forte e antiga que vem dos tempos da passagem de Macau para a China”. O melhor vem a seguir. Pisco refere que as relações entre Portugal e China vivem “um especial momento”, nomeadamente devido às “parcerias” estabelecidas entre os dois países. E conclui: “São coisas que pesam em vários níveis” (“Público”, 17/10/06, sem link).

Para quê complicar? Afinal, é tudo uma questão de “coisas” e “níveis”. E já se sabe que o valor e a dignidade da vida humana andam mal cotados. Espero que as ditas “parcerias” não me impeçam de chegar tranquilamente a Badajoz...

segunda-feira, outubro 16, 2006

Modere-se a indignação

Como se vê com as taxas moderadoras da saúde, os portugueses reagem mal quando lhes ameaçam os privilégios. De um modo geral, confundimos direitos com regalias e gostamos pouco ou nada de sacrifícios. A indignação, pelo contrário, é uma paixão ferozmente acarinhada.

Por vezes, a luta pela manutenção dos direitos adquiridos origina realidades caricatas. O Jornal de Notícias escrevia há dias sobre uma greve de carteiros: "Na origem da paralisação estava o protesto contra os novos horários que retiravam aos 72 trabalhadores o subsídio de 'transtorno' (pelo início da laboração antes das 6 horas) e do pequeno-almoço". Sindicatos exigindo piores condições de trabalho - eis um paradoxo que se julgava impossível.

Se a administração dos CTT recuou, mantendo os carteiros transtornados como é seu desejo, já o ministro Correia de Campos está inabalável no objectivo de taxar internamentos e cirurgias no serviço público. Aqui explico-me: a saúde barata é um direito, a saúde de borla é uma regalia. Em nome de outros que nada têm, devemos percebê-lo quanto antes.

o belo e o sublime 2

Great horned owl

domingo, outubro 15, 2006

O Nobel esquecido

O que têm em comum Ibsen, Joseph Conrad, Henry James, Aldous Huxley, Joyce, Rilke, Proust, Hermann Broch, Virginia Woolf, Cesare Pavese, Céline, George Orwell, Ezra Pound, Brecht, Robert Musil, Graham Greene, Nabokov, Ionesco, Yourcenar, Marguerite Duras, Italo Calvino, Umberto Eco, Kundera e Salman Rushdie?

A Academia Sueca detém um inigualável recorde de equívocos e injustiças.

Permitam-me sublinhar um esquecimento em particular: é absurdo que o maior escritor do século XX, Jorge Luis Borges, nunca tenha vencido o Nobel da Literatura.

sábado, outubro 14, 2006

O Nobel político

Orhan Pamuk, escritor turco de 54 anos, venceu o Prémio Nobel da Literatura. Apesar de a sua obra ser pouco conhecida, sabemos que se trata de um especial observador da cultura islâmica, e de um crítico do genocídio levado a cabo na Arménia entre 1915 e 1917, ainda hoje negado pelas autoridades turcas. “Mais um Nobel político”, ouviu-se dizer.

Não se julgue que se trata apenas de uma tendência comum aos últimos quinze ou vinte anos. Na verdade, o alcance político do Nobel da Literatura é uma característica essencial deste prémio, desde que foi criado.

Entre 1916 e 1920, os vencedores foram sempre escolhidos entre países não-beligerantes na Primeira Guerra Mundial, receando a Academia receber críticas ora por favorecer um dos lados da contenda, ora por ferir susceptibilidades na sua sequência. Em 1939, justamente quando os tanques soviéticos invadiam a Finlândia, o prémio recai sobre um obscuro finlandês, Frans Sillanpää. E como explicar o Nobel outorgado a Churchill em 1953, senão como um reconhecimento da sua importância para o triunfo aliado anos antes?

Há mais exemplos. Em 1966 – justamente quando o conflito israelo-árabe se adensava – o escritor hebreu Shmuel Yosef Agnon ganha o prémio. Acertou: era um acérrimo defensor da causa sionista. Quatro anos depois, o russo Alexander Solzhenitsin recebe o Nobel, sobretudo devido à sua célebre denúncia do sistema prisional russo (em Um Dia na Vida de Ivan Denisovich), isto antes mesmo de publicar a sua obra-prima, O Arquipélago de Gulag. Em 1980 (curiosamente no ano em que o “Solidariedade” é fundado na Polónia e Lech Walesa se torna o seu líder), a Academia laureia o polaco Czeslaw Milosz, então exilado nos Estados Unidos, reconhecido crítico dos regimes autoritários e dos sistemas políticos repressivos.

Nas últimas duas décadas, com a globalização da actualidade política e a sua inscrição no espaço quotidiano, esta tendência generalizou-se. Independentemente dos seus méritos literários, comprovam-no os prémios atribuídos a Akinwande Soyinka (Nigéria, 1986), Naguib Mahfouz (Egipto, 1988), Nadine Gordimer (África do Sul, 1991), Seamus Heaney (Irlanda, 1995), Gao Xingjian (China, 2000) e Harold Pinter (Reino Unido, 2005).

::: Uma lista completa dos vencedores pode ser encontrada aqui ou aqui.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Coisas que valem a pena


Visitar o Mercado de Camden, em Londres, durante uma tarde de sábado.

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Sol Nascente

Parece-me que o principal trunfo de José António Saraiva enquanto director do Sol é, ironicamente, o trabalho (não) feito por ele próprio à frente do Expresso nos últimos anos, período em que o jornal perdeu qualidade e influência e se tornou previsível e insatisfatório.

O Sol pode beneficiar desta circunstância e captar leitores que já só compravam o Expresso por hábito e falta de alternativa, mas o desafio a que se propõe – cruzar os géneros Público e Correio da Manhã para fazer um semanário popular de referência – não tem historial recente de sucesso na imprensa portuguesa. O Diário de Notícias, por exemplo, vive nessa estratégia e não pára de perder audiência.

Se o caderno principal e o suplemento de economia do Sol agradaram, com invulgar quantidade de conteúdos, já a apresentação da revista Tabu é um desastre de tons, grafismo e impressão ao nível de uma publicação cor-de-rosa de segunda linha.

Numa época em que os jornais não abdicam da distribuição de livros, filmes e afins, abrindo uma terceira via de negócio para juntar às vendas e à publicidade, será também interessante ver até quando se mantém a promessa na primeira página: “Este semanário não oferece brindes nem faz promoções”.

terça-feira, outubro 10, 2006

O regresso do mamarracho

Na segunda quinzena de Novembro, a maior árvore de Natal da Europa regressa ao Terreiro do Paço, este ano com sinos e com mais três metros de altura (ena!). Dizem que a iniciativa “pretende impulsionar o comércio da Baixa”. Eu acho que pretende testar a paciência dos lisboetas.

Em primeiro lugar, trata-se de um atentado estético. A árvore não passa de uma horrível estrutura metálica enfeitada com milhares de luzes que ofuscam o olhar. Além do mais, a presença deste objecto disforme de gosto duvidoso é completamente desadequado ao contexto arquitectónico do Terreiro do Paço. E não me falem em “beleza de contrastes”: parece que um OVNI de ferro (ou aço ou outra coisa qualquer muito feia) aterrou na Praça do Comércio.

Por outro lado (e apesar da sua fealdade), a dita cuja recebe milhares de visitas diárias das “famílias portuguesas”, munidas do respectivo automóvel, naturalmente. O trânsito lisboeta, já de si confuso, torna-se caótico. Com a aproximação da época de compras, a Baixa transforma-se num gigantesco parque automóvel ao ar livre, intransitável e, sobretudo, impraticável como espaço público.

Como se não bastasse o infortúnio de saber que a Baixa lisboeta está interdita para consumo durante quase dois meses, ainda somos obrigados a ouvir as justificações poéticas dos seus promotores. O ano passado dizia Carmona Rodrigues que a árvore é importante “devido às pessoas mais carenciadas, às pessoas que têm maiores dificuldades de vida e às questões sociais de um modo geral”. De Novembro a Janeiro, a miséria vai de férias, só pode. Aliás, os sem-abrigo estão em delírio. E os doentes e acamados vão sentir súbitas melhorias. Sem dúvida.

Há gente que vai lucrar com isto? Certamente. Mas garanto-vos que não será a esmagadora maioria dos lisboetas.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Mário Cesariny

"Fiquei a gostar de anglo-saxónicos. Chamam-lhes hipócritas, mas eles não são. São actores. Estão sempre a representar Shakespeare. Um vagabundo chega à tabacaria e pede: 'may i have a box of matches, please?' Isto é linguagem de príncipe. Os outros são iguais ou ainda mais sofisticados. os americanos são uma espécie de ingleses a quem tiraram a inquietação, a metafísica"

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"A liberdade, o amor, a poesia. É esta a tríade do surrealismo, que vem colocar-se ao lado, ou à frente, da liberdade, igualdade, fraternidade, da Revolução Francesa. Era essa a nossa bandeira"

"Os cafés onde a gente se reunia desapareceram. Começaram por pôr lá a televisão. Ora, é impossível não olhar para uma televisão ligada. Já não podíamos estar à vontade"

"Estávamos ali metidos para perder a vida, para não trabalhar em escritórios e aturar o patrão nojento. Éramos, de facto, todos vagabundos. Embora eu é que tenha merecido a honra de ser considerado suspeito de vagabundo pela polícia"

"Realmente não há onde ir, em Lisboa. Quer dizer, para mim, porque a gente mais nova junta-se nos pubs, com a música muito alta, para não terem de falar eles. Nem falar, nem pensar"

"A idade pôs-me uma série de chatices físicas que me impedem de atingir a metafísica. São coisas várias que me ocupam e me impedem de circular normalmente"

"Nessa altura, os marinheiros recebiam o fardamento e iam à costureira para o ajustar bem. Quase se via o contorno do sexo. Eles tinham vaidade nisso, além de que havia gente bonita"

"Portugal era o país mais homossexual do mundo"

"Havia urinóis espantosos, que eram sítios de encontro. Estavam sempre cheios"

[Opinião sobre as manifestações de orgulho gay] Acho feio, porque em vez de aparecerem como pessoas normais, põem umas mamas, pintam-se, ficam uns verdadeiros abortos. E saem assim para a rua. Eu, que sou homossexual, se encontrasse aquilo na rua, passava para outro passeio, porque em vez de angariarem simpatia, ofendem"

: : : Entrevista conduzida por Vladimiro Nunes e publicada este fim-de-semana pelo semanário Sol na revista Tabu. Em www.sol.pt

World Press Photo

Não há dúvida de que a exposição tem várias fotografias extraordinárias. Mas a impressão mais forte que trouxe do CCB não passa, afinal, de uma importante recordação – o mundo está repleto de miséria.

o belo e o sublime

Red-eyed tree frog

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domingo, outubro 08, 2006

Manifesto

"O jogo não está a ser bom, nem mau, bem pelo contrário."

(o já mítico) Gabriel Alves