quarta-feira, outubro 31, 2007

o horizonte sensível, 4

Alabama, 1940

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terça-feira, outubro 30, 2007

A perseguição do útil

Respondendo ao repto da Sofia e do meu Masterblogger, copia-se já a tal frase da página 161 do livro que está mais à mão, aqui mesmo ao lado do computador. Não, não é Espinosa, é Cícero, na tradução portuguesa do De Officiis: «Finalmente, já dissertámos o suficiente acerca da eventualidade de ser contrário à honestidade aquilo que parece ser útil e de que maneira deve ser uma questão como esta devidamente avaliada.»

Não há volta a dar: ainda hoje não se consegue ser espinosista sem que alguém nos acuse de desonestidade...

P.S.: não lanço o desafio a pessoa alguma, porque prefiro-me um cumpridor, e não um mandante, de obrigações. São feitios, senhores!

Londres: o que não vem nos guias (V)

Não tem a beleza natural que circunda The Mall. Não tem o requinte nem a atmosfera sofisticada de Regent Street. Não tem a agitação da Strand, nem a vivacidade de Shaftesbury Avenue. Falta-lhe o aglomerado comercial de Oxford Street ou o bulício da Fleet Street. Mas nenhuma rua em Londres tem o encanto de Charing Cross Road.

Partindo de Trafalgar Square, onde deixa os milhares de turistas que contemplam a Estátua de Nelson ou os quadros famosos da National Gallery, a Charing Cross Road estende-se para Norte, cruzando-se com algumas das zonas mais famosas de Londres: por ali passa quem se dirige para os célebres teatros do West End, quem deixou os espectáculos de rua em Covent Garden, quem se prepara para uma tarde de compras frenéticas em Oxford Street, ou quem procura a agitação de Picadilly Circus.

Charing Cross Road é por isso local de passagem, de desencontros. Os poucos que resistem a esse trânsito, e se demoram nela, participam numa experiência fantástica, observando a efervescência de uma cidade de um lugar privilegiado. Lugar esse que merece, por si só, uma longa viagem, entre as dezenas de livrarias, lojas de antiquidades, alfarrabistas e o pequeno comércio que a compõem. Da entusiasmante Quinto (um dos mais prestigiados alfarrabistas londrinos) à caótica Foyles (uma das maiores livrarias do mundo), esta é uma Meca para os bibliófilos, mas o carácter multifacetado da Charing Cross Road permite que todos se sintam em casa – mesmo estando no coração de uma das mais movimentadas cidades europeias.

Será que Marx se benzia?

A Sofia lançou-me um repto para participar em mais uma corrente blogosférica. O desafio é simples: pegar no primeiro livro que se encontrar à mão e transcrever a quinta frase da página 161. Promover o aleatório à condição de fundamento: parece-me um bom exercício nesta época de puro non-sense político, cultural e social.

Como não tenho nenhum livro em cima da mesa, procurei na estante, olhando directamente para a secção de filosofia contemporânea. Destacou-se Ideologia e Utopia, de Paul Ricouer (trad. port. Edições 70). Receando o pior, lá fui à página 161, quinta frase completa: “Não devemos transformar o marxismo numa apologética do cristianismo; era a pior coisa que podíamos fazer”. Apetece acrescentar: não só seria a pior coisa que podíamos fazer, como seria mesmo a coisa mais disparatada que podíamos fazer. Se bem que seria curioso imaginar Jerónimo de Sousa e Odete Santos em peregrinação até Fátima...

Como manda a praxe nestas correntes blogosféricas, lanço o desafio a outros camaradas: ao Boécio (do Ângulo Saxofónico), ao Alexandre Borges (do 31 da Armada), ao Ega (do Liberdademocrática), ao Nélio (do Und3rblog) e ao outro escriba do BPC (não vale escolher Espinosa, André!).

Nem tem discussão

A propósito do mais recente debate blogosférico (ver o questionário no Corta-Fitas), a que o meu colega escriba fez referência anteriormente.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Da "Chinesa Taipei" a "Timor Oriental"

Continua a existir em Portugal uma relação insípida entre os órgãos de comunicação social e a Internet. É certo que jornais de grande tiragem como o Expresso e o Público se adaptaram com sucesso ao conceito de “imprensa online”, mas a generalidade dos diários nacionais mantém uma presença francamente pobre na Internet, com sites pavorosos, assentes num grafismo desastroso e em conteúdos informativos medíocres. Esta realidade é especialmente visível nos jornais desportivos, cujos sites – apesar de sucessivas “optimizações” – continuam a roçar o ridículo.

Sirva de exemplo esta notícia, na qual o site d’“A Bola” nos fala da qualificação para o Mundial 2010 na Ásia, apresentando a seguinte tabela de resultados:

"Bangladesh - Tajiquistão 1-1 0-5 (...)
Syria - Afeganistão 3-0 2-1

Palestine - Singapore 0-4 0-3
Yemen - Maldives 3-0 0-2
Cambodja - Turquemenistão 0-1 1-4
Uzbequistão - Chinesa Taipei 9-0 2-0
Kirghizstan - Jordânia 2-0 0-2
Timor oriental - Hong Kong 2-3 1-8 (...)
Chine - Myanmar 7-0 4-0

Pakistan - Iraque 0-7 0-0"

Percebe-se facilmente que o jornalista (?) encarregado desta notícia se limitou a transcrever um comunicado de uma agência internacional, talvez por considerar uma maçada traduzir os termos para português. E é aqui que a história se torna verdadeiramente curiosa: embora tenha recusado fazer essa tradução, o jornalista (?), porventura motivado por um sentimento de culpa, achou por bem traduzir alguns nomes de países. O resultado é no mínimo divertido, embora resulte num exercício de absoluta desinformação.

É positivo que tenha escrito “Tajiquistão”, “Turquemenistão” e “Jordânia”, mas então porquê manter “Syria”,”Kirghiztan” e “Pakistan”? O que o terá levado a mudar “Iraq” para “Iraque” e todavia a manter “Chine” ou “Yemen”? Melhor: por que diabo decidiu o jornalista mudar a designação “Chinese Taipei” ("Taiwan" ou "Formosa") para “Chinesa Taipei”? Considerará que “Chinesa Taipei” corresponde a qualquer coisa de compreensível em português?

O momento alto desta quase-notícia – que assinala a passagem de um acto de incompetência para um exercício surrealista – encontra-se na extraordinária solução encontrada para o termo inglês “East Timor”: “Timor Oriental”. Parece-me que este jornalista (?) não é grande barra em geografia, línguas, tradução ou comunicação social. Mas, convenhamos, criatividade não lhe falta...

What did you say your name was?

Corre na blogosfera a discussão de qual a mulher mais bonita dos canais portugueses de televisão, numa discussão iniciada por Pedro Mexia.

No Corta-fitas vemos até um inquérito disponível à dita "questão". Ora, sendo da minha natureza corporal a inclusão de um cromossoma Y, bem gostaria eu de participar em tal discussão.

O problema está em eu não reconhecer nem metade dos nomes listados. Em que canais surgem vossas mercês, mesmo?

sábado, outubro 27, 2007

Anselmo Borges, claro

Saber pensar, escrever bem, publicar-se em imprensa de grande tiragem.

Os dedos de uma mão são demasiados para a contagem dos que em Portugal reúnem todas as três características.

Um deles é sem dúvida o que enche parte dos meus Sábados. No DN... O padre Anselmo Borges, claro.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Um Rei em Lisboa

Ninguém pede ao Governo português que barre a entrada a Putin no nosso país ou que entre numa guerra institucional com a Rússia. Mas era preciso todo este aparato, esta subserviência, este rebaixamento do Estado português? Dadas as relações perigosas do senhor Putin (bastar recordar a sua visita recente ao Irão) e o seu currículo recheado de tendências duvidosas (conduta autoritária, atentados aos direitos humanos, asfixia da democracia, etc.) não teria sido prudente optar por um protocolo mais discreto? Era mesmo necessário encerrar edifícios públicos, cortar metade das vias de Lisboa e transformar a capital numa gigantesca passerelle?

Silêncio ensurdecedor

Há vários dias que a Turquia ameaça invadir o Norte do Iraque para enfrentar o PKK e “resolver” um diferendo de décadas com os curdos. Estão em curso manobras militares inequivocamente à margem do direito internacional e dos compromissos turcos com a NATO e a ONU. O que tem a União Europeia a dizer sobre o assunto? Nada. Javier Solana fez umas declarações inócuas sobre a “integridade do Iraque”. Durão Barroso apelou à calma e parece que um deputado belga falou sobre a necessidade de “apelar a um consenso” (resta saber entre quem).

Esta reacção define bem o que tem sido a política da UE nos últimos anos: um silêncio institucional, uma desresponsabilização, um assobiar para o lado – entrecortado por umas quantas tiradas avulsas e inofensivas. Impressiona esta hipocrisia, um misto do mais cínico tacticismo e da mais absoluta passividade. São atitudes como esta que minam a construção europeia e a credibilidade da UE.

Novo delírio da "Esquerda Moderna"

Mais um marco da governação socialista: foi aprovada uma legislação que impede na prática que um aluno seja reprovado por faltas até ao 9º ano. Pelo meio, inventaram-se umas “provas de recuperação” para os mais faltosos, assegurando que os estudantes “adquirem competências”. Poderá a medida levar ao absentismo? De modo nenhum, garante o Ministério da Educação, para quem esta é uma lei essencial, de forma a promover a “integração” e a não prejudicar ninguém injustamente.

É o regresso ao “eduquês” na sua versão mais disparatada. Aparentemente, não basta os alunos terem cada vez menos conhecimentos e capacidades na Matemática, Português, História e Ciências, os testes serem cada vez menos exigentes e toda a estrutura do ensino básico e secundário insistir em premiar a mediocridade. Só faltava mesmo recompensar os alunos que se estão nas tintas para as aulas.

Porque é disso que se trata: as “provas de recuperação” procuram camuflar o essencial, mas não o escondem em absoluto - o Ministério da Educação não sabe como lidar com o insucesso escolar, o abandono precoce e as exigências de Bruxelas. Para combater a sua ineficácia o Ministério só teve que olhar para si próprio: nada como estimular o laxismo e premiar a incompetência, o absentismo e a improdutividade.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Um homem bom

A ironia não tem limites. Público de ontem: “O antigo Presidente de Moçambique Joaquim Chissano venceu o Prémio de boa governação [boa quê? estamos a falar do mesmo?] criado em 2006 pela Fundação de Mo Ibrahim, milionário de origem sudanesa [ah, bom!] [...] que criou um império como empresário das telecomunicações [imagino que com o conveniente auxílio de uma 'boa governação']. [...]”

“Chissano, que é amigo do Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe [olha que dois!], de quem foi padrinho de casamento [tudo em nome da 'boa governação'], recebe assim o mais valioso prémio individual do mundo: 5 milhões de dólares nos próximos dez anos, e 200 mil dólares por ano, a partir daí e até ao fim da vida [ainda dizem que a honestidade não compensa...]”.

Chissano, um Presidente imune à corrupção, que teve o mérito de manter Moçambique anos a fio na liderança dos países mais miseráveis do mundo, Chissano, um homem bom, merecia este prémio. O próximo passo é a beatificação, não duvidem.

terça-feira, outubro 23, 2007

Mais Europa (III)

Embora escrito numa linguagem técnica, o artigo de Vital Moreira no Público de hoje é excelente, pela forma como desmistifica muitas concepções erradas acerca do Tratado Reformador da UE e como sublinha as verdadeiras conquistas inerentes a este compromisso. Destaco alguns excertos (sublinhados meus):

“São muitas e, em geral, dignas de aplauso as mudanças trazidas pelo novo tratado. Entre as mais importantes contam-se a unificação institucional da UE e da Comunidade Europeia [...]; a definitiva superação da UE enquanto simples 'mercado comum', acentuando a sua vertente de 'espaço de liberdade, justiça e segurança'; a atribuição de valor legal à Carta de Direitos Fundamentais da UE [...] e a adesão à Convenção Europeia dos Direitos Humanos; [...] a racionalização institucional da UE, com o estabelecimento da presidência permanente do Conselho Europeu [...], a diminuição do número de membros da Comissão Europeia e a criação do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa; o aumento das questões a decidir por 'dupla maioria' qualificada, em vez da unanimidade; [...] mais responsabilidade da Comissão perante o Parlamento europeu; reforço do vector social da UE.”

“O Tratado de Lisboa constitui um grande ganho para os cidadãos europeus, para os Estados-membros, para a Europa e para o mundo. Depois dele, a UE torna-se uma comunidade política mais eficiente, mais democrática, mais social e mais solidária, mais respeitadora dos direitos dos Estados-membros e dos cidadãos, mais capaz de intervir internacionalmente na cooperação externa, na manutenção da paz e na regulação da globalização.”

“[o Tratado Reformador] apresenta-se como uma simples revisão dos dois tratados vigentes, e não como uma refundição global dos tratados anteriores [...]. Isso altera substancialmente tanto a sua compreensão, como o seu alcance jurídico. [...] o que os Estados são chamados a ratificar são somente as alterações introduzidas e não as normas antigas que não foram modificadas pelo novo tratado e que continuam em vigor [...]. Por essa razão, o Tratado Reformador torna-se imune a várias críticas que vulneraram o Tratado Constitucional, por causa da incorporação dos tratados anteriores.”

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segunda-feira, outubro 22, 2007

Sob escuta

Parece uma maldição: quem ocupa cargos públicos em Portugal padece de uma grave incontinência verbal. Autarcas, ministros, deputados, procuradores-gerais. Ninguém escapa ao insaciável desejo de protagonismo. O resultado? Na procura incessante de grandes tiradas e reluzentes parangonas lá aparecem frases menos felizes, pouco ponderadas e inevitavelmente polémicas.

Só em Portugal um procurador-geral poderia dar uma entrevista a um grande semanário e afirmar que o sistema de escutas está descontrolado e que o próprio acredita que poderá estar a ser alvo de escutas! E quando sublinha que a sua desconfiança se deve a uns “barulhos esquisitos” que ouve no telemóvel, passamos do registo do escândalo político para o campo do mais extraordinário non-sense.

Esta declaração é de uma gravidade ímpar. Se o procurador-geral pode ser alvo de escutas sem autorização, se o sistema não tem regras, nem limites, é a sociedade no seu todo que está em xeque. Pois todos somos suspeitos e todos podemos ser acusados a qualquer momento e por qualquer motivo: uma frase fora do contexto, uma intervenção infeliz, uma troca de mensagens equivocada. Todos estamos sob o escrutínio de uma força que ninguém controla. Alguém falou em Big Brother?

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a arte da fuga, 18

Robert Delaunay, Formes Circulaires, 1930

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Mais Europa (II)

O Luís Naves tem toda a razão: há muita poeira em redor do Tratado Reformador, que condiciona a discussão do que está em causa. De um modo geral as análises centraram-se no acessório e evitaram debater o Tratado propriamente dito. Em muitos casos, isso deve-se a uma atmosfera de enfado e menosprezo pelo projecto europeu. Alguns comentadores zombaram do Tratado devido a um oposicionismo militante, que transformou o bota-abaixo numa filosofia de vida. Outros recorreram à crítica por questões de circunstância política: não serão a favor nem contra o Tratado, mas procuraram evitar que Sócrates saísse triunfante deste episódio – fazer troça do Tratado, da Cimeira de Lisboa e da União Europeia pareceu-lhes a melhor forma de lidar com os acontecimentos.

Note-se, por exemplo, que um dos temas mais discutidos por toda a blogosfera e pela imprensa foi a (já célebre) tirada de Sócrates “porreiro, pá!” (dita em off a Durão Barroso). Não me agrada o estilo de Sócrates e já escrevi várias vezes contra o primeiro-ministro, mas desta vez pergunto: o que é que essa frase tem de mal? Onde reside a surpresa? Na manifestação de contentamento? Preferiam um “que chatice, pá!”? O problema é a linguagem utilizada? Mas o que esperavam? Uma intervenção do género: “Excelentíssimo senhor doutor José Manuel Barroso, quero congratulá-lo pelo feito alcançado”? Em off? Eis um fait-divers puro.

Outra questão muito debatida é o facto de Sócrates procurar tirar dividendos políticos do êxito alcançado. Mais uma vez questiono: e o que tem isso de errado? Aposto que se Sócrates tivesse sido mal sucedido, os mesmos comentadores que reprovam o seu comportamento teriam surgido a condenar o primeiro-ministro e a culpá-lo pelo fracasso. Recuso-me a incorrer nessa hipocrisia. Sócrates tinha um desafio difícil pela frente, e, juntamente com a diplomacia dos restantes Estados, conseguiu obter um compromisso positivo num tempo reduzido. Tem toda a legitimidade para sublinhar o seu êxito e – como político – a procurar retirar proveito do mesmo. Quando isso acontece dentro dos limites do razoável (como foi o caso), só há razões para se aplaudir. Mesmo que se goste pouco da sua governação ou da sua personalidade.

Não quero com isto dizer que considerava positivo entrarmos num clima de entusiasmo cego e acrítico. Pelo contrário: desejaria que existisse um debate político, plural e ponderado. Mas centrado no Tratado e na Cimeira de Lisboa, e não nestes fait-divers irrelevantes. Admito que existam objecções ao Tratado (o meu amigo André referiu algumas num post anterior), como também entendo que tem os seus méritos. Seria desejável que, por uma vez, deixássemos os preconceitos de lado e discutíssemos de forma racional e sustentada este tema, que constitui sem dúvida um desafio fundamental para o futuro de Portugal e da Europa.

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sábado, outubro 20, 2007

Por que deixei de ler o não-cronista António Lobo Antunes (I)

Excelente crítica de Pedro Mexia na Y do Público a O meu Nome é Legião, com excertos que se subscrevem inteiramente:

«O texto está escrito naquele registo polifónico a que Lobo Antunes nos habituou. [...] A progressão é caótica, um emaranhado de cenas e bocados de cenas. Imagens e temas são conhecidos de outros romances: famílias que trocam crueldades, sexo desolado, velhos entrevados e amargurados, homens que penteiam a melena com o dedo mindinho, a infância nas brumas da memória [...].»

«O conjunto incansavelmente glauco impressiona porque os pormenores são acentuados. Todas as micro-narrativas acontecem entre móveis puídos e cafeteiras sem tampa. As pessoas têm nódoas de xarope no pijama e escondem dinheiro nas pantufas. Há "recuerdos" rachados e muita bugiganga.»

«O texto antunino é hoje uma melopeia cheia de repetições, parêntesis, devaneios, saltos temporais, períodos que não acabam ou que elidem os verbos: "As flores quietas elas que à mínima presença um frenesim de caules". E os famosos estribilhos, frases que pontuam o texto uma e outra vez, geralmente simples ditos banais ou castiços que se tornam nostálgicos ou tétricos com a repetição. [...] neste romance, cujos capítulos acumulam emendas e lacunas e confusões [...]. Lobo Antunes comenta o seu próprio texto [...].»

«É um estilo que se tornou maneirista. Que se tornou sentimental. Que exige uma leitura quase ofegante. [...] António Lobo Antunes, sempre admirável nas duas páginas de uma crónica, tem escrito romances desnecessariamente prolixos e repetitivos. É fácil ficarmos deslumbados com este tipo de escrita quando o descobrimos. Mas ao fim de uma década e de um punhado de romances só os incondicionais não acusam algum cansaço.»

Como é que disse?

Palavras de Paulo Bento, em conferência de imprensa: «Para arrumar o assunto, digo que tenho seis derrotas como treinador do Sporting e só falei na arbitragem uma vez, foi no jogo com o Paços de Ferreira.»

Quem era então aquele senhor que nem há duas semanas se queixou de não ter ganho um jogo por o árbitro não ter marcado 3 (TRÊS) penáltis, dois para a sua equipa e um para o adversário?: «Ganhávamos 2-1», lembro-me de ter ouvido em directo pela tv.

Amnésia ou dupla personalidade?

Duvidanças de uma mente curiosa, 71

A propósito de referendar-se o novo tratado da UE:

- Nunca revelei aqui duvidança tão grande quanto a que tenho agora face a este problema. Por um lado, custa-me um pouco o deficit democrático que se vai revelando cada vez mais na estruturação da UE, como se os cidadãos fossem uma coisa chata que tem de se tolerar na construção europeia, ao invés do fundamento e do fim último de todos os processos políticos. Por outro lado, até eu que sou jurista de formação tenho uma dificuldade enorme em perceber o que diabo se pretende com um tal texto jurídico: centenas de artigos em matérias díspares, alguns com cerca de dois parágrafos de espessura, numa linguagem hermética e complicada. Depois, há partes que se não aplicam a este país, outras partes não se aplicam àquele outro país... Uma confusão! Nem percebo nada daquilo: e quem o diz é alguém com um ego do tamanho de uma casa crendo-se ainda especialista peneirento em tudo o que se diga jurídico.

Ademais, a constituição portuguesa não permite que se referendem leis ou tratados per se, mas apenas temáticas ou problemas políticos. Se concordo com a UE?, claro, parece-me uma boa ideia. Se concordo com a UE como desenhada no novo tratado?, sei lá, não percebo nada do novo tratado. Se concordo com o proliferar das decisões por maioria qualificada?, sei lá: quais são mesmo os temas a serem assim decididos? Se concordo enfim com o novo tratado?, talvez: podem ser-nos aplicadas apenas as partes I e III, e ainda o artigo 126º, já que nem todo o tratado se aplica a toda a gente? Se concordo que se chame "Tratado de Lisboa"?: mas não seria muito mais bonito chamar-se "Tratado da UE"?

Enfim, também eu quero ser consultado, mas não sei o que dizer. Também eu quero referendar, mas não sei o quê. Sou uma duvidança ambulante. Quid iuris?

sexta-feira, outubro 19, 2007

Mais Europa

Os líderes europeus chegaram a acordo quanto ao novo Tratado da União Europeia – um mecanismo decisivo para o seu melhor funcionamento. Mesmo os mais ciosos em relação à soberania nacional, e mesmo aqueles que – como eu – não apreciam particularmente os cinzentos meandros institucionais de Bruxelas, devem reconhecer que se trata de um importante passo no aprofundamento do mais extraordinário projecto político de cooperação e integração do nosso tempo.

Todavia, é fundamental que este êxito não turve as prioridades dos seus arquitectos. O projecto europeu tem-se desenvolvido à margem dos cidadãos, cuja opinião é frequentemente desvalorizada. O desejo de construir uma Europa mais forte deve ter em conta o carácter democrático e popular do projecto europeu. Por conseguinte, o modo como alguns políticos têm sistematicamente posto em causa a capacidade de os cidadãos exercerem um juízo político qualificado e esclarecido sobre a estrutura e o futuro da União Europeia conduz a um enfraquecimento desse mesmo projecto. Não proceder a uma ratificação popular deste Tratado (por via de um referendo) é um erro político crasso, que retirará legitimidade a este passo histórico, podendo mesmo ameaçar a sua eficácia e a sua continuidade.

O prazer da desinformação

O tratamento jornalístico da Cimeira de Lisboa – em particular nas televisões – tem sido absolutamente anedótico. As maniqueístas e redutoras descrições dos intervenientes constituem reprováveis declarações políticas e indescritíveis práticas de desinformação. Os ingleses são “eurocépticos”. Os polacos, uns malandros que pretendem afundar a Europa na lama. Os italianos lembraram-se de uma manobra qualquer de última hora, “criando novos problemas”. Os outros – entre os quais Portugal, como é óbvio – são os filhos obedientes, progressistas, modernaços. Patético.

Por outro lado, os repórteres têm demonstrado uma irresistível tentação pelo acessório. Ora são as descrições das medidas de segurança, ou os apontamentos ridículos sobre os problemas pessoais de Sarkozy, ou mesmo a absurda discussão em torno do nome do Tratado. Num momento em que se discute o futuro da União Europeia, insistir na importância de o Tratado se chamar “de Lisboa” mostra quão provinciana e tacanha é a mente lusitana.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Onde é que eu já vi isto?


Leia-se a sinopse do novo filme de Leonel Vieira:
«“Julgamento” conta a história de Jaime Ferreira (Júlio César), um professor universitário alcoólico e atormentado, que um dia se vê confrontado com o seu maior sonho e o seu pior pesadelo: encontrar o inspector da PIDE que, durante a ditadura de Salazar, o prendeu, torturou e matou Marcelino, um dos seus camaradas.
É num julgamento em que a sua filha Catarina (Fernanda Serrano) é advogada de defesa, que Jaime reconhece no arguido o homem que durante todos estes anos assombrou as suas memórias. Confrontado com este facto inesperado e perturbador, partilha a sua descoberta com Joana (Alexandra Lencastre), a filha de Marcelino, com quem mantém uma relação algo tumultuosa, e com dois amigos dos tempos da luta antifascista, Miguel (José Eduardo) e Henrique (Henrique Viana). O primeiro é um médico dedicado, mas com um casamento periclitante, o segundo é um político bem sucedido, que hoje se movimenta naquela área cinzenta entre o poder e as finanças.
A revelação desperta sentimentos confusos em todos, mas é Jaime que, num momento de impulso irreflectido, embarca num caminho sem retorno: rapta o ex-PIDE e leva-o para a sua casa de campo, um lugar recôndito e aprazível que, pouco a pouco, se transforma numa arena onde as emoções mais intensas andam à solta.
Perante a insistência do sequestrado, que nega sempre ser quem eles pensam, Jaime e Miguel vão aumentando a intensidade dos meios que usam para extrair as informações que pretendem. Da intimidação e pressão psicológica passam, quase sem dar por isso, para a violência física, cruzando a barreira que separa os torturados dos torturadores. Pouco a pouco vão-se esbatendo as fronteiras entre a justiça e a vingança, os ideais e o olho-por-olho, o certo e o errado, num crescendo de tensão que pões à prova amizades, relações e fidelidades.»
Não vimos já isto em algum outro lado?


(Death and the Maiden, 1994, de Roman Polanski)

terça-feira, outubro 16, 2007

Coisas que valem a pena, 17

Bruges: uma jóia pouco conhecida, mas muito valiosa.

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segunda-feira, outubro 15, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 70

A propósito da nova basílica em Fátima:

1) Em idos tempos de adolescência, quando arrastado em passagens por Fátima, o mais fascinante para mim sempre foi o colocar-me na escadaria da menos recente basílica observando o comportamento das pessoas lá em baixo no recinto. Creio ter aprendido algumas coisas nessas observações. Mas, jovem imberbe, a ingenuidade dominava-me: perante umas caixas com a indicação idílica de "Pão para os Pobres", imaginava eu umas freirinhas tirando solícitas as moedas da caixa, pagando a um padeiro, o qual fabricaria e distribuiria sem custos para o consumidor pães saloios e carcaças, a serem comidos por pessoas com fracas declarações de rendimentos em sede de IRS... Como cria depender a virtude pessoal de uma noção cristã de caridade, sempre me desviava discretamente da minha companhia, e lá colocava sozinho umas moedinhas de boa-vontade. Hoje, crendo que a única coisa saloia envolvida fora a minha boa-vontade, ao saber que a nova basílica custara à Igreja Católica 70 milhões de euros, tendo sido integralmente paga com donativos dos "peregrinos", pergunto-me se não terei durante anos ajudado a pagar a dita basílica. Se sim, deverei então esperar pelo correio o envio do título de propriedade sobre a minha percentagem no edifício?

2) Nem me incomodam as intermináveis maratonas televisivas sobre Fátima e o culto mariano envolvente. Simplesmente, não vejo, quem gosta que veja. Mas porque é que os jornalistas e apresentadores televisivos de todos os canais insistem em afirmar Nossa Senhora de Fátima? Independentemente de quem tenha legitimidade para usar um pronome possessivo sobre a dita Senhora, o que mais me intriga é o uso da primeira pessoa do plural no dito pronome: quem é este nós?: os católicos?, a televisão?, os portugueses? É que consta que há gente portuguesa a ver que não é católica e que paga alguma da televisão de bodega que se faz neste país. Trate-se a Senhora com o devido respeito que merece: mas que se não obrigue quem não quer a ser seu servo...

Os filmes mais agradáveis, um a um (VI)

F) Simón del desierto (1965), de Luis Buñuel:

- Esta poderá parecer a mais estranha escolha para figurar nesta lista. Só muito a custo e proporcional benevolência entrando na categoria de longa-metragem (45 minutos), tem este filme um final um pouco abrupto, provavelmente por problemas financeiros na produção do filme durante a própria rodagem. À partida, um filme sobre S. Simão Estilita não pareceria de grande promessa, tendo em vista que o que celebrizou o santo foi precisamente o ter vivido durante 37 anos no topo de uma coluna, em contemplação abnegatória. O filme aliás nem se preocupa com o porquê de tal estranho comportamento: inicia-se já com Simão no topo da coluna, e desenrola-se todo nesse cenário. A narrativa resume-se ao conjunto de tentações com que o Diabo alicia Simão até à sua eventual renúncia da coluna. O final, contudo, apresenta-se-nos como o mais inesperado dos finais: um Simão limpo e aprumado, acompanhando o Diabo num bar speak-easy de Nova Iorque, escutando um concerto de jazz...
Quando o vi, pensei "que merda de filme!", mas forçou-me a pensar nele tantas vezes - a extraordinária psiké de alguém que se propõe passar o resto da sua vida numa coluna, mais a coragem em tom de desafio com que Buñuel coloca o Diabo numa posição final de vencedor (uma queda sem pecado), fascinaram-me a cada dia passando - que não posso deixar de contá-lo numa lista de filmes marcantes.

sábado, outubro 13, 2007

Al Gore: respeitemos os factos

Pode não se gostar da personagem. Pode não se gostar do percurso político nem da ideologia. Pode não se gostar da forma como promove a ecologia através de uma agenda mediática. Pode não se gostar que tenha recebido o Nobel da Paz. E pode não se concordar com as suas teses acerca das alterações climáticas e da degradação do ambiente. Mas, por favor, não permitam que esta antipatia desemboque numa deturpação dos factos.

Nas últimas horas, choveram críticas um pouco por todo o lado. A direita conservadora – talvez porque lhe custe abdicar dos seus hábitos aristocráticos – apressa-se a desvalorizar a causa ambiental e a ridicularizar o “aquecimento global” (vejam aqui, por exemplo). A esquerda revolucionária – melhor, o Partido “Os Verdes” – critica a atribuição do prémio (ah, ecologistas!), dizendo que o contributo de Al Gore para a causa ambiental resulta de um “mediatismo que decorre de um posicionamento de tensão ao nível económico” (uma daquelas tiradas fascinantes, made in 1917). Por outro lado, os verdes mais vermelhos deste país afirmam que “Al Gore não fez das alterações climáticas uma bandeira na sua campanha. Isso só veio numa fase posterior, através do filme Uma Verdade Inconveniente.

Não se trata de uma afirmação nova; a imprensa tem veiculado com frequência a ideia de que Al Gore se converteu recentemente à causa ambiental, com o propósito de relançar a sua carreira política. Nada mais falso. Não sei se Gore ainda tem aspirações políticas (é possível que sim), mas a sua dedicação à ecologia não tem dois, nem três, nem cinco anos. Desde o final dos anos 70 – numa altura em que poucos sabiam sequer o que eram os problemas ambientais – que Gore tem lutado pela causa ecológica.

Começou por promover sessões de esclarecimento no Congresso sobre as alterações climáticas, durante toda a década de 80. Escreveu artigos na imprensa alertando a opinião pública para os perigos da crise ambiental. Lançou programas educativos na Internet e nas escolas, para consciencializar os jovens para os problemas ecológicos. Em 1992 publicou “Earth in the Balance”, um dos mais notáveis textos da década de 90 sobre a crise ambiental. Defendeu com veemência o Protocolo de Quioto, cuja aprovação foi bloqueada pelo Senado. Propôs dezenas de pacotes legislativos referentes à protecção do ambiente. Durante vinte anos, fez centenas de conferências por todo o mundo publicitando a causa ecológica e alertando para os perigos das alterações climáticas.

Há quem não goste do senhor. Há quem o considere ambicioso e arrogante. E há quem considere que o aquecimento global é um mito. São opiniões legítimas e que respeito. Mas que ninguém o apelide de “arrivista”; que ninguém considere que a sua dedicação à causa ambiental é uma manobra de ocasião – pois trata-se, para o bem e para o mal, da luta de uma vida.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 69

A propósito do prémio Nobel da paz para Al Gore:

1) Não é curioso que ganhe um prémio por méritos de promoção "da paz" alguém que ocupou a vice-presidência de uma administração estadual com iniciativas "de guerra" no Kosovo e na Somália?

2) Spinoza define a paz não como a mera ausência de guerra, mas como uma vontade constante individual de constituir um poder comum. Kant vê mais a sua paz "perpétua" numa cooperação sociável entre povos. O Comité Nobel vê agora a paz como sinónimo de segurança ambiental. Deverá então ser defendida hoje em dia em definitivo a completa sinonímia da paz à segurança? Se sim, para quando o prémio Nobel para serviços policiais?

A propósito do jogo de futebol Portugal-Azerbaijão:

- Palavras de Luiz Felipe Scolari na conferência de imprensa antes do jogo, segundo o jornal Record: «Só vai mudar a imagem. Eu e o Murtosa pensamos quase igual em termos de jogo. O Murtosa sabe que tem a minha concordância em qualquer atitude que tomar durante o jogo. As condições do Murtosa são iguais às minhas [...]. O que sei é que não vou sofrer muito. Murtosa tem todas as condições e poderá ser até melhor neste momento.» Pergunta-se então: se Scolari não sofre com a selecção, e se o seu adjunto tem as mesmas condições, e poderá ser até melhor, por que diabo é que são pagos 30 mil contos por mês ao seleccionador se esse tal Murtosa faz o mesmo, ou melhor, por menor preço?

quinta-feira, outubro 11, 2007

Coisas que fazem rir, 17

A qualidade do vídeo é fraca, mas numa altura em que Santana Lopes volta a estar na mó de cima (quer por via do “episódio na SIC Notícias”, quer pelo recente triunfo do santanista Menezes no PSD), e quando se aproxima mais um Congresso dos sociais democratas (que se prevê animado), vale a pena rever este grande momento da campanha para as Legislativas de 2005. Silêncio, pois, que se vai cantar o... “Menino Guerreiro”!

A "visita policial" na Covilhã

1. Considero que se deve condenar a intervenção da PSP junto do sindicato de professores e reprovar este gesto de intimidação, mas não creio que se justifique o entusiasmo exacerbado que o assunto provocou. Em particular a dita “indignação” dos partidos políticos parece claramente encenada, procurando tirar dividendos de uma situação em que o Governo esteve mal, mas com poucas repercussões práticas. As declarações do PCP foram especialmente desadequadas, clamando “a pátria está em perigo” entre tiradas poéticas e protestos emocionados. Tratando-se de um partido que aplaude os regimes políticos da China, Coreia do Norte e Cuba (onde não existe sequer liberdade de expressão na vida privada, quanto mais na vida pública), o engodo e a hipocrisia tornam-se ainda mais evidentes.

2. O Governo faz uma triste figura nesta história, e não necessariamente por causa da importância da mesma – mas tão-só porque ela se vem juntar a uma série de episódios marcados pelos tiques autoritários e pelo excesso de zelo no exercício da autoridade. Além disso, começa a tornar-se patética a incapacidade de José Sócrates (e do Governo em geral) de lidar com as críticas públicas, apressando-se de imediato a desvalorizar qualquer manifestação de desacordo. Por outro lado, fica mal ao primeiro-ministro responder com sarcasmos adolescentes às perguntas dos jornalistas sempre que o tema não lhe convém.

3. No meio da polémica, houve espaço – como sempre há nestes eventos – para uma demonstração do mais básico tuguismo. Extraordinária a declaração de Maria Alzira Serrasqueiro, a Governadora Civil de Castelo Branco, que afirmou que os polícias “iam à câmara e pelo caminho passaram no sindicato”. Repito, isto é tuguismo no seu melhor: a desculpa mais rasteira, a declaração mais chico-esperta, a justificação mais empertigada, insolente e saloia, numa tentativa evidente de nos deitar areia para os olhos. Uma desfaçatez que devia envergonhar aquela militante socialista.

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quarta-feira, outubro 10, 2007

Para comemorar um ano...

... estamos a promover algumas obras aqui no BPC. A Gerência lamenta qualquer inconveniente, estranheza no olhar e deformidades na apresentação gráfica. Para elogios, reclamações e sugestões, a caixa de comentários está à vossa disposição.

Londres: o que não vem nos guias (III)

Um dos mais evidentes trunfos de Londres é a forma como a ideia da multiculturalidade se concretizou em definitivo na cidade. E não falo de uma multiculturalidade disposta em núcleos específicos, apartada de outras zonas, guetizada. Esta é verdadeiramente uma especificidade londrina. Em Paris, Barcelona ou Berlim também sentimos essa diversidade, mas sempre em áreas reservadas, conhecidas precisamente por albergarem em particular um determinado grupo étnico.

Em Londres, o cosmopolitismo sente-se em todas as ruas, em todas as zonas. Polacos, africanos, italianos, paquistaneses, caribenhos, brasileiros, russos, turcos, asiáticos e portugueses percorrem todas as áreas da cidade. É tão provável encontrarmos um japonês em Mayfair como na margem sul, e tanto faz estarmos a passear junto à Torre de Londres, a trabalhar na Euston Road ou a fazer compras em Oxford Street: garanto que encontrarão indianos, eslavos e brasileiros com igual frequência.

A multiculturalidade não é por isso em Londres uma eventualidade; é uma característica intrínseca, uma forma de vida. Que espanta e encanta.

Até que enfim?

Depois de tantas cenas de tortura, tantas tropelias a direitos fundamentais dos cidadãos norte-americanos, dezenas de cadáveres deixados pela rua, alguns deles de amigos e colegas de profissão, uso indevido de bens públicos do seu Estado, destruição ilegítima de propriedade pública e privada, Kiefer Sutherland, mais conhecido por Jack Bauer, vai finalmente cumprir pena de prisão.

Por conduzir embriagado...

Por onde começar?

Em viagem, ouço uma entrevista na rádio a Manuela Ferreira Leite. O tema é a educação. A ex-ministra exige uma renovação dos processos educativos, mas quando o jornalista a questiona sobre os métodos necessários, Ferreira Leite responde: “não há fórmulas mágicas”. Tem toda a razão, pois o problema é complexo. Mas tenho uma pequena e modesta sugestão que cabe num só parágrafo.

Responsabilizar os professores, exigir mais aos alunos. Deixar de insistir que a escola visa “promover competências”, recuperando a ideia de que serve para adquirir conhecimentos. Não recompensar a mediocridade. Estimular a ambição dos alunos. Valorizar os resultados. Punir os professores que faltam com frequência. Chumbar os alunos inaptos. Premiar os alunos que foram capazes de se superar a si próprios.

Ou seja, o contrário de tudo o que se tem feito nos últimos dez anos.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Um ano


Foi assim que começámos, no dia 8 de Outubro de 2006. À noite, claro.
Obrigado aos que nos lêem, aos que por aqui passam, aos que comentam. Prometemos continuar.

Isto está mau

Começo a dar-me conta de que está qualquer coisa de errado comigo quando descubro que não consigo tirar quinze minutos por dia para escrever um post.

sexta-feira, outubro 05, 2007

a arte da fuga, 17

Lucien Freud, Girl with a White Dog, 1951-1952

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quarta-feira, outubro 03, 2007

Londres: o que não vem nos guias (II)

Quem nunca ouviu alguém dizer que “Londres é uma cidade caríssima”? Habitualmente ficamos perdidos na abstracção do termo, imaginando finais felizes. É meu dever desiludir-vos:

Um café: 2 euros.
Um bilhete de metro diário para o centro de Londres: 7 euros e meio.
Um maço de tabaco: 8 euros.
Um bilhete de cinema: 15 euros.
Meio frango assado com batatas fritas e uma Sprite num restaurante de segunda: 20 euros.

Londres: o que não vem nos guias (I)

A letra da famosa música de Louis Armstrong, “What a Wonderful World”, teve que ser alterada – nomeadamente a passagem “I see skies of blue”. Os londrinos desconhecem o conceito.

terça-feira, outubro 02, 2007

Árbitros na 'flash-interview'

Este fim-de-semana houve pelo menos quatro jogos televisionados em canal codificado, e em todos eles (TODOS) o treinador derrotado e o suspeito do costume acusaram o árbitro das suas frustrações. (Diga-se o nome dos sujeitos: José Mota, Jorge Costa, Carlos Brito, Paulo Bento.)

Posso sonhar com o dia em que a presença nas flash-interviews pós-jogo seja marcada pelo árbitro?:

«Isto é uma vergonha! Os treinadores não me facilitaram a vida. Jogaram para o empate, instruiram os jogadores a uma maneira agressiva de defender, pelo que tive de mostrar imensos cartões. Ainda por cima, não censuraram os jogadores que me tentaram enganar, lançando-se para o chão sempre que estavam perto ou dentro da área.
Já começam a ser demasiadas situações destas semana após semana. E o que me choca mais é a dualidade de critérios: a semana passada vi eu os jogos destas duas equipas apitados por colegas meus, e não houve situações destas, jogaram ao ataque, livremente, e sem agressividade.
E é assim: eu estou no futebol porque gosto do desporto, gosto da modalidade, e o futebol é a minha vida. É por isso que estou aqui mesmo ganhando tuta e meia. Eles ganham rios de dinheiro, e mesmo assim fazem coisas destas.
Penso que é altura de quem manda no futebol fazer alguma coisa, os órgãos dirigentes da Liga ou assim, porque são sempre as mesmas classes a desprestigiar o futebol, e os bodes expiatórios são sempre os mesmos.
Eu sei que provavelmente amanhã vou ser castigado, colocado na jarra... Mas não posso continuar calado perante esta situação. Só quero ver aliás a classificação que vai ser dada aos treinadores no relatório da imprensa. Caso contrário, com muito custo, se calhar terei mesmo de pensar seriamente em abandonar o futebol. Muito obrigado.»

Parafraseando Woody Allen: não seria excelente se a vida fosse assim?

Regresso atribulado

As primeiras impressões no retorno a este país singular não são animadoras.

É estranho ver que o PS se transformou no PSD, o PSD se tornou no PP, o PP na Nova Democracia e a Nova Democracia no PSN. São demasiadas transferências para assimilar de imediato.

O campeão nacional de futebol está encontrado à sexta jornada e não veste de vermelho. Desanimador, mas habitual.

Um pouco mais surpreendente é ter chegado de um país onde choveu ininterruptamente durante oito dias sem que uma única goteira tivesse entupido, uma rua fosse cortada ou um transeunte tivesse molhado os pés, e descobrir que entre nós um aguaceiro de meia hora inundou a baixa de Sacavém. A chuva é tramada, por aqui. Mas como disse o Presidente da Câmara de Loures: “são coisas da natureza; não há nada a fazer”. Ainda bem que os londrinos não pensam assim; caso contrário Trafalgar Square estaria submersa há décadas.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Os filmes mais agradáveis, um a um (V)

E) Ladri di biciclette [Ladrões de bicicletas] (1948], de Vittorio De Sica:

- Confesso-me ter sido sempre pouco amigo das formas de arte entendendo-se como veículos de ideologia, e não é outra coisa o neorealismo, mas abro uma excepção a este filme de De Sica. É que, mais do que um retrato da Itália do pós-guerra, este filme é sobretudo uma espécie de afirmação da impotência humana: um homem que ganha o seu sustento pelo uso da sua bicicleta tenta reavê-la após ter sido furtada, e tudo isto sempre na companhia do seu pequeno filho. A relação pai-filho-bicicleta tem aqui o seu início fulgurante (que será usada muitas vezes ao longo da história do cinema, basta ver os filmes de Benigni ou um que saiu há pouco tempo com Will Smith), e centra-se afinal no esforço contínuo de um pai de cobrir ao filho o horror do mundo com uma cortina de afabilidade. No final, uma das melhores cenas da história do cinema: levado ao desespero, o pai tenta ele próprio furtar uma bicicleta, mas é apanhado, esbofeteado, e deixado ir à sua vida, tudo perante o olhar do seu filho.

A última cena retrata o pai junto com o filho, caminhando em direcção a um horizonte de gente, e a cara do pai é a melhor expressão de vergonha que se pode conceber. Não há afinal impotência maior que esta: o sentir-se que se demonstra aos nossos filhos não termos capacidades para lhes sermos os melhores pais.
Realismo?: sobretudo crueza...

Lobos que uivam não mordem


A selecção nacional portuguesa de rugby foi recebida no final da passada semana em apotesose no aeroporto de Lisboa, e homenageada no intervalo do Benfica-Sporting pelo presidente do SLBenfica, Luís Filipe Vieira, depois de ter falhado os dois únicos objectivos a que se propôs neste mundial de rugby: não perder com a Nova Zelândia por 100 pontos, e ganhar à Roménia.
Felizmente gritaram o hino com fervor, senão até poderia ter sido uma desilusão...