sábado, março 31, 2007

Produtos Seleccionados

1. “Em cartaz”, no Lóbi do Chá. Em torno do que verdadeiramente importa na polémica acerca do cartaz xenófobo do PNR: o triunfo da liberdade de expressão, “por mais ignóbil que seja a mensagem”.

2. “Alemanha: um caso exemplar”, no Corta-Fitas. Uma reflexão sobre a efemeridade na política, mostrando que os “estados de graça” são realidades pouco consistentes, e que o apreço dos eleitores é extremamente volátil.

3. “Muito mais do que um cigarro”, no Arrastão. Um texto grande – mas um texto excelente – sobre a nova lei do tabaco e as suas incongruências.

4. “Política unitária”, no Kontratempos. Em redor das estratégias da Esquerda portuguesa: da concórdia entre PS e BE e da silenciosa exclusão do PCP.

5. “O nascimento da química”, no De Rerum Natura. De um blogue recente que rapidamente se tornou popular, um post de Carlos Fiolhais sobre o desabrochar da Química no último quartel do século XVIII.

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E ao sétimo dia, Deus descansou

O PCP e a malta do Bloco descobriram novo tema fracturante: os hipermercados abertos ao domingo. Vai daí orquestraram uma proposta de lei que visa acabar com este flagelo. Agostinho Lopes, deputado do PCP, invoca “o direito dos trabalhadores ao descanso”. Aparte a ironia que é ver um partido anti-clerical e ateísta advogar a sacralidade do domingo, gostaria de questionar: mas porquê apenas os hipermercados? Se o cerne da questão é o “direito ao descanso”, então, camaradas, não se fiquem pelo Jumbo e pelo Feira Nova!

Fechemos os restaurantes, bares e cafés. Encerrem-se os cinemas, os teatros e as salas de concertos. Acabem com os jogos de futebol ao domingo. O pessoal do telemarketing também quer descansar, como a polícia, os seguranças, os porteiros e os guardas-nocturnos. E, já agora, em nome do rigor, que ninguém se esqueça de dar folga aos padres. Por uma questão de coerência.

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quinta-feira, março 29, 2007

a arte da fuga, 9

Max Ernst, L'Ange du foyer ou Le Triomphe du surréalisme, 1937

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Os limites da sátira

Pacheco Pereira tem toda a razão. Odete Santos pode ser a mulher mais espalhafatosa do mundo, mas as graçolas rasteiras de que tem sido alvo na blogosfera são reprováveis. Especialmente aqui – num blogue de que, confesso, sou adepto – o nível das piadolas foi ignóbil. Se a própria blogoesfera pretende combater a ideia generalizada de que os blogues são simples antros de mesquinhez, escárnio e deboche, os bloguistas devem repensar o seu processo crítico. Há muitas formas de denunciar comportamentos errados e declarações infundadas, mas a injúria e a maledicência são as mais triviais – no pior sentido.

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quarta-feira, março 28, 2007

Jacques Delors

Aos 81 anos de idade – e quando se comemoram os 50 anos do Tratado de Roma – continua sendo um dos mais lúcidos europeístas. Alguns excertos da entrevista ao Expresso (sublinhados meus):

“Agrada-me que Angela Merkel tenha retomado a frase [que ‘devemos procurar uma alma nesta Europa’] que, aliás, é uma frase tão laica quanto crente, uma vez que ‘uma alma’ significa que os europeus estão todos no mesmo barco, mesmo que tenham orgulho em ser portugueses, espanhóis, alemães, italianos, franceses ou ingleses... Embarcaram juntos no mundo do século XXI, para realizarem projectos de civilização, de solidariedade e de generosidade.”

O problema do défice democrático na Europa tem a ver, antes de mais, com as dificuldades que os governo têm em ser coerentes com a Europa, leais para com a Europa e para com eles próprios. Se explicassem, por exemplo, que o alargamento de 15 para 27 é uma alegria para a Europa, uma reconciliação, o fim da Guerra Fria... Se explicássemos isso, de coração aberto, abrindo os braços a esses países, não estaríamos no actual impasse.”

“Existem soluções que passam por tentar estabelecer a igualdade de oportunidades na Educação. É fundamental que se crie mais mobilidade na sociedade, mais igualdade de oportunidades. (...) Considero que em cada ser humano, homem ou mulher, existe um tesouro que é preciso fazer sobressair. Se alguém vive em condições familiares ou escolares difíceis, esse tesouro jamais se revelará. Fica-se condenado a viver à margem da sociedade ou até ameaçado de exclusão. Assim, é preciso considerar que cada ser humano deve ter a sua oportunidade.”

não podemos deixar de fora os países da ex-Jugoslávia, sabendo os dramas que enfrentaram e que ainda os dividem. (...) não podemos fazer esperar esses países, que precisam de ser membros da União para encontrarem estabilidade, paz, reconhecimento mútuo e, sobretudo, confiança no futuro.”

[sobre a entrada da Turquia na UE] “Não teria feito como alguns, que disseram um ‘não’ definitivo. Eu digo ‘sim’ às negociações. Porque neste mundo ameaçado por guerras religiosas, pelo fundamentaliso, pela recusa do outro, se a Europa nega o outro e se fecha, estaremos a encorajar guerras e terrorismo. (...) trata-se de um ‘sim’ em nome de uma Europa aberta que não é uma Europa unicamente cristã, que é uma Europa com valores como a paz, o respeito mútuo e a solidariedade.”

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terça-feira, março 27, 2007

Grandes Portugueses (II)

Agradecendo os comentários que o post sobre os Grandes Portugueses suscitou, gostaria de acrescentar algumas observações. Uma análise dos resultados – e uma tentativa de encontrar razões para justificar a escolha de Salazar – é uma tarefa que esbarra com uma dura realidade chamada Portugal, onde as assimetrias sociais e sociológicas estão na mesma proporção que as assimetrias económicas e geográficas. "Quem votou?", perguntavam. A resposta é simultaneamente óbvia e obscura: o público que assiste a concursos de televisão e vota em concursos de televisão. Trata-se de um grupo educado, culto e politicamente interessado – capaz de perceber que Salazar foi uma figura sombria da nossa história? Provavelmente não. Significa isso que devemos desvalorizar a votação, simplesmente porque ela depende da "vox populi"?

Respondo com moderação. Por um lado, respeito o carácter democrático da votação. Tratou-se de uma opção do próprio concurso e parece-me lógico que se respeitem as regras do jogo. Não podemos aplaudir a decisão de dar a voz ao público e ao mesmo tempo repudiar a sua escolha apenas porque ela não coincide com as nossas próprias preferências. Por outro lado, parece-me imprudente e alarmista extrapolar de uma votação minoritária (com um registo marcadamente sectário) a expressão de uma convicção nacional – como se de facto os portugueses achassem que Salazar é a nossa maior contribuição para a história mundial. Em rigor, foi uma escolha do público que assiste a concursos de televisão e vota em concursos de televisão. Com a (ir)relevância que esta amostra intrinsecamente compreende.

Todavia, cabe-me esclarecer que nunca pretendi dizer que a vitória de Salazar "em si", i.e., da personagem propriamente dita, fosse um sinal positivo. Tomada na sua exclusividade é uma escolha lastimável. Salazar foi responsável por um período miserável da história de Portugal, criando um regime repleto de contornos sinistros (limitação da liberdade de expressão e de imprensa, presos políticos, torturas, monopartidarismo, etc.).

Quando falei da "emancipação democrática" referia-me à circunstância processual que o concurso suscitou: um debate público tranquilo, transparente e desassombrado sobre os horrores da nossa própria história. Nada pior do que os regimes que se julgaram "detentores da verdade" e ajustaram a vivência pública aos ditames do seu "realismo histórico". O caso da URSS estalinista é um exemplo óbvio, com o "desaparecimento" de personalidades escolhidas a dedo, onde a história de cada família era escrita pelo comité central, onde Trotsky se tornou um nome proibido, etc. Ou a Alemanha de Hitler, capaz de ressuscitar o passado mitológico nórdico para sustentar a sua visão política, mas obviamente desinteressada das mensagens "universalistas" de pensadores como Kant e Fichte, ou escritores como Erich-Maria Remarque – proibidos e/ou esquecidos pelo regime.

Nada pior do que uma sociedade incapaz de discutir o seu passado sem receio de fantasmas e onde os tabus são institucionalizados. Nada pior do que uma sociedade envergonhada dos seus ditadores e que silenciosamente se enche de esqueletos no armário. Pensem no que se passa em França, onde se pretende amordaçar a discussão académica sobre o “genocídio arménio” e onde falar dos excessos de Robespierre é condenado publicamente. Pensem na Alemanha, onde as investigações sobre o III Reich são silenciosamente interditas e onde a iconografia nazi é proibida. Não por acaso estamos a falar de dois países onde a extrema-direita possui um poder assinalável.

As sociedades democráticas que não lidam com os seus medos, acabam mais tarde ou mais cedo por ter que defrontar resistentes fantasmas, reforçados pela ignorância pública – tão mais profunda quanto maior tiver sido o silêncio que obscureceu a livre investigação e a clarificadora exposição daqueles fantasmas. É que, na verdade (e chamem-me optimista), essa livre e transparente discussão revela os efectivos contornos daqueles putativos fantasmas – mostrando que não passam de simples fanfarrões.

O meu elogio a este concurso residiu precisamente nesta mais-valia: a capacidade de ter exposto as fraquezas de Salazar, com o pretexto de mostrar os seus méritos. Foi por se ter discutido Salazar (e não por se ter escolhido Salazar) que considerei positivo o concurso – julgando que a escolha pela discussão aberta e transparente constitui um inequívoco sinal de emancipação democrática.

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segunda-feira, março 26, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 19

A propósito de algumas imagens televisivas de Valentim Loureiro:

- Porque é que o charuto e a missa vêm associados com tanta frequência a tudo o que exala um odor mafioso?

A propósito do concurso Grandes Portugueses:

- Terá sido esta a prova definitiva da tradicional lusa estultícia? Só mesmo aqui se poderia considerar "grande" um velho antiquado de vozinha irritante...

A propósito das novas normas de segurança no transporte aéreo:

- Porquê tanto rigor na análise de bagagens de mão, tratando cada passageiro como um terrorista em potência, quando a primeira coisa que nos dão assim que o avião descola é um par de talheres cortantes?

A propósito do provável-aeroporto da Ota:

- Perante a inexistência de transportes adequados, não terão os lisboetas de viajar por via aérea da Portela para a Ota sempre que queiram apanhar um avião nesta? Assim se responde à pergunta elaborada esta semana pelo editor do Expresso: o provável-aeroporto da Ota é inevitavelmente um aeroporto de escalas....

Grandes Portugueses

A vitória de Salazar no concurso explica-se por várias razões: como um voto de desilusão de camadas sociais desapontadas com o estado de coisas; como um voto saudosista de pessoas enclausuradas numa nostalgia quimérica de um Portugal isolado e pobre, mas onde nada acontecia; como um voto de protesto de cidadãos indignados pela estratégia tendenciosa da RTP (que inicialmente esqueceu Salazar na lista dos 200 nomes propostos e que depois tudo fez para que o ditador não triunfasse).

Independentemente destas (e de outras) causas, há uma importante consequência a reter: lentamente, Portugal vai aprendendo a lidar com os seus fantasmas e a abolir tabus consensuais. Nesse sentido, o resultado deste concurso televisivo revela que a sociedade portuguesa caminha para uma plena emancipação democrática.

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Art Expresso

Actualmente é de bom tom enaltecer a determinação de Sócrates, em contraste com a desorganização que grassa na oposição. Todavia, os jornalistas – e os jornais de referência em particular – têm a obrigação de resistir a estas tendências e assumir uma posição mínima de imparcialidade. Isto não significa uma diminuição do sentido crítico, mas sim a necessidade de rejeitar abordagens preconceituosas, que ora demonizam ora deificam personagens e movimentos políticos. Por outras palavras, exige-se que o jornalista, manifestando uma opinião (e tratando-se de uma reportagem ou da divulgação de uma notícia), não conduza o leitor a uma interpretação circunscrita da mesma.

O Expresso caminha em sentido contrário, apoiando sem despudor as medidas do Governo e ridicularizando a oposição. Sirva de exemplo a reportagem na pág. 2 – “a história do coração que atrasou Sócrates” – que já na passada semana recebera honras de primeira página. Trata-se de uma “notícia” que se presta apenas a destacar a compaixão socrática, que através de um acto heróico salvou uma criança de 2 anos; tudo porque o avião do primeiro-ministro foi ao Funchal buscar um coração para um transplante, tendo aliás feito Sócrates chegar atrasado ao Conselho Europeu. Uma verdadeira história de encantar, com efeitos puramente propagandísticos.

Simultaneamente, a oposição é escarnecida ao longo do jornal, através de inenarráveis escolhas gráficas. Na pág. 10 lemos uma reportagem intitulada “A desafinada banda do PSD”, sobre a oposição interna à liderança de Marques Mendes. A ilustração? Uma fotomontagem em que Marques Mendes, meio-Nosferatu, meio-Conde Drácula, surge com um olhar tresloucado, em pura meditação transcendental a la Zandinga. A rodeá-lo, várias cabeças de políticos em corpos alheios, tocando uma série de instrumentos. Gostei especialmente do baixista Santana Lopes e de uma inconcebível montagem de Paulo Portas tocando guitarra em tronco nu. Apenas duas perguntas: o que é que Portas tem a ver com a oposição interna do PSD e porque diabo o Expresso se presta a ridicularizar-se a si próprio juntando à cabeça de Portas um tronco nu peludo de outra pessoa?

Já na página 7, e a pretexto de uma notícia sobre o CDS, encontramos uma espantosa montagem de Maria José Nogueira Pinto, transformada pelo grafismo de Miguel Seixas numa imagem de Belzebu, apenas com um corno lateral, mas com a inconfundível cauda demoníaca, tudo isto enquadrado com umas chamas em fundo. Jornalismo de qualidade, sem dúvida.

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domingo, março 25, 2007

Duvidança Especial (9)


(Clicar na imagem para ver filme)

- Conseguirá o youtube conter a generalidade das minhas cenas cinematográficas preferidas?

sábado, março 24, 2007

O risco da obstinação

Uma das virtudes de Sócrates – assim nos querem fazer crer – é a sua coragem. Em contraste com o seu antecessor socialista (Guterres), Sócrates é um primeiro-ministro decidido, capaz de apresentar um plano com clareza e seguir o caminho projectado com determinação. O problema é que a determinação anda de mãos dadas com a obstinação.

O caso do aeroporto da Ota tem revelado como esta constatação pode ter consequências nefastas. Apesar de todos os estudos mostrarem as deficiências do projecto (a enorme distância da capital, os fracos acessos rodoviários e ferroviários para a região, os problemas logísticos, os gigantescos requisitos financeiros, os danos ambientais, etc.), Sócrates mantém uma fé inabalável na construção do aeroporto na Ota, assumindo-o como um desígnio nacional de inquestionável urgência e interesse para o país.

Porém, a realidade poderá ser bem distinta. Depois de vários anos a construir e propagandear a imagem de um político resoluto e inquebrantável, Sócrates pura e simplesmente não pode ceder, mesmo que os argumentos técnicos e/ou políticos o recomendassem vivamente. De certo modo, Sócrates vive e alimenta-se da sua própria teimosia, afinal o seu maior trunfo político. Assim sendo, e para assegurar a sua sobrevivência, Sócrates poderá ter que enveredar por caminhos que serão prejudiciais para o país. Eis um sério risco que corremos.

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sexta-feira, março 23, 2007

Hipocrisia sem limites

Depois de proporcionarem ao país momentos vergonhosos de canalhice política, os populistas (ou democratas-cristãos, como preferirem) procuram agora – num gesto apreciável de contorcionismo – negar o óbvio, arvorando-se ora em defensores da moral (através do inesquecível Hélder Amaral, esse beirão sem mácula), ora em grandes democratas (Portas, Telmo Correia, Pires de Lima), ora em apologistas da “discussão democrática” (o grande Nobre Guedes). Para o CDS, no pasa nada. É preciso ter lata.

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quinta-feira, março 22, 2007

Coisas que valem a pena, 10

"Poderá da mais profunda desgraça germinar a esperança, mesmo que seja como uma interrogação apenas audível? Será essa a esperança, fora dos limites do desespero, a transcendência da desolação, não como a sua renegação, e sim como o milagre que ultrapassa a fé. Ouçam então o final, ouçam-no comigo: um naipe de instrumentos após outro esvai-se e o que resta, quando a obra se acaba, é o sol agudo de um violoncelo, a última palavra, o derradeiro som que plana no ar e se extingue, desaparecendo lentamente numa fermata em pianíssimo. Nada mais acontece. Silêncio e noite."

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quarta-feira, março 21, 2007

Coisas que fazem rir, 8

Ainda a propósito do FC Porto-Sporting (0-1), atenção ao seguinte texto produzido pelo site oficial dos portistas, um exemplo acabado de que os mundos paralelos existem:

"Um golo contra a superioridade azul e branca na segunda parte, uma conjugação de factores que não favoreceu quem mais tentou, juízos sem critério aparente. A resenha do jogo do Estádio do Dragão destaca o risco máximo assumido pelo F.C. Porto numa segunda parte de alta rotação (...).

Sem preâmbulos nem reverências, o jogo lançou os dois guarda-redes ao relvado logo ao segundo minuto, embora denunciando, desde o pontapé inicial, o comedimento sportinguista, que colocava apenas dois jogadores na frente de ataque. Enquanto o adversário se dispunha a aguardar, detendo-se numa morosa elaboração, o F.C. Porto acelerava em transições múltiplas, que requeriam minúcia e precisão e um critério marcadamente ofensivo. O método portista denotava maior predisposição para vencer, envolvendo também um risco crescente, que o opositor se propunha explorar numa espera paciente, indissociável do erro de quem mais investia no espectáculo e manuseava uma espécie de caixa de velocidades virtual com invejável destreza.

Numa série de maldades, Quaresma acentuava os desequilíbrios que aproximavam o Dragão do golo, para o meio-campo do Sporting logo adormecer a partida em demoradas lateralizações, critério de jogo que a segunda parte viria a agudizar, com a agravante de colocar o visitante em vantagem na cobrança de um livre directo.

Se até então o visitante se esforçara por adormecer o adversário, uma vez a vencer embalaria a bancada, obtendo em resposta a reprimenda no lugar do merecido bocejo, o reflexo mais expectável e condizente com arrastadas demoras, que ainda assim não chegaram a merecer reparo. O F.C. Porto não se renderia, contudo, e esteve a centímetros do golo por mais de uma vez (...). No último lance do jogo, Pepe foi tocado por Polga em plena grande área, num movimento que não mereceu análise criteriosa por parte da equipa de arbitragem."

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terça-feira, março 20, 2007

Dias da Música

A qualidade da Festa da Música – pela excelência dos seus intérpretes, pela quantidade de concertos apresentados, pelo ambiente que gerava – é irrepetível. Todavia, a alternativa sugerida pelo CCB – os Dias da Música (a decorrer entre 20 e 22 de Abril) – reúne todas as condições para ser um evento bem sucedido. Na verdade, trata-se de um festival bem arquitectado, que tira partido das potencialidades físicas do CCB e sabe rentabilizar o orçamento possível (muito reduzido em comparação com a Festa da Música) para permitir espectáculos de qualidade.

A alternativa proposta mantém a estrutura da Festa da Música, reduzindo um pouco o número de concertos (66 no total). Embora sejam criados intervalos maiores entre os espectáculos, a dinâmica é preservada (os concertos decorrem a cada duas horas, no máximo, e com intervalos nunca superiores a uma hora e vinte minutos). Não são sugeridos horários excêntricos, mas há oferta para ouvidos matinais e hábitos mais noctívagos. O preço é acessível a todas as bolsas: os concertos custam 6 euros, independentemente da sua duração. Alguns espectáculos (consoante a sua localização) podem custar apenas 3 euros.

A qualidade do programa é indiscutível. Dedicado ao piano, este Festival apresenta intérpretes da elite nacional (Maria João Pires, Jorge Moyano, Mário Laginha, Artur Pizarro) e internacional (Fazil Say, Uri Caine, Sergio Tiempo), além de promessas portuguesas (Bernardo Sassetti, Filipe Pinto-Ribeiro, Miguel Borges Coelho). As sugestões programáticas incluem clássicos do repertório como os Concertos para Piano e Orquestra de Brahms (nº2), Tchaikovski (nº1), Beethoven (nº3 e nº5), Rachmaninov (nº2) ou Prokofiev (nº3), além de sonatas de Liszt, Bartók e Schubert, e outras peças célebres (as Cenas Infantis, de Schumann; os Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky, por exemplo). Mas há também espaço para obras pouco tocadas e menos conhecidas do público em geral, de autores diversos como Scarlatti, Chopin, Debussy, Saint-Saëns e Rimsky-Korsakov.

Os Dias da Música prometem.

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segunda-feira, março 19, 2007

Os americanos (II)

Os americanos são estúpidos. Eis uma crença bem difundida entre os europeus – provavelmente para esconder a sua própria estultícia e provincianismo. Actualmente circula no YouTube um vídeo onde se procura confirmar aquela asserção. O método é conhecido: um grupo de “jornalistas” bem-intencionados interroga indivíduos “ao acaso” sobre questões a que qualquer cidadão bem informado saberia responder sem pestanejar. Nesta ocasião, todavia, o resultado é catastrófico, com respostas absolutamente imbecis.

Na verdade, trata-se de um mito – de um duplo mito, aliás. Em primeiro lugar, este tipo de iniciativas “jornalísticas” é uma farsa. O que os espectadores vêem é naturalmente o resultado de uma escolha editorial, que elimina as respostas acertadas e selecciona as intervenções mais estapafúrdias, de modo a ilustrar o argumento (pré-definido). Nunca saberemos o que aconteceu nos casos em que cidadãos normais responderam correctamente às perguntas em causa – momentos que não servem para alimentar o espectáculo. Ao invés, encontrando o jornalista um indivíduo ignorante, não mais o larga, procurando arrancar-lhe respostas idiotas. Posteriormente, bastará intercalar esses planos entre meia-dúzia de outras respostas erradas para dar a sensação de que se trata de um painel significativo e representativo. Um excelente exemplo de manipulação jornalística ao serviço do mais básico proselitismo político ou cultural.

No entanto, mais grave que a mistificação jornalística é o mito propriamente dito de que os americanos são estúpidos e de que os europeus, ao invés, são especialmente sábios. É aliás comum ouvir-se e ler-se que “os americanos não sabem nada da Europa”. A generalização é ridícula: muitos americanos inspiram-se em exemplos culturais europeus e conhecem razoavelmente bem a Europa; como também muitos estudantes, e outros grupos educados sabe aspectos gerais da história e da política europeias. Por outro lado, ninguém duvida que existe uma enorme fatia de cidadãos ignorantes, como em qualquer parte do mundo.

Porém, importa questionar: e os europeus, serão assim tão conhecedores dos EUA (e até mesmo da sua própria história, geografia e política)? Quantos europeus já foram de facto à América? Quantos conseguiriam identificar metade dos Estados que constituem aquele país? Quantos saberão o nome do actual Vice-Presidente? Quantos sabem que a capital do Estado de Nova Iorque não é Nova Iorque, mas sim Albany? Quantos saberão dizer se Bush é Republicano ou Democrata? Quantos conhecem o índice de crescimento dos EUA, ou o seu défice, ou o valor das suas taxas de juro? Quantos sabem dizer quem foi Jefferson ou John Adams? Ou em que data se tornaram independentes?

Convencidos de que Hollywood é uma fiel janela para os EUA – e seguros de que do outro lado do Atlântico não existem mais do que restaurantes de fast-food, cantores de country pirosos e adolescentes gordos – os europeus seguem as suas vidinhas, zombando de uma cultura e de um país que não conhecem. Certos da sua superioridade intelectual, os europeus estão demasiado ébrios para questionarem os seus próprios defeitos e incapacidades.

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sexta-feira, março 16, 2007

O cão de Pavlov

Os gerentes de recintos fechados em Portugal reagem aos primeiros sinais de alterações climatéricas como se de um instinto primário se tratasse. Assim que surgiram no horizonte alguns raios de sol, logo se deram ordens para baixar drasticamente a temperatura dos ares condicionados, como se estivéssemos perante uma onda de calor insuportável. Resultado? As máximas não ultrapassam os 22º, mas os cinemas, os restaurantes e os centros comerciais parecem arcas frigoríficas. Diálogos como “Querido, estás pronto para irmos ver o filme? – Espera, tenho que ir buscar o casaco” vão tornar-se um hábito na sociedade portuguesa.

Ontem mesmo entrei numa farmácia onde soprava uma brisa gélida. Um dos clientes queixou-se ao farmacêutico, que se justificou com “o calor que está lá fora”. A que ripostou o cliente: “só se for lá fora. Aqui dentro está uma vaga de frio polar. Olhe, avie-me mais uma caixa de Antigrippine!”. Just in case.

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o belo e o sublime, 11

Sapo-de-chifres, Bornéu

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quinta-feira, março 15, 2007

O brilho da Polónia

Políptico do Convento de Clarissas de Wrocław, 1350-1360
Até meados de Junho, estarão em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga várias dezenas de pinturas e esculturas dos sécs. XII a XVI, provenientes do Museu Nacional de Varsóvia. Do itinerário proposto desponta uma dupla dinâmica, que perpassa as obras expostas: a predilecção pelo ouro e o fascínio pelo corpo.

A primeira é característica das pinturas, nas quais assoma um (impossível) gosto barroco, patente na utilização dos dourados que procuram conferir uma grandiosidade à atmosfera que rodeia as cenas retratadas (na sua esmagadora maioria de índole religiosa). É curioso verificar que, embora partam de uma tradição relativamente antiga (utilizando os dourados de acordo com as técnicas bizantinas), os artistas polacos medievais e proto-renascentistas conferem uma notável dimensão moderna às suas criações, empregando essas técnicas para relevar aspectos tipicamente caros à pintura do Renascimento tardio (a atenção aos pormenores – trajes, feições, posturas – e um peculiar cuidado com a descrição da anatomia humana).

O fascínio pelo corpo – já patente em boa parte das pinturas – emerge na sua plenitude nas esculturas expostas, espantosas sagrações da carne. Contrariamente a grande parte da tradição ocidental (França, Itália, Península Ibérica), a descrição das cenas bíblicas opta por um grande realismo material (se o pleonasmo é possível), onde o sofrimento é ilustrado sem reservas – os corpos contorcidos, o sangue jorrando das feridas, as faces contraídas pela dor. Nas esculturas medievais polacas, Cristo sofre – e sofre pela angústia da morte, mas também pela agonia que os pregos, a cruz e a coroa de espinhos lhe infligem. Não há lugar para falsas serenidades e cenários idílicos.

Infelizmente, não há bela sem senão. A necessidade de deslocar dois funcionários do MNAA para a exposição não foi corrigida, pelo que as secções de Ourivesaria (onde se encontra a mais importante obra portuguesa do género, a Custódia de Belém, de Gil Vicente), do Mobiliário e a própria Capela das Albertas foram fechados ao público. Leram bem: um piso inteiro vai estar encerrado durante três meses e meio porque o Ministério da Cultura e/ou o MNAA não podem/não querem contratar dois funcionários temporariamente, para assegurar o pleno funcionamento da instituição. Bem-vindos a Portugal.

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quarta-feira, março 14, 2007

Produtos Seleccionados

1. “Música no coração”, no Lóbi do Chá. Com a ironia do costume, um excelente texto sobre uma notícia na primeira página do “Expresso”, onde se procura criar a imagem de um Sócrates ternurento, carinhoso, compassivo.

2. “Outlier: a carta do ministro”, no Margens de Erro. Em torno das recentes fanfarronices de António Costa, sempre pronto a distribuir traulitadas pelos seus críticos.

3. “O complexo”, no Da Literatura. A partir da estranha indignação de algum jornalismo sobre o “caso Mantorras”, apanhado a conduzir com carta de condução inapropriada. Eduardo Pitta é inquestionavelmente um dos melhores bloggers portugueses.

4. “Condorcet: o Protestantismo, o Catolicismo e o Analfabetismo Luso”, no Apaniguado. Uma interessante reflexão sobre as raízes do analfabetismo e da literacia, contrariando habituais preconceitos e relendo o processo de educação das massas à luz dos nacionalismos do século XIX.

5. As diferentes impressões de Pedro Correia sobre a sua viagem à Suécia, no Corta-Fitas: uma, duas, três.

6. Para finalizar, um espantoso projecto de Bernardo Rodrigues (O Arco e a Orquídea), revelado e comentado no A Barriga de um Arquitecto.

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Desaparecido em combate

É uma evidência: não há jornalismo televisivo em Portugal. Quanto muito, temos uma série de empenhados repórteres, que seguem arguidos, esticam o microfone para o povão, e registam os gritos de indignação de uma mãe pesarosa ou de um desempregado desesperado.

O episódio da “menina de Penafiel” (ou como lhe quiserem chamar) é digno de uma paródia ao melhor estilo Monty Python. A objectividade foi substituída pelo improviso mais descarado, as intervenções jornalísticas baseavam-se em relatos indirectos, do género “diz que disse” ou no já incontornável “alegadamente”. A lenga-lenga, assente em acordes pianísticos a puxar à lágrima, e polvilhada pela arruaça popular – demorou 19 minutos na RTP e cerca de 23 minutos na TVI. Não há pachorra.

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Está tudo a dormir

Não há ninguém na redacção de “O Jogo” que ache que esta capa envia uma estranhíssima mensagem sub-reptícia (para não dizer evidente...)?

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terça-feira, março 13, 2007

Coisas que fazem rir, 7

Nos dez anos do Herman Enciclopédia, uma grande evocação de Carlos Pinto Coelho e do "Acontece".

(Clicar na imagem para ver vídeo)

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segunda-feira, março 12, 2007

Tendências

Apesar de entupir o Príncipe Real e a Rua da Escola Politécnica, o Moda Lisboa é um evento de inquestionáveis méritos, cujo clímax ocorre naquele momento em que os “criadores” são entrevistados pelos jornalistas. Não contentes pela produção de roupas espalhafatosas, adereços medonhos e vestidos estapafúrdios, os estilistas brindam-nos com pérolas filosóficas e pensamentos profundos.

Numa reportagem da SIC Notícias assisti a duas entrevistas notáveis. Na primeira, um jovem “criador” (não fixei o nome) falava acerca das suas “propostas” – em que manequins seminus transportavam sabres de luz “à la Starwars” e outras armas futuristas – nos seguintes termos: “procurei reflectir acerca do homem do futuro, e imaginei muitos lasers, muitos néons, muitos tiros”. Seguem-se duas gargalhadas. “Sabe, um estilista tem que antecipar o que vem aí”. Ficamos pois, a saber que os nossos filhos vão desfilar pela rua com tangas coloridas e pistolas de raios fluorescentes.

A segunda estilista, Alexandra Moura, rejeitou esta leitura de ficção científica e centrou-se na abordagem espiritual – digna de um best-seller da Pergaminho. Perante a questão “o que a inspirou?”, esclareceu Alexandra: “A moda não tem só a ver com o que vestimos por fora (esta é nova!). Tem a ver com o que somos por dentro. Por isso, as minhas propostas reflectem o nosso interior”. Em que é que isto se traduz? Deixemos falar a “criadora”: “Utilizei muito o cinzento, porque é isso que nos faz pensar, a massa cinzenta”. “E o vermelho, por causa do sangue”. Obrigado, Alexandra, por esse momento onde o gótico e a fenomenologia se fundiram na perfeição.

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domingo, março 11, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 18

A propósito do programa televisivo Estado da Arte:

- Esta semana consegui ver cinco minutos do programa de Paulo Portas, enquanto almoçava. E ocorreu-me: há indivíduos que são opinadores, e há indivíduos que são pensadores. Os pensadores tendem a identificar problemas, a encadear uma argumentação de resposta possível, e a formular uma conclusão que possa constituir uma resposta para o problema, a qual pode também ser objecto de uma problema identificado, etc.; os opinadores nem identificam problemas, nem argumentam, nem encadeam proposições, nem admitem contraditórios aos seus discursos, limitam-se a dizer o que lhes passa pela cabeça sobre qualquer tema que lhes passe pela cabeça, sempre no tom do "acho que...". Um pensador pode ser protagonista de um bom programa televisivo, ou de um mau, consoante o formato do programa ou a qualidade do dito pensador; contudo, é difícil aferir esta afirmação com factos pois não existem programas de pensadores. Por outro lado, um opinador pode ser protagonista de um bom programa de televisão, ou de um mau, consoante o formato do programa ou o interesse da opinião do opinador. Ora os programas de opinadores portugueses são todos em formato de entrevista fictícia (perguntas previamente combinadas) e em formato platónico (o "entrevistador" limita-se a tentar fazer o "entrevistado" brilhar, olhando-o embevecidamente e tratando-o com deferência excessiva, numa posição de discípulo). Isto não é necessariamente mau se o opinador for alguém de relevo: por exemplo, a opinião do meu pai interessa-me não porque o ache particularmente inteligente, mas pelo simples facto de ser meu pai; é a sua posição de autoridade perante mim, ou perante uma dada matéria, que suscita em mim o interesse pela sua opinião. Eis enfim a duvidança: que interesse tem Paulo Portas e o seu programa? E já agora, que interesse tem também o seu colega opinador dominical, e o seu programa?

Os americanos (I)

Atente-se neste texto notável de Francisco José Viegas, sobre as diferenças entre as universidades americanas e as portuguesas (sublinhados meus):

"Uns tempos de visita a universidades americanas mostram realidades assustadoras - para as universidades portuguesas. Cursos que começam a horas, salas ocupadas, bibliotecas abertas durante a noite; o panorama deixa-nos "pró-americanos", para retomar uma classificação pejorativa muito em voga. E deixa um amargo de boca quando se lêem os resultados do inquérito sobre a Universidade de Coimbra, realizado por Rui Bebiano e Elísio Estanque, e que nos informa que cerca de 18,3% dos inquiridos revelou jamais ler livros (ou seja, 33% de rapazes e 11% de raparigas) e 33% não ler jornais. Este inquérito dá conta da surdez da universidade e, embora seja mudo, grita bastante, dá conta da miséria verdadeira em ambiente universitário.

Em Washington, na Georgetown, dei uma conferência na sala de Estudos Árabes; os alunos não protestaram por ser à hora de almoço e reparei que, num semestre, tinham lido mais livros portugueses do que todos os frequentadores da Universidade de Coimbra durante um ano ou mais. Muito mais, aliás. Uns dias depois, assisti a uma aula de filosofia na Brown, em Providence, - discutia-se "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels, que os alunos tinham lido, juntamente com Weber, Nietzsche, Feuerbach ou passagens de Hegel. (...)

A Brown University, aliás, é um exemplo traumático. As bibliotecas enchem-se depois das oito da noite, após o jantar. À meia-noite podem consultar-se microfilmes ou assistir a reuniões de grupos de trabalho na área das ciências. Na quinta-feira passada fui convidado para jantar com um grupo de alunos no Faculty Club da Brown; às dez da noite pediram desculpa mas tinham de retirar-se - havia trabalho para fazer e era preciso aproveitar a biblioteca até mais tarde. No dia seguinte, ao meio-dia, estavam na minha conferência e tinham lido textos entretanto sugeridos. Encontrei-os ao fim da tarde numa das bibliotecas de humanidades a requisitar livros para o fim-de-semana (...)


Em Portugal inventamos muitas desculpas e desvalorizamos os relatórios que dão conta da preguiça congénita dos nossos universitários. As excepções, valiosas, têm o aspecto de uma explosão que há-de ser contrariada pelo ambiente da própria universidade: corredores sujos, grafitis nas paredes, os poucos relvados desertos, as bibliotecas pouco utilizadas para investigar. Contei isto a alguns amigos. Falei-lhes do sistema de empréstimo de livros, do ritmo de leitura, das livrarias cheias no centro de Providence, das actividades extracurriculares (...).

Disseram-me que eu estava muito americanizado embora eu me limitasse a mostrar-lhes os resultados do inquérito sobre a Universidade de Coimbra, onde se vê - como escrevi - o retrato da miséria escolar e da miséria cultural. Basta comparar. Basta estar atento. Basta ler os sinais desta pobre falta de curiosidade portuguesa. Pobre país que tanto precisa de punir a pequena "nomenklatura" preguiçosa."


::Obrigado, Sofia.

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quinta-feira, março 08, 2007

a arte da fuga, 8

Vieira da Silva, Biblioteca em Fogo, 1974

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quarta-feira, março 07, 2007

Estaline, o democrata

Via Hoje há Conquilhas, deparei-me com o mais recente número do “Avante”, onde o Camarada Leandro Martins nos presenteia com uma “história da democracia” em apenas três parágrafos (ena!).

O início do texto começa por aniquilar eventuais expectativas de que a cartilha comunista esteja em revisão: “Cresceu a gente a pensar que a democracia não é coisa imutável”. Não há dúvidas: é apenas o regresso ao modelo “Marx em 7 minutos”. Segue-se uma análise da imperfeita democracia ateniense, “não apenas porque as mulheres ficavam arredadas dela – como hoje nos querem fazer crer”. Antevê-se um interessante momento de revisionismo histórico, no qual se falará do extraordinário papel político desempenhado pelas mulheres, mas eis que surge nova desilusão: afinal o problema estava nos hilotas, “os tais que trabalhavam e produziam a riqueza suficiente para haver quem pensasse por todos” e que, no entanto, “ficavam de fora, nem tempo tinham para passear nas ágoras de Atenas”. Ficamos assim a saber que na Grécia os trabalhadores já eram explorados pelo capitalismo selvagem, sem respeito pelas conquistas de Abril.

Terá o futuro trazido mudanças significativas? Parece que sim: “Os finais do século XVIII deram à luz duas grandes democracias”. Uh la la! Irá o Camarada Martins deleitar-se com os progressos registados na América e nas ruas de Paris? Não se entusiasmem em demasia: “a Americana, baseada em grande parte no trabalho escravo; a Francesa que logo expulsou o povo do poder, dando lugar aos exclusivos interesses da burguesia (...)”. Ora vejamos. Revolução americana? Garantias constitucionais como a liberdade de expressão, liberdade religiosa, liberdade de imprensa, livre associação, direitos jurídicos, ou variados direitos políticos (liberdade de voto masculina, eligibilidade de todos os cidadãos para cargos políticos, multipartidarismo)? Nada disso! Trabalho escravo e mais nada! Uns malandros. E os franceses? Ideais republicanos? Voto popular? Direitos humanos? Tudo em favor da burguesia.

Terá havido então uma revolução verdadeiramente libertadora, democrática, popular? O prezado leitor consegue adivinhar qual será? Depois da revolução americana e da revolução francesa, eis que chega finalmente a revolução russa, “levando ao poder quem trabalha e aniquilando os privilégios das classes que antes exploravam os trabalhadores. Derrotada pela traição interna e pelo cerco imperialista, da democracia soviética, a mais perfeita até hoje alcançada pela humanidade, restam poucos focos no mundo que resistem. Mas outros se levantam”.

O Camarada Martins não revela que países seguem o exemplo da mais “perfeita democracia até hoje alcançada pela humanidade”, mas nós conseguimos adivinhar. Afinal, não são muitos os países que perfilham o monopartidarismo, que suprimiram as eleições, que perseguem e chacinam os adversários políticos, que restringiram a liberdade de expressão e de imprensa, que baniram os jornalistas de países estrangeiros, e que entronizaram os seus bacocos líderes no poder.

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terça-feira, março 06, 2007

Duvidança Especial (8)

(Clicar na imagem para ver filme)

- Conseguirá o youtube conter a generalidade das minhas cenas cinematográficas preferidas?

Estranhas recordações

A propósito dos 50 anos da RTP, a revista “Única” do Expresso publicou uma reportagem na qual selecciona cinquenta momentos marcantes “para a história da televisão nacional”. Todos os tops são razoavelmente polémicos, mas este exercício do jornalista Nelson Marques é um equívoco inexplicável.

A falta de critério é gritante, numa selecção repleta de omissões imperdoáveis, mas onde há lugar para eventos insignificantes. Com efeito, a transmissão televisiva do Grande Prémio de Fórmula 1 e a transmissão da Guerra do Iraque (2003) não são propriamente momentos de viragem. E como explicar a singularidade do exclusivo da RTP dos preparativos do casamento do duque de Bragança (que levaria à perda do primeiro lugar nas audiências) ou a cena de Cavaco Silva mastigando um bolo-rei em directo? Só faltava incluir as gaffes de campanha de António Guterres e de Valentim Loureiro, ou os discursos pedagógicos de Fátima Felgueiras!

Por outro lado, existem incompreensíveis ausências. Se se escolhe a transmissão da série “Major Alvega” e o surgimento do “Contra-Informação” como duas ocasiões inesquecíveis, então não poderia faltar uma referência ao “Tal Canal” e ao “Herman Enciclopédia”, momentos culminantes do humor televisivo em Portugal. E como explicar que nas últimas 13 selecções, desde 1992 – isto é, desde o aparecimento da SIC e da TVI – apenas três (!) sejam menções directas aos canais privados? Além da Alberta Marques Fernandes, o Big Brother e a SIC Notícias, não há nada a referir? Definitivamente, o preconceito do “politicamente correcto” ainda impregna muitas reportagens jornalísticas, que se pretendiam um tudo ou nada mais ousadas.

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segunda-feira, março 05, 2007

Grandes Sportinguistas, 3


Grandes Sportinguistas, 2

Grandes Sportinguistas, 1


"Kit, vem-me buscar!"

Foi lançada em DVD a série “O Justiceiro”, onde brilhavam Michael Knight e o seu carro falante. A publicidade anuncia-a como “a série que marcou uma geração”. Reconheci-me nesse grupo e questionei-me: o que é que isto diz de nós? Que somos obviamente uma colheita excepcional.

o belo e o sublime, 10

Gafanhoto verde norte-americano

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domingo, março 04, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 17

A propósito da arte "prática" da banca portuguesa:

1) Imagine o leitor que a declaração fiscal referente a empréstimos à aquisição de habitação, que o seu banco lhe envia todos os anos, vem errada. Imagine o leitor que tenta que a dita instituição lhe corrija, e discrimine, os valores indicados. Imagine ainda que o banco se recusa a fazê-lo, dizendo que já cumpriu a sua obrigação legal com a primeira declaração, e que agora qualquer nova declaração cairá no preçário do banco, isto é, ao preço de 100 euros por declaração. Que diria o leitor ao seu banco?

2) Imagine o leitor que tem um qualquer seguro do Ramo Vida junto de uma seguradora que pertence a um grupo financeiro bancário. Imagine que deseja alterar o valor do seu seguro, ou o beneficiário do dito, ou simplesmente anulá-lo (ao seguro, não ao beneficiário), e que pretende uma declaração escrita comprovando essa alteração ou revogação. Imagine que por esse simples papel impresso em cinco segundos o banco lhe cobra 100 euros. Que diria o leitor ao seu banco? (Adendando: que texto será tão valioso, a 100 euros a página? Se teses de doutoramento fossem feitas nesse preçário, os doutorados seriam todos riquíssimos.)

3) Imagine o leitor que pretende fazer investimentos avultados com um grau elevado de risco, e que recorre ao seu gestor de conta bancário para o aconselhar. Imagine que o seu gestor de conta ocupa um mero balcão de atendimento ao público, e que pretende discutir, com uma fila de pessoas atrás escutando a conversa, o seu património bancário e todos os seus investimentos futuros, e ainda por cima em pé. Que diria o leitor ao seu gestor de conta?

4) Imagine o leitor que pretende cópias com valor legal de todas as condições de todos os contratos que forma com o seu banco, e que o mesmo lho recusa, por não ser "prática habitual". Que diria o leitor ao seu banco?

5) Imagine o leitor que pretende aderir ao serviço netbanking do seu banco. Imagine que lhe fornecem os códigos de acesso e as passwords para o fazer. Imagine ainda que, não conseguindo fazê-lo, contacta o seu banco e percebe que faltam dados que só podem ser apresentados in loco numa agência bancária. Imagine o leitor que se desloca a uma qualquer agência, para apresentar tais dados, e percebe que essa informação ausente não é senão os nomes completos do seu pai e da sua mãe. Imagine que o leitor pergunta a pertinência de tais dados para a sua relação contratual com o seu banco, e que lhe respondem que é "prática habitual". Que diria o leitor ao seu banco?

6) Imagine o leitor que regista provisoriamente a aquisição da sua futura casa, e que pouco tempo depois celebra a escritura de compra da mesma. Imagine o leitor que delega no seu banco a função de converter o registo provisório em registo definitivo. Imagine o leitor que tal função, quando cumprida, consiste em demonstrar por documento oficial (a escritura), junto dos serviços de registo predial, a referida compra. Imagine que por tal serviço o seu banco lhe cobra 350 euros. Que diria o leitor ao seu banco?

7) Acredita o leitor que todas estas histórias são verdadeiras?

Falar do falo

De quando em quando, os sexólogos, produto dispensável da modernidade, resolvem brindar-nos com profícuos ensaios, que os próprios não hesitam em declarar como “momentos de ruptura” ou como obras “que anunciam uma revolução dos costumes”. Pois bem, Nuno Monteiro Pereira embrenhou-se durante anos numa espantosa pesquisa sobre o falo português, do qual resultou O Pénis – da Masculinidade ao Órgão Masculino, obra na qual se reflecte sobre o tamanho, textura e outras características do pénis português.

Segundo Sandra Moutinho (jornalista da Lusa), é livro que se recomenda, pois nele o leitor poderá “ficar a conhecer vários estudos sobre a identidade, o culto e as características deste órgão”. Na verdade, quem não gostaria de saber mais sobre a “identidade” do pénis? As “características” já me parece coisa mais banal, e o “culto” ao dito cujo também é matéria gasta. Agora, a “identidade” do falo? As suas ambições, dúvidas e inquietações, as suas aspirações existenciais, o seu desconsolo e as suas virtudes, medos e aspirações, tudo isto por fim revelado! Não é por acaso que se fala de “momentos de ruptura”.

Além do mais, a obra está repleta de observações finas e sagazes. Não é todos os dias que ficamos a saber que “Os pénis têm muitos tamanhos e feitios”, ou ainda que “mais de um quarto dos homens adultos portugueses já mediu o pénis erecto”. E quem não fica estarrecido ao descobrir que “o comprimento médio do pénis português é de 9,85 centímetros, quando flácido, e de 15,82 centímetros, em estado erecto”? Bravo, dr. Pereira!

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sábado, março 03, 2007

Produtos Seleccionados

1. “O escrevinhador de blogs”, no Tugir. Um apontamento bem-disposto sobre a arte bloguista e os estranhos prazeres do anonimato.

2. “O polícia de costumes”, no Portugal dos Pequeninos. Com a ironia de sempre, um desabafo a propósito da nova legislação anti-tabaco

3. “Negócios de Estado”, no Apaniguado. Excelente texto premonitório sobre o resultado da OPA, partindo de uma análise sociológica dessa propriedade tão portuguesa: a inveja.

4. O Notas ao Café delicia-nos diariamente com uma soberba selecção de cartoons. Este, este e estes são de antologia.

5. “Manuel Galrinho Bento (1948-2007)”, no Canhoto. Uma sentida homenagem ao maior guarda-redes português de sempre.

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sexta-feira, março 02, 2007

Português do Brasil?

Que portugueses e brasileiros se entendem, é óbvio. Que falam a mesma língua, já me parece um facto bem mais discutível. Na verdade, os brasileiros desenvolveram variações profundas na utilização da língua portuguesa, quer na sintaxe, quer no vocabulário, adoptando compulsivamente conceitos anglo-saxónicos e cunhando termos totalmente estranhos ao português de Camões. Em passeio recente pela Wikipedia, detive-me com algumas pérolas, nas quais parecemos encontrar um idioma familiar entre um estranho emaranhado linguístico.

Na entrada sobre o filme “2001, Odisseia no Espaço” podemos ler: “Uma curiosidade sobre a trilha sonora do filme: Kubrick solicitou ao seu colaborador em Spartacus, Alex North, que compusesse a trilha sonora para a película. Depois de escutar o resultado, o diretor de "2001..." não ficou satisfeito e optou pela música clássica para dar vida às famosas cenas no espaço. North só soube que sua trilha tinha sido jogada no lixo no dia da estréia do filme, e ficou furioso”.

Depois de saber que a trilha sonora tinha sido jogada no lixo, procurei algo completamente diferente e deparei-me com esta fascinante sinopse de “Annie Hall”: "O filme conta a estória de Alvy Singer, um humorista judeu e divorciado que faz análise há quinze anos. Ele acaba se apaixonando por "Annie Hall", uma cantora em início de carreira, e com uma cabeça um pouco complicada. Em pouco tempo estão morando juntos e não demora para se iniciar um período de crises conjugais".

Não demora até que busque uma descrição de um Western. Atente-se neste inspirado resumo de “O Bom, o Mau e o Vilão”: “O filme é estrelado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach. Foi filmado na Espanha. Como nos outros filmes, os atores americanos falaram inglês e os italianos, italiano, problema resolvido com dublagem. O tema de Ennio Morricone é muito conhecido, sendo usado em todo "duelo" em comédia e foi sampleado na canção "Clint Eastwood" do Gorillaz (o nome vem do astro do filme). Em plena Guerra Civil Americana, um bandido, Tuco (O Feio) descobre sobre um tesouro, mas não sobre sua localização. Quem o faz é "Blondie". Então Tuco tem de se aliar a Blondie para chegar à grana. No meio do caminho, o violento oficial "Olhos de Anjo" também descobre sobre o tesouro”.

Esclarecidos? Ou precisam de uma canção sampleada? Em troca de grana, eu explico tudo, nem que seja em dublagem.

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quinta-feira, março 01, 2007

Os desafios de Barack Obama

A corrida presidencial americana de 2008 promete ser uma das mais renhidas e fascinantes das últimas décadas, colocando em confronto personalidades notáveis como John McCain, Hillary Clinton, Rudolph Giuliani e Barack Obama.

Este último, Senador do Illinois, é um caso particular. Com efeito, a sua cultura política, o discurso perspicaz, a argumentação eloquente e rigorosa, e ao mesmo tempo a acutilância e entusiasmo das suas declarações públicas constituem trunfos preciosos no xadrez político hodierno. Por outro lado, a forma complexa como interpreta a política internacional prefigura uma decisiva mudança da agenda externa americana, capaz de olhar os desafios actuais sob uma perspectiva multifacetada. Na verdade, Obama insiste na necessidade de enfrentar problemas diversos com métodos igualmente distintos, preferindo as soluções diplomáticas ao uso da força, sugerindo que os processos de mediação dialogantes podem e devem substituir progressivamente as intervenções imediatas do poder bélico, traduzindo essa mudança a verdadeira consolidação de um projecto civilizacional.

Todavia, no caminho para a Casa Branca, Barack Obama terá que lidar com dois preconceitos profundamente enraizados na cultura americana. Por um lado, Obama enfrenta o preconceito racial. Para os sectores mais conservadores, a sua tez negra e o facto de ser filho de um queniano constituem, por si só, um evidente impedimento. Mesmo entre o eleitorado mais moderado, é pouco provável que Obama venha a recolher muitos votos, sendo a sua implementação no Sul especialmente difícil. Obama é ainda vítima do preconceito racial num segundo sentido, pois, sendo filho de um queniano e de uma hawaiana, e tendo crescido no seio de uma família branca de classe média, Obama não colhe especial simpatia entre a comunidade afro-americana, que não o considera como um seu efectivo representante.

Por outro lado, Barack Obama terá que lutar contra o preconceito da inexperiência. Tendo entrado para a política americana muito recentemente, e possuindo apenas dois anos de experiência no Senado, Obama será acusado pelos seus adversários de não estar preparado para desempenhar o papel presidencial. É certo que Obama vai socorrer-se do exemplo de Abraham Lincoln (curiosamente, também ele um Senador do Illinois antes de se tornar Presidente), mas para convencer os eleitores americanos terá que demonstrar uma capacidade política ímpar. Neste sentido, qualquer escorregadela na campanha será interpretado como fruto da sua imaturidade política, devendo ser fatal.

Ultrapassar estes preconceitos é evidentemente uma tarefa hercúlea, mas se for bem sucedido, Barack Obama criará um precedente que poderá levar a uma revolução da cultura política americana e mundial.

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