quinta-feira, outubro 30, 2008

Indignação (III) - blogues

Apesar de escrever poucas vezes num blogue com baixas audiências, e sempre num tom ligeiro, é com alguma frequência que surgem comentários negativos (muitas vezes roçando o insultuoso) ao que escrevo, sempre com a capa do anonimato. Isso força-me a uma reflexão adicional. As caixas de comentários dos blogues, mais do que as recepções de telefonemas opinativos pela televisão ou pela rádio, acabam no fundo por ser um fenómeno muito interessante de explanação da indignação.

Por um lado, o facto de haver um espaço disponível para comentários que continua a ser utilizado é sinal de que o desejo de manifestação de um indignar-se individual mantém-se tão vivo quanto antes, por muito reprimido que possa ser pelo ambiente sócio-político. Há um descontentamento latente refreado no dia-a-dia que, encontrando veículos de escape por alguma porta aberta, corre desenfreado a manifestar-se aí. Por outro lado, o recurso à manifestação anónima acaba por ser sintoma acidental da própria não performatividade da indignação política: há uma insegurança aliada à indignação que impele o manifestante a, porventura inconscientemente, procurar proteger-se por detrás de uma capa que o torne irreconhecível. Nessa medida, a indignação que não esmorece, que pretende subsistir pelos meios de escape que consegue ainda encontrar, tem algum temor associado e limita-se a assemelhar-se a uma voz rouca na escuridão: inconsequente, portanto, também não performativa.

Acresce ademais que há uma frustração contínua nesse explanar da indignação, que se alimenta de si mesma sem satisfação, quase como que numa masturbação do descontentamento. A ideia que se tem é que os comentários nos blogues são preenchidos repetidamente, havendo pessoas que porventura acompanham determinados blogues só para os comentar negativamente. Ao invés de lerem um blogue de um imbecil uma vez, e nunca mais lá voltarem precisamente pela imbecilidade provada, os manifestantes voltam lá vezes e vezes sem conta, e comentam vezes e vezes sem conta. Quase como se procurassem com ansiedade um reacender da sua própria indignação, algo que revalorize a sua cidadania num esquecimento da subjugação sócio-política (e económica, também, claro).

É evidente que as caixas de comentários dos blogues acabam por ser também um espaço de irresponsabilidade na própria opinião escrita. Mas são necessárias: são um trabalho sujo, mas alguém (neste caso, "algo") tem de o fazer...

Indignação (II) - quotidiano

Quando eu era administrador de condomínio, um dos condóminos queixou-se-me de um pretenso defeito de construção nas fracções autónomas, a propósito da posição em que fora colocado na parede o suporte do telefone da banheira (ao lado das torneiras, para aí 2 ou 3 palmos acima): «Aquilo não é um chuveiro, não é nada, vizinho. Onde é que já se viu um chuveiro em que a pessoa tem quase de se deitar na banheira para receber a água? A minha filha tem 3 anos, e mesmo assim o chuveiro só lhe consegue molhar as costas.» Não tive coragem para lhe dizer que a banheira não tinha chuveiro, que o suporte só serve para lá colocar o telefone quando não está a ser utilizado...

A dúvida que daqui ressalta é afinal a seguinte: como saber se os pressupostos para a nossa indignação estão correctos e são legítimos, de maneira a evitarmos fazer figuras tristíssimas?

Indignação (I) - política

Há coisa de duas semanas, José Gil, acutilante como sempre, alertava na revista Visão para o facto de este governo conseguir pela sua indiferença uma não inscrição das discordâncias políticas dos cidadãos. As pessoas descontentam-se, manifestam-se, o governo não liga pevide, o ânimo dos manifestantes esmorece, as pessoas desistem. É a inactivação da actividade, o ausentar de performatividade de qualquer opinião política dos cidadãos, um esvaziar da voz individual. No fundo, é uma forma tácita de exercer tirania dentro da ilusão de democracia.

Spinoza alertava no Tratado Político para a potência constituinte em política de um afecto humano específico: a indignação. É a capacidade de as multidões que sustentam os poderes públicos se indignarem que coloca verdadeiramente os governos em xeque: a indignação é a versão passional do equilíbrio de poderes, estendendo-se para lá do formalismo abstracto de uma mera constituição escrita. Enquanto os governantes temem a indignação dos cidadãos, não governarão contra os seus interesses. Um governante que consiga adormecer a indignação das multidões, não eliminando o que a motiva, mas conseguindo torná-la inconsequente nos seus meios de exercício da política, é afinal alguém que ressalta no poder de uma sociedade que já não é democrática e ainda não o sabe.

terça-feira, outubro 28, 2008

Paixão americana

A partir de hoje, vou passar também algum tempo no Era uma vez a América, um blogue dedicado à cultura e política dos Estados Unidos, e com enfoque nas eleições americanas, durante os próximos dias. Espero que passem por lá...

segunda-feira, outubro 27, 2008

Duvidanças de uma mente curiosa, 81

Porque é que o anúncio do aumento do salário mínimo em 5% para 2009, feito na casualidade artificial de uma entrevista sem propósito notório, quase "como quem não quer a coisa" (e nós a esforçarmo-nos por acreditar que aquilo não foi planeado de antemão), em pose "de estadista descontraído" numa poltrona, tanto me fez lembrar as surreais visitas a S. Bento pelos jornalistas quando lá estacionava Santana Lopes?

Os emails das Finanças

Segundo noticia o Público, a Inspecção Geral de Finanças andou a ler milhares de emails dos funcionários da DGCI no âmbito de uma auditoria interna. Milhares, diz. Para bem da paciência dos auditores-voyeures, esperemos que haja funcionários públicos trocando vídeos de diversão e pornografia.

Simplex

Marcar uma consulta de clínica geral para um centro de saúde pode ser uma aventura. Telefonar para marcar a consulta não serve, diz a secretária do outro lado do telefone. "Não?!" "Não. Tem de vir cá no próprio dia, e o senhor doutor decide então se o vê nesse dia ou noutro qualquer." No fundo, tem de haver uma consulta presencial para se marcar uma consulta presencial. É a optimização da simplicidade...

sábado, outubro 25, 2008

Crise existencial (III)

Tem-se a certeza de que algo está errado no mundo hodierno quando se constata que o novo livro de António Lobo Antunes tem menos páginas que o novo livro de Paulo Coelho.

Crise existencial (II)

O único momento que me agrada nas viagens de avião é aquele muito curto em que, num dia nublado, emergimos acima das nuvens, como se nos estivéssemos a desenterrar de um solo de névoa. O sol então brilha por cima, e por baixo, mesmo rente à parte de baixo do avião, um tapete de nuvens. Nesses momentos, gosto de olhar pela janela e pensar: "This is as close as I'll ever get to Heaven..." (Assim, em inglês e tudo, por causa do "heaven".)

A crise no mercado da habitação

Em países mais desenvolvidos, por muito frio que faça (e é frequente que faça bastante), estar entre paredes é estar num ambiente aquecido. Se passámos uma porta, certamente está quentinho onde quer que se esteja. Em Portugal, consegue-se a extraordinária proeza de por vezes estar mais frio num interior do que num exterior. A conclusão é simples: os portugueses não sabem fazer casas. Que ainda haja gente a querer comprá-las é para mim um mistério.

Crise existencial (I)

Depois de uma semana passada num país do norte da Europa bem mais desenvolvido do que a aldeia junto a esta praiazinha chamada Portugal, a dúvida que nos assalta quando entramos em casa é, inevitavelmente, "será bom estarmos de volta?"

quarta-feira, outubro 22, 2008

Ciclo "Cultura e Política nos Estados Unidos"

Já estão disponíveis em formato áudio as conferências realizadas nos dias 14 e 20 de Outubro, na FNAC Colombo. Seguem os links:

"Uma visão da América hoje" (dia 14), com Inês Pedrosa, Teresa Botelho, Tiago Moreira de Sá e Miguel Vaz.

"Uma visão europeia das presidenciais nos EUA" (dia 20), com Teresa de Sousa, José Gomes André, Manuel Canaveira e Rui Vallêra.

Duas notas sobre o orçamento

1. Se se confirmar a nova regra, que permite que os partidos recebam donativos em dinheiro (para além dos tradicionais cheques e transferências bancárias), abre-se a porta a todo o género de abusos graves, que podem ir do nepotismo à corrupção. Esta lei não se coaduna com as regras de transparência próprias das democracias ocidentais, aproximando antes Portugal dos países do Terceiro Mundo.

2. Prevê-se o abrandamento da economia e pouco se mexe nos investimentos. Contudo, a previsão para o desemprego sugere uma estabilização nos 7,6%. Alguém acredita nisto?

a arte da fuga, 29

Fernand Léger, Os jogadores de cartas, 1917

Etiquetas:

terça-feira, outubro 21, 2008

A realidade supera a ficção

"Acelerador de partículas inaugurado oficialmente apesar de avariado". É difícil encontrar melhor metáfora para o mundo surreal em que vivemos.

domingo, outubro 19, 2008

Ciclo "Cultura e Política nos Estados Unidos"...

... organizado pela FNAC e pela Fundação Luso-Americana, a decorrer entre 7 de Outubro e 12 de Novembro. Deixo-vos aqui um convite para as próximas três sessões, sendo que vou ter o prazer de participar em duas delas. A entrada é livre e muito bem-vinda!

20 de Outubro, FNAC Colombo, 18.30h
"Uma visão europeia da eleição presidencial nos EUA"

Teresa de Sousa (jornalista do "Público")
Manuel Canaveira (Professor de Ciência Política na UNL)
José Gomes André (Investigador de Filosofia Política na FLUL)
Rui Vallêra (FLAD, Moderador)


22 de Outubro, FNAC Vasco da Gama, 18.30h
"Lobbies, Think Tanks e Marketing Político"

Luís Paixão Martins (LPM Comunicação)
Joaquim Martins Lampreia (lóbista) [a confirmar]
Antonieta Lopes da Costa (Rádio Europa)
António Vicente (FLAD, moderador)


30 de Outubro, FNAC Vasco da Gama, 18.30h
"O jogo eleitoral norte-americano"

Pedro Magalhães (director do Centro de Estudos e Sondagens da UCP)
José Gomes André (Investigador de Filosofia Política na FLUL)
Patrícia Fonseca (jornalista da "Visão")
Sara Pina (FLAD, moderadora)

sábado, outubro 18, 2008

Metafísica, Ética, e o Amor como mediação

Depois de me ter encharcado nestes últimos dias com livros anglo-saxónicos sobre ética, muito me tenho lembrado de umas palavras ouvidas outrora de um professor de filosofia antiga (muito platónico, aliás), dizendo: «O que me interessa é este valor metafísico da vida. Quanto à ética, não me interessa nada. Que façam o que quiserem. Mas, de preferência, como dizia S. Paulo, amando.»

Recaídas


Parece que estamos a entrar em nova fase aguda desta doença crónica até aqui incurável. Deve ser da crise, que enfraquece os sistemas imunitários (como a memória, por exemplo)...

sexta-feira, outubro 17, 2008

o horizonte sensível, 13

Guerreiro Samburu, Quénia, 2008

Etiquetas:

quinta-feira, outubro 16, 2008

Quarto debate: novo empate?

Finalmente um debate vivo, vibrante e elucidativo. McCain e Obama seguiram estratégias diferentes e, em rigor, ambos marcaram pontos. McCain apostou de forma clara num discurso Republicano tradicional, criticando os gastos excessivos do governo federal, defendendo a independência energética através da exploração petrolífera e do desenvolvimento da energia nuclear, advogando o chamado “small government” nas questões de saúde e educação, e defendendo ainda uma lógica conservadora dos temas sociais (no aborto, por exemplo).

McCain esteve francamente bem em vários domínios, sobretudo pela concisão expositiva, embora o populismo demonstrado na questão energética (só faltou começar a entoar “Drill, Baby, Drill!”) me desagrade pessoalmente. Também me pareceu falhada a sua incursão na “política negativa”, quando reproduziu os ataques dos últimos dias a Obama, por supostas “relações perigosas” com um antigo terrorista e uma organização privada americana (a ACORN, acusada de fraude no registo de votantes). Foi demasiado agressivo, quase belicoso. O clima ríspido foi entusiasmante para quem assistia, mas os votantes indecisos dificilmente terão ficado mais esclarecidos.

Obama optou por uma estratégia bem mais defensiva, pois lidera confortavelmente nas sondagens. Respondeu com tranquilidade a estes ataques e preferiu concentrar-se na sua mensagem económica esperançosa, que propõe cortes de impostos substantivos e apoios à classe média (um tema que rende muitos votos, obviamente). Por outro lado, lutou contra a imagem que dele projectam como um fervoroso “liberal” (ideologicamente muito à esquerda), defendendo posições francamente moderadas em temas sociais (na questão do aborto e da educação, por exemplo) e apelando a um espírito conciliador no quadro político americano. Neste particular, foi interessante a forma como se referiu a quatro potenciais colaboradores futuros, incluindo dois Republicanos célebres (o senador Lugar e o general James Jones).

McCain esteve mais solto e mais acutilante do que Obama, que pareceu algo passivo. Mas ao posicionar-se claramente à direita, McCain terá dificuldade em apelar ao voto dos independentes, sem os quais não pode vencer a eleição. Neste sentido, e apesar de uma prestação algo insípida de Obama, duvido que este debate tenha alterado substancialmente a corrida presidencial americana. Devido ao bom desempenho de McCain, não é difícil adivinhar uma aproximação nas sondagens, mas o senador do Arizona tem que recuperar cerca de 6 a 8 pontos a nível nacional, uma tarefa hercúlea quando faltam apenas vinte dias para a eleição.

P.S. As primeira sondagens dão vitórias brutais a Obama: na CBS, venceu por 31 pontos (!) e na CNN por 27. Aparentemente o tom agressivo de McCain foi mal recebido pelos eleitores americanos. Se estes números forem representativos da opinião pública geral, McCain está em maus lençóis...

Voltando de novo ao futebol

Depois de um dos mais embaraçosos resultados de que há memória, a selecção portuguesa de futebol faz nascer um novo problema na modalidade: será possível compor uma equipa de futebol apenas com defesas centrais, tendo em vista que são os únicos que parecem saber e querer jogar?

P.S.: Excelente a pinta de craque que têm Manuel Fernandes e Miguel. Pena é que, de craques, só tenham mesmo a pinta...

terça-feira, outubro 14, 2008

Duvidanças de uma mente curiosa, 80

I. Porque é que parece agora haver tanto receio em usar-se a palavra nacionalização?

II. Porque é que a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo tem preeminência face àquela outra que aparenta ser de maior utilidade social, a da adopção conjunta por pessoas do mesmo sexo?

III. Quando é que os editores portugueses se lembrarão de publicar o mesmo livro, na mesma edição, em diferentes formatos (hardback, paperback, pocket)?

IV. Quando é que a generalidade dos portugueses perceberá que a palavra perca, quando substantivo, designa apenas uma espécie de peixe e não o antónimo de "ganho"?

V. Quando será que os Gato Fedorento voltarão a ter piada?

A importância dos trabalhos de grupo na escola

Depois de ontem à noite ter visto, nos primeiros vinte minutos de noticiários televisivos nocturnos, quatro entrevistas de jornalistas a jornalistas, e uma imagem de um colectivo de juízas em que a mais velha não teria mais de 35 anos, fiquei a pensar se não haveria ainda gente a trabalhar como se estivesse a ser avaliada numa sala de aula.

Por falar na utilidade musical dos anúncios...

É verdade que não me recordo de Carl Orff num anúncio da Cutty Sark. Para compensar, faço relembrar um anúncio da Passport Scotch que me apresentou o excelente "Moments in Love", dos Art of Noise.

segunda-feira, outubro 13, 2008

O fantasma de Carl Orff

Ando a ser assombrado por este xilofone infantil de Orff: Musica Poetica, ao que consta.

domingo, outubro 12, 2008

Retrospectiva da semana

I. O prémio Nobel da Literatura foi atribuído a Jean-Marie Gustave Le Clézio. "Quem?", perguntará o leitor. Exactamente...

II. António Lobo Antunes lança um novo livro (não chamar romance à coisa, que ele não gosta) e, como sempre, tem direito a invadir os meios de comunicação para se promover e voltar a dizer frases brilhantes como "ninguém escreve como eu". É bom ver quem goste de ver o gosto dos jornalistas na bajulação de si mesmo.

III. Eduardo Lourenço é homenageado na Gulbenkian, com o azar de ter José Saramago na assistência (pronto também para promover um novo livro). Consequência: toca a aturar este último com os seus bitaites habituais, sem se atender ao que possa ainda ter que dizer o melhor ensaísta português.

IV. Grande destaque é dado à exposição Weltliteratur, na Gulbenkian: um conjunto de painéis com textos de autores portugueses que qualquer literato luso deveria ser obrigado a ter em casa. 4 euros e uma dor de pernas só para justificar a saída de casa.

V. Uma quebra de algumas horas no sistema multibanco foi suficiente para fazer muitos prenunciarem o início de um caos financeiro em Portugal. O português é tão invejoso que até tem inveja dos males dos outros...

VI. A selecção nacional joga em futebol e consegue voltar a fazer de jogos oficiais com equipas competitivas um bocejo para o espectador. Quando é que volta a bodega do campeonato português?

VII. Nada como uma crise financeira internacional para fazer velhos fantasmas saírem de armários já cheios de bafio. Os liberais de pacotilha tentam agora justificar porque é que os Estados deverão surgir para salvar o dia que a irresponsável diluição capitalista do risco tornou negro; os apocalípticos de trazer por casa exultam com o que já consideram o início do fim de um mundo de capitais, como se fosse coisa boa toda a gente ficar pior. É na iminência do aperto que cada um mais deixa transparecer a sua verdadeira face...

sábado, outubro 11, 2008

Citação do dia

"[...] o capitalismo e o mercado não vão desaparecer. A actual crise financeira não vai levar o capitalismo para o caixote do lixo da história nem ressuscitar o socialismo e o colectivismo. O que vai [...] é levar-nos a repensar a sério o papel do Governo, dos reguladores nos mercados e dos tribunais.", Miguel Monjardino, no "Expresso".

Reflectir sobre o modelo económico das sociedades ocidentais é uma pura perda de tempo, pois o capitalismo não é hoje uma opção, mas o verdadeiro alicerce do nosso modo de vida. Ninguém está preparado - e sobretudo, ninguém está disposto - a abandonar essa lógica por motivos ideológicos ou por receio de que o sistema tenha deficiências. Esta é a hora, não para pôr o capitalismo em causa, mas para debater os mecanismos que o enquadram e lhe conferem eficácia.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Terceiro debate: tudo na mesma...

...o que favorece Obama, que nos últimos dez dias descolou claramente nas sondagens, quer a um nível nacional (vantagem ponderada de 6,7%), quer nos inquéritos estaduais (liderando no Colorado, Florida, Ohio e Virgínia - Estados que Bush venceu em 2004). McCain necessitava pois de marcar pontos, mas a sua prestação foi mediana, limitando-se a repetir tópicos já conhecidos. A sua mensagem anti-corrupção é bem-vinda na América, mas o seu plano fiscal e as suas propostas no campo da política externa são demasiado próximos da Administração Bush e isso só lhe pode trazer dissabores.

Obama não arriscou um milímetro, insistindo nas ideias centrais da sua campanha: redução de impostos para a classe média, extensão do sistema de saúde, promoção das energias renováveis. Notei contudo que relativamente à política externa Obama não hesitou em assumir um tom muito duro, afirmando mesmo que iria "caçar Bin Laden" e que não toleraria um Irão nuclear. A esquerda não terá gostado, mas esta mensagem agressiva tranquiliza os indecisos, por isso foi bem jogado.

No entanto, o debate voltou a ser algo previsível, sem tiradas memoráveis. Obama tem uma excelente presença e tirou partido de uma postura serena. McCain relacionou-se positivamente com a audiência e beneficiou de um modelo que favorecia declarações mais curtas e objectivas. No entanto, não conseguiu fazer deste debate um momento de viragem e por isso terá perdido uma oportunidade. Duvido que a tendência da corrida se tenha alterado. E a quatro semanas da eleição, isso são más notícias para McCain.

P.S. Para minha surpresa, as primeiras sondagens dizem que Obama ganhou claramente o debate (39%-26 na CBS; 54%-30% na CNN). Obama lidera por 22 pontos na questão "quem lidará melhor com a economia"? Se estes números se confirmarem, McCain tem muito poucas hipóteses de vencer a eleição.

segunda-feira, outubro 06, 2008

Estado de negação

José Sócrates e Manuel Pinho insistem: Portugal está imune à crise financeira mundial. Isto pode explicar-se de quatro maneiras:

a) Acreditam no que estão a dizer.
b) Não têm a menor ideia sobre o assunto.
c) Não têm a certeza, mas várias pessoas que os aconselham convenceram-nos de que isto é verdade.
d) Estão a mentir descaradamente.

Não me atrevo a sugerir uma resposta, mas estou seguro de uma coisa: em qualquer dos casos, estamos a ser conduzidos por timoneiros cegos.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Segundo Debate: ambos perderam

Monótono, parte dois. A política nos Estados Unidos - e as eleições presidenciais em particular - tornaram-se um fenómeno tão mediatizado e profissional que por vezes parece estarmos a assistir a uma simples reprodução mecânica de gestos, palavras e acções. Nada de autêntico e genuíno se passa. São apenas simulacros. O debate entre os candidatos a vice-presidente (Joe Biden e Sarah Palin) foi infelizmente um desses exemplos.

Sarah Palin parecia uma jovem aluna a debitar o código civil numa oral de Direito. Por vezes nem era possível compreender o que dizia, tal a velocidade com que lançava frases vagas e inconsequentes sobre todos os assuntos possíveis. O debate acabou há sete minutos e não me recordo de nenhuma ideia, de nenhum pensamento, de nenhum raciocínio. Gestos quase robóticos, sorrisos, frases soltas treinadas centenas de vezes. Emoção absolutamente nula.

Joe Biden comportou-se como uma não-entidade. Com Obama a liderar as sondagens, o importante era não cometer gaffes (comuns neste senador do Delaware), não hostilizar Palin, passar despercebido. E Biden cumpriu plenamente. Foi monocórdico, aborrecido, básico. Dezenas de estatísticas, "change", salvar a classe média. Discurso vago, próximo do zero. Salvaram-se uma ou duas tiradas interessantes em política externa, mas para alguém que está no Senado americano há 35 anos era de esperar um argumento, um projecto.

Não houve debate. Quanto muito, tivemos duas quase-aparições. Mecanizadas, decoradas, estudadas ao pormenor. Gostava de ter dito que foi entusiasmante, que foi vibrante, que se discutiram ideias e confrontaram opiniões. Mas nada disso aconteceu nesta quinta-feira à noite.