terça-feira, outubro 10, 2006

O regresso do mamarracho

Na segunda quinzena de Novembro, a maior árvore de Natal da Europa regressa ao Terreiro do Paço, este ano com sinos e com mais três metros de altura (ena!). Dizem que a iniciativa “pretende impulsionar o comércio da Baixa”. Eu acho que pretende testar a paciência dos lisboetas.

Em primeiro lugar, trata-se de um atentado estético. A árvore não passa de uma horrível estrutura metálica enfeitada com milhares de luzes que ofuscam o olhar. Além do mais, a presença deste objecto disforme de gosto duvidoso é completamente desadequado ao contexto arquitectónico do Terreiro do Paço. E não me falem em “beleza de contrastes”: parece que um OVNI de ferro (ou aço ou outra coisa qualquer muito feia) aterrou na Praça do Comércio.

Por outro lado (e apesar da sua fealdade), a dita cuja recebe milhares de visitas diárias das “famílias portuguesas”, munidas do respectivo automóvel, naturalmente. O trânsito lisboeta, já de si confuso, torna-se caótico. Com a aproximação da época de compras, a Baixa transforma-se num gigantesco parque automóvel ao ar livre, intransitável e, sobretudo, impraticável como espaço público.

Como se não bastasse o infortúnio de saber que a Baixa lisboeta está interdita para consumo durante quase dois meses, ainda somos obrigados a ouvir as justificações poéticas dos seus promotores. O ano passado dizia Carmona Rodrigues que a árvore é importante “devido às pessoas mais carenciadas, às pessoas que têm maiores dificuldades de vida e às questões sociais de um modo geral”. De Novembro a Janeiro, a miséria vai de férias, só pode. Aliás, os sem-abrigo estão em delírio. E os doentes e acamados vão sentir súbitas melhorias. Sem dúvida.

Há gente que vai lucrar com isto? Certamente. Mas garanto-vos que não será a esmagadora maioria dos lisboetas.

4 Comments:

Blogger sofia said...

sem falar do gasto de energia. e comparando com a capital da islandia, então... : Authorities in the capital Reykjavik will turn off street lights on Thursday evening and people are also being encouraged to sit in their houses in the dark. While the lights are out, an astronomer will describe the night sky over national radio.

11/10/06 11:33  
Anonymous Anónimo said...

A questão é pertinente. Mas proponho um olhar para a realidade nacional. Estamos a falar do país onde se organizam excursões de fim-de-semana para visitar a barragem do Alqueva, considerada não só uma maravilha da engenharia, mas também uma obra de impressionante valor estético. Não sei se já passaram perto de uma barragem; eu já, e não posso deixar de pensar que eram aqueles os cenários escolhidos para os filmes pós-holocausto tão em voga nos anos 80, ao melhor estilo Mad-Max. No entanto, a nossa comunidade tem uma só opinião: é lindo!, tal como a revista e outras tantas coisas de apurado bom-gosto. E pouco importa que, para obras como essa bem-dita àrvore ou outras de maior envergadura, tenha pago fortunas e que muita gente tenha assim enriquecido; o que importa é esconder este complexo de inferioridade com algo que seja o maior da Europa, preferencialmente do mundo. Ainda que isso, posteriormente, só contribua para a nossa pequenez.

11/10/06 19:39  
Anonymous Anónimo said...

Sofia, tens toda a razão. A estrutura de 180 toneladas de ferro da árvore tem incorporadas 26 toneladas de CO2 eq. na sua produção, a que se juntam 132 toneladas de CO2 das emissões do gerador associadas a um consumo de cerca de 50 mil litros de gasóleo e à produção de 464100 kWh de energia eléctrica para a iluminação da árvore (ver http://gaia.org.pt/?q=node/10). E andamos nós a tentar cumprir Quioto...

Castanheira, obrigado pelo teu comentário. O teu diagnóstico está certíssimo. A mania das grandezas é sem dúvida um traço genético do "tuguismo". Repara, por exemplo, quando um português recebe uma distinção qualquer lá fora. É o fim do mundo. O "melhor" escritor, ou "o maior" fotógrafo. É o mito do emigrante bem-sucedido.
E cá dentro, é a luta pela entrada no Guiness: ora temos o maior chouriço do mundo, ora fazemos a maior feijoada da Europa.. Achamos que isso nos põe no mapa. "Complexo de inferioridade", definitivamente...

12/10/06 00:31  
Anonymous Anónimo said...

Parabéns Zé!

Eu que não tenho o hábito de ler jornais nem de ver/ouvir telejornais, encontrei aqui no teu blog uma maneira original de compreender melhor o que se passa por cá e além fronteiras. usas uma linguagem muito simples e muito subtil.
Em relação a este artigo, deixo-te este comentário:

"Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para a recuperar. Por pensarem ansiosamente nofuturo, esquecem o presente,de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido"

Ou será, bem pelo contrário? :)

Um Beijo da Cila.

Marinha Grande 19/10/06

20/10/06 20:37  

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