A agonia gaulesa (II)
A nomeação de Ségolène Royal como candidata socialista às eleições presidenciais de 2007 é apenas o mais recente episódio do vórtice caótico que tolhe a vida política francesa. Royal simboliza na perfeição o “actor político moderno”: é telegénica, bonita e simpática, acena com frequência e sabe distribuir beijos pela multidão. Menos importante – aparentemente irrelevante para 62% dos socialistas franceses – é o facto de o seu discurso político consistir num agregado de inconsistências.
A sua estratégia baseou-se num princípio fundamental: falar o menos possível. Quando obrigada a isso, procurou debitar umas frases curtas e ambíguas, a puxar ao aplauso. Ainda assim, conseguiu uma proeza: avançar com o conjunto de ideias mais estapafúrdio que a Europa conheceu nos últimos tempos. Deixemos as pérolas falarem.
Que fazer aos jovens marginais dos subúrbios, assolados pela exclusão social e incitados por gangs organizados? Segundo Royal, nada como “enquadrar os delinquentes num programa militar especial”. Suponho que o objectivo seja aconselhar a malta no manuseamento de armas.
E como lidar com o afastamento dos cidadãos face à política? Credibilizar as instituições? Nada disso! Para Royal, o ideal é criar “júris populares”, com acesso às reuniões dos conselhos de ministros, para avaliar a acção governativa. Isto sim, é democracia! Trazer os cidadãos anónimos para o centro das decisões políticas. Imagino o que terão a dizer o Pierre e a Marie da subida de impostos, dos cortes na Saúde e da restrição às emissões poluentes... Mas Royal sabe dar uns beijinhos, por isso não tem nada a temer.
A França vive um conflito social? Moralizar é a palavra de ordem, diz-nos Royal, que critica as jovens raparigas que usam fio dental (as marotas!), defende os valores tradicionais da família (casamento & procriação, entenda-se) e apela às “virtudes do povo francês”. “Eu sou de esquerda”, diz-nos a senhora. E quem somos nós para duvidar?
Na política externa, Royal volta a brilhar. Irão nuclear? “Devemos combater a hipótese de um Irão voltado para a utilização civil do nuclear”. Boa malha! Estimulemos o uso militar do nuclear – confiando na boa-fé de Ahmanidejad, que parece bom rapaz. Entrada da Turquia na UE? Ségolène responde: “Eu estou em sintonia com o que pensa a sociedade”. Que naturalmente, não pensa coisa nenhuma – dispensando assim à senhora Royal qualquer meditação sobre o tema. E a Constituição Europeia? Royal diz-se “desiludida” e aponta o caminho: é preciso “mais e melhor Europa”. Novamente, ninguém sabe o que isto quer dizer. Se calhar, o melhor é perguntar aos “júris populares”.
Confusos? Eu não preciso de mais. E, pelo que dizem as sondagens, os franceses também não. Ségolène Royal está a um passo de se tornar a primeira mulher a ocupar o Eliseu.
A sua estratégia baseou-se num princípio fundamental: falar o menos possível. Quando obrigada a isso, procurou debitar umas frases curtas e ambíguas, a puxar ao aplauso. Ainda assim, conseguiu uma proeza: avançar com o conjunto de ideias mais estapafúrdio que a Europa conheceu nos últimos tempos. Deixemos as pérolas falarem.
Que fazer aos jovens marginais dos subúrbios, assolados pela exclusão social e incitados por gangs organizados? Segundo Royal, nada como “enquadrar os delinquentes num programa militar especial”. Suponho que o objectivo seja aconselhar a malta no manuseamento de armas.
E como lidar com o afastamento dos cidadãos face à política? Credibilizar as instituições? Nada disso! Para Royal, o ideal é criar “júris populares”, com acesso às reuniões dos conselhos de ministros, para avaliar a acção governativa. Isto sim, é democracia! Trazer os cidadãos anónimos para o centro das decisões políticas. Imagino o que terão a dizer o Pierre e a Marie da subida de impostos, dos cortes na Saúde e da restrição às emissões poluentes... Mas Royal sabe dar uns beijinhos, por isso não tem nada a temer.
A França vive um conflito social? Moralizar é a palavra de ordem, diz-nos Royal, que critica as jovens raparigas que usam fio dental (as marotas!), defende os valores tradicionais da família (casamento & procriação, entenda-se) e apela às “virtudes do povo francês”. “Eu sou de esquerda”, diz-nos a senhora. E quem somos nós para duvidar?
Na política externa, Royal volta a brilhar. Irão nuclear? “Devemos combater a hipótese de um Irão voltado para a utilização civil do nuclear”. Boa malha! Estimulemos o uso militar do nuclear – confiando na boa-fé de Ahmanidejad, que parece bom rapaz. Entrada da Turquia na UE? Ségolène responde: “Eu estou em sintonia com o que pensa a sociedade”. Que naturalmente, não pensa coisa nenhuma – dispensando assim à senhora Royal qualquer meditação sobre o tema. E a Constituição Europeia? Royal diz-se “desiludida” e aponta o caminho: é preciso “mais e melhor Europa”. Novamente, ninguém sabe o que isto quer dizer. Se calhar, o melhor é perguntar aos “júris populares”.
Confusos? Eu não preciso de mais. E, pelo que dizem as sondagens, os franceses também não. Ségolène Royal está a um passo de se tornar a primeira mulher a ocupar o Eliseu.
4 Comments:
Ségolène Royal está "em sintonia com o que pensa a sociedade"? Estaremos nós a assistir de uma nova raça humana(sobre-humana)capaz de superar a própria individualidade e, cumprindo o ideal de Álvaro Campos, ser "tudo isso - todas estas coisas duma só vez - pela espinha!", concordar e discordar, acreditar e duvidar na exacta medida em que uma tal sociedade concorda e discorda, acredita e duvida? De outro modo, ouçamos compadecidos, através dos seus sorrisos e beijinhos, as suas palavras emprestadas: "dói-me tudo por não ser nada!"
Ségolène Royal está "em sintonia com o que pensa a sociedade"? Estaremos nós a assistir de uma nova raça humana(sobre-humana)capaz de superar a própria individualidade e, cumprindo o ideal de Álvaro Campos, ser "tudo isso - todas estas coisas duma só vez - pela espinha!", concordar e discordar, acreditar e duvidar na exacta medida em que uma tal sociedade concorda e discorda, acredita e duvida? De outro modo, ouçamos compadecidos, através dos seus sorrisos e beijinhos, as suas palavras emprestadas: "dói-me tudo por não ser nada!"
ooops
A coisa é pior do que suspeitava.
.
Grande post, Zé!
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