sexta-feira, novembro 10, 2006

Espírito de natal

“Hugo Chávez proíbe imagens do Pai Natal nos edifícios e locais públicos na Venezuela.”

... e troca-as por posters de Che Guevara com um gorro vermelho, ladeado por renas, entregando de presente Kalashnikovs às criancinhas.

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Com Chavéz na Câmara de Lisboa não havia mamarracho no Terreiro do Paço!

10/11/06 17:45  
Anonymous Anónimo said...

Caríssimo Federalista:

No seguimento da nossa amável conversa sobre os inevitáveis prejuízos para o actual panorama político mundial (ou seja, americano) que, a teu ver, acompanham a figura do Sr. Hugo Chávez Frias, assim como da posição oficial dos E.U.A. sobre a não ingerência nos assuntos internos, na altura da Independência, das então recém libertadas colónias espanholas (a tal doutrina Monroe), gostaria de deixar aqui umas quantas palavras.
A ocasião para renovar este nosso debate não poderia ser mais propícia, esta notícia tão bombástica que, de facto, constitui uma ameaça para a integridade do nosso planeta, pondo em questão o direito adquirido, pelo qual tantas gerações batalharam, de todo o nosso (talvez com aspas) imaginário natalício, cheio de renas, gordos de barbas brancas vestidos de vermelho a dizer “oh-oh-oh” e Merry Christmas e muitos presentes para todos.
O Sr. Hugo Chávez constituiu, de facto, uma ameaça: creio que estamos de acordo quanto a isso. No que se refere ao tipo de ameaça, o consenso já não será tão flagrante entre nós. É que, passados quase duzentos anos da Independência de vários países da América Latina, conduzida por Simón Bolívar juntamente com José de San Martín, por entre períodos mais ou menos prósperos, com ditaduras militares e golpes de estado pelo meio (muitos deles patrocinados ou protegidos pelo Tio Sam), a situação das ex-colónias espanholas viu-se marcada por uma contínua subserviência. E aquilo que o Sr. Chávez ameaça é precisamente introduzir uma rotura neste panorama continental “no qual nada há de novo”, no qual existe uma bela casa pintada de branco e um grande, muito grande quintal lá para trás que constitui um grande manancial de matérias-primas. É esta veemente tomada de posição em face dos Estados Unidos, desafiando as estratégias do mesmo (por exemplo com a proposta venezuelana da ALBA, “Alternativa Bolivariana para América Latina e o Caribe” em face da americana ALCA, “Área de Livre Comércio das Américas”), que parece começar a incomodar o governo norte-americano, para além das visitas “suspeitas” (será que afinal ele consegue fazer amigos?) à Rússia, à China e ao Irão. Quanto às Kalashnikovs, perante um país que invade um outro soberano, violando as leis internacionais e o respeito pela ONU, por razões que posteriormente não se vieram a confirmar, todo o cuidado é pouco, e não creio que sejam dezenas ou centenas de milhares de fuzis aquilo que torne a Venezuela numa ameaça para os EUA (país que – já enjoa repeti-lo – tem o maior orçamento militar mundial e cujas despesas com a Defesa têm vindo a ultrapassar os 400 bilhões de dólares nos últimos anos, valor este que, segundo especialistas, supera o total dos orçamentos militares dos países industrializados).
Mas regressando à questão, que a deriva já foi longa. Chávez desafia actualmente a América. Mas este desafio não se quer nacional. O desafio é o de superar de uma vez por todas um assunto que ficou mal resolvido há cerca de duzentos anos, e que ditou o próprio rumo da história dos países do Centro e do Sul da América. A doutrina Monroe, da qual já se fez referência há pouco, declarava precisamente essa não-interferência dos E.U.ª no processo de consolidação dos novos governos das ex-colónias espanholas. Simón Bolívar reúne a 22 de Junho de 1826, no Congresso de Panamá a Nova Granada, a Venezuela e o Equador (países que então formavam a Grande Colômbia), assim como a Guatemala, o México e o Peru, com vista a criar, cito, uma “assembleia de plenipotenciários nomeados por cada uma das nossas repúblicas e reunidos sob os auspícios da vitória, obtida pelas nossas armas contra o poder espanhol”, de forma a que “os interesses e as relações que unem entre si as repúblicas americanas, anteriormente colónias espanholas, tenha uma base fundamental que torne eterna, caso seja possível, a duração destes governos” (Carta de Convite para Participação no Congresso de Panamá, de 7 Dezembro de 1824).
Todos sabemos que esse projecto de união dos povos latino-americanos não foi levado a cabo. Há quem diga que os EUA não tiveram nada que ver com o malogro do mesmo; outros há que dizem que existiu um interesse efectivo e uma participação directa no mesmo, contrariando neste sentido as boas intenções da doutrina Monroe, proclamada pelo presidente norte-americano homónimo. Aqueles que defendem a hipótese da influência dos E.U.ª no futuro do projecto bolivariano assinalam como elemento decisivo em todo o processo a figura de Francisco de Paula Santander, vice-presidente da Grande Colômbia, cujos desacordos com Bolívar (o então presidente) e desejos de separar a Nova Granada do projecto do Libertador o levaram justamente a minar o Congresso de Panamá. Para tal, Santander convocou a presença dos E.U.A. no mesmo (desobedecendo às intenções de Bolívar que via nos E.U.A. um potencial colonizador), representados por Richard C. Anderson, encarregue de apresentar fundamentalmente a oposição dos seu país ao projecto de libertação de Cuba e de Porto Rico, ainda em mãos dos Espanhóis por essa altura, e ardentemente desejada pelos norte-americanos (que a viriam a ocupar efectivamente em 1898, na sequência da guerra contra a Espanha, despoletada pela explosão do USS Maine ao longo da costa cubana, e a instaurar a partir de 1902 uma espécie de protectorado), e a quem não interessava de facto esta união latino-americana que visava erradicar definitivamente o colonialismo europeu das Améruicas, acrescentando-se igualmente a isto o possível desagrado perante a ideia bolivariana de abolição do tráfico de escravos africanos.
A necessidade, apontada por Simón Bolívar, de uma união latino-americana não se esgotava portanto somente na eventualidade de uma tentativa de reconquista por parte da Espanha, mas também do poder emergente e perigosamente colonizador dos norte-americanos, que mais tarde se viria a confirmar na guerra contra o México 1846-1848, da qual resultariam a ocupação dos actuais estados de Texas, Novo México, Arizona, Nevada, Utah e Califórnia. Numa carta de Simón Bolívar de 5 de Agosto de 1829 em resposta à proposta do representante britânico nas Américas, Coronel Patrick Campbell, de que Bolívar fosse sucedido por político europeu, o Libertador deixa bem clara a sua clarividência quanto àquilo que seria o destino e a vocação imperialista dos EUA nas décadas que se seguiriam até aos nossos dias:
"Quanto não se oporiam [a essa proposta] os novos estados americanos] e os Estados Unidos que parecem destinados por parte da Providência a encher a América com misérias em nome da liberdade?".
O texto vai longo e já são relatos históricos a mais. O bolivarismo de que se reclama Chávez tem os olhos postos na urgência de fazer frente à política externa estado-unidense e à neo-colonização económica e cultural que a anima. Comparações podem ser aqui perigosas; os tempos não são os mesmos, os interesses em jogo também não, e a sinceridade e as promessas correm o risco, como nós humanos bem sabemos, de se revelarem enganosas num piscar-de-olhos. Mas, frente à sistemática exclusão e marginalização da América Latina, a sua única esperança poderá depender deste Neo-Bolivarismo cujos valores despertam novamente neste tempo, desta entreajuda que encontrará sem dúvida inspiração nos próprios versos do hino que o Sr. Chávez tantas vezes faz questão de cantar.

“Unidas con lazos, que el cielo formó,
la América toda existe en Nación ,
y si el despotismo levanta la voz
seguid el ejemplo que Caracas dio”

10/11/06 22:03  
Blogger Mocho Sábio said...

A "piada" do Che de gorro vermelho a distribuir Kalas às criancinhas é que borrou a pintura; no mínimo!

12/11/06 01:50  
Blogger José Gomes André said...

Meu caro Colorado:

o teu comentário é riquíssimo em pormenores históricos e obrigaria a uma resposta particularmente "académica", que todavia seria muito fastidiosa para os nossos leitores. Resta-me expressar pequenos apontamentos, que são apenas "pistas" para uma reflexão por natureza interminável.

1. O caso da proibição concreta de Chavez é inofensiva do ponto de vista prático, mas significativa pelo seu carácter simbólico. Mostra - se dúvidas houvesse - de que a acção governativa na Venezuela obedece a caprichos momentâneos de índole populista, que conduz o cidadão (no pior sentido) a uma determinada visão moral e política que lhe é impingida sob a bandeira da virtude pública e do mais rasteiro patriotismo. Uma sociedade chaveziana seria justamente isso: uma sociedade com palas nos olhos, alimentada a vergastadas por um condutor-padre (no sentido duplo de "pai" e "prior"), enquanto este debitava um manual de bons costumes.

2)Chavez pode agradar a uma esquerda especialmente dada a tiradas anti-bush e a visões utópicas, mas o seu projecto político possui as características fundamentais do totalitarismo que Hannah Arendt bem identificou: dinâmica populista, supressão de liberdades individuais, condução ético-moral dos cidadãos, promoção de costumes nacionalistas vagos com o objectivo de estimular o ódio ao "estrangeiro", abusos constitucionais obscuros, criação de uma "religião civil" - para controlar os impulsos espirituais da população, manipulação de eleições e pessoalização do regime. Revolução venezuela? Já tivemos disto quanto baste.

3. Os EUA cultivaram durante décadas um isolacionismo, sendo um modelo para as revoluções na América Latina. Esse isolacionismo valer-lhe-ia, aliás, severos ataques já no séc. XX. O problema reside na forma como os europeus continuam a olhar para o lado de lá do Atlântico. Sendo os EUA a grande potência que a Europa já não é há 3 séculos, queremos que os americanos sejam ou a) os salvadores do mundo ou b) os isolacionistas do passado. Reclama-se, ao mesmo tempo, que os EUA sejam mediadores dos conflitos internacionais, quando nós próprios somos demasiado ineptos para resolver o problema (vide caso Israel-Palestina); e que os EUA não intervenham em nenhum assunto de política internacional, quando entendemos que isso não se justifica. Portanto, o desejável, suponho, é um Estado-marioneta, que nos alimenta a economia, e que nos soluciona os problemas que nos afligem, mas que faz um intervalo quando achamos que precisamos de um sono repousante.

12/11/06 03:40  
Blogger José Gomes André said...

Caro mocho sábio,

obrigado antes de mais pela referência no seu blogue ao nosso BPC e deixe-me que lhe diga que é um prazer ter a visita de um conterrâneo.

Quanto ao seu comentário, nada posso dizer a não ser que me responsabilizo pelas expressões de sentido humorístico que escrevo - sejam elas falhadas ou não.

Abraço!

12/11/06 03:43  
Anonymous Anónimo said...

Ainda em referência à dissertação do Senhor Chapolín Colorado, duas notas, uma sugestão e uma declaração:

1) não deixa de ser curioso constatar que a «soi disant» marcha neo-bolivariana contra as perfídias do neo-imperialismo norte-americano seja conduzida por alguém que, em 11 de Abril de 1992, ordenou uma brutal carga policial sobre um grupo de manifestantes que protestavam nas ruas de Caracas contra as políticas do governo (nada que para os complexos de esquerda de uma certa «inteligentsia» ocidental, mais preocupada com «flatus vocis» anti-imperialistas do que propriamente com princípios éticos de governação, dê azo a grandes motivos de reflexão);

2) Também não deixa de ser engraçado notar que os neo-revolucionários sul-americanos precisam de programas de televisão do calibre do «Fiel ou Infiel» para assegurar a sustentação das suas políticas internas (para mais esclarecimentos, confira esse verdadeiro manual da manipulação mediática que dá pelo nome de «Alô Presidente» -- um programa da televisão venezuelana protagonizado pelo próprio Chávez que, mui generosamente, passa 60 minutos a ouvir elogios telefónicos à sua pessoa (culto da personalidade? embuste em grande escala? não acredito...);

3) Siga com atenção os desenvolvimentos da presente campanha eleitoral venezuelana (verdadeira demonstração da abertura dialéctica do regime-Chávez);

4) Se Bush me faz alergia, Chávez dá-me urticária.

12/11/06 15:25  
Anonymous Anónimo said...

Caríssimo colega e camarada VBM:

Permita-me responder-lhe às suas duas notas, assim como tecer um comentário à sua sugestão, deixando de lado, porém, a sua declaração uma vez que, para o presente debate, seria tão pertinente e relevante comentá-la como apresentar enquanto argumento o meu estado de ânimo sobre programas televisivos como o “Fiel ou Infiel”.

No que toca à primeira nota. Suponho que tenha existido uma confusão em relação à data e aos acontecimentos aos quais se refere. Em 1992 (mais precisamente no dia 4 de Fevereiro), Hugo Chávez liderou um golpe de estado contra o governo do então Presidente Carlos Andrés Pérez (que liderou a Venezuela em dois períodos: 1974/1979 e 1989/1994). Para além de ter mantido uma estreita proximidade com o Bush o Velho, o Sr. Carlos Andrés Pérez favoreceu, durante o seu mandato,o Grupo Cisneros, gigante dos media que domina quase toda a América Latina e cujo magnata, Gustavo Cisneros, esteve directamente envolvido no golpe de Estado perpetrado, esse sim, no ano de 2002 (falarei mais adiante acerca do envolvimento dos próprios media neste último golpe). Desconheço a existência de uma carga policial datada de 11 de Abril de 1992 que tenha sido ordenada por Chávez, e sustento a sua inexistência em dois motivos: 1) Chávez não estava no governo nessa altura; o golpe de estado por ele liderado em Fevereiro desse mesmo ano fracassou rotundamente, e foi o próprio Chávez quem admitiu publicamente o seu insucesso, sendo condenado, no seguimento, a dois anos de prisão. Logo, é pouco provável que Chávez tenha estado à frente da nação nessa altura, muito menos na figura de presidiário; 2) A data que o meu caro amigo refere (e se substituirmos 1992 por 2002) coincide precisamente com a do golpe de estado realizado já durante e contra a presidência chavista, mandato este (lembremos) que resultou de uma vitória democraticamente alcançada a 6 de Dezembro de 1998, com 56% do número total de votos (se quiser pegar na expressão “democraticamente alcançada”, faça-o, mas não antes sem consultar tudo aquilo que esteve nessa expressão maioritária do povo venezuelano, sobretudo o fenómeno do “Caracazo” de 1989). Sendo assim, gostaria de deixar-lhe uma breve esclarecimento sobre a questão da tal “carga policial” e esta possível confusão que lhe veio ao espírito.

Os eventos de 11 de Abril de 2004 tiveram na sua origem a decisão do governo chavista de proceder a uma restruturação dos quadros superiores da PDVSA (Petróleos de Venezuela Sociedade Anónima). No dia 9 de Abril desse ano, a oposição a Chávez, liderada pelos empresários Pedro Carmona e Gustavo Cisneros (já aqui referido), marcou uma greve geral para o dia 11 de Abril, tendo como objectivo protestar diante da sede da PDVSA daquela decisão de Chávez. Ora, curiosamente, esta marcha foi desviada no próprio dia para o Palácio presidencial de Miraflores, onde se encontrava Chávez e uma aglomeração de seus apoiantes, convocada em resposta à outra manifestação. O desvio da marcha de protesto anti-Chávez viria a ter graves consequências nesse mesmo dia, assumindo-se claramente como uma provocação e mostrando uma profunda irresponsabilidade da parte dos seus lideres. O “saldo” de 19 mortos e centenas de feridos registados em ambos os lados resultara, supostamente, dos confrontos directos entre os dois grupos. Ainda assim, a oposição a Chavez, com a grande ajuda do Sr. Cisneros e dos media privados venezuelanos, transmitiram insistentemente imagens de civis chavistas disparando sobre a outra manifestação. Várias fotos e imagens televisivas do acontecimento posteriormente reveladas vieram a provar que os disparos dos chavistas não eram dirigidos para a manifestação da oposição, mas sim para uma brigada policial que iniciou uma carga (não com cavalos, nem gás lacrimogéneo, mas com disparos) sobre esses mesmos populares. Os polícias envolvidos nesta carga eram comandados, curiosamente, pelo presidente da câmara municipal de Caracas, Alfredo Peñas, opositor directo de Chávez, com o intuito de abrir caminho à manifestação anti-chavista até ao Palácio de Miraflores (ou seja, permitir que fossem encaminhadas directamente para um mais do que plausível banho de sangue, o que, de facto, constitui um dos deveres das forças policiais...). Entretanto, as televisões privadas venezuelanas insistiam na repetição nauseabunda de uma única imagem de vários chavistas disparando sobre alguém ou sobre algo que não era abrangido pela câmara (do ângulo em que ela estava, bastava aparentemente ao operador rodar o tronco para fazê-lo). Entretanto, existem vários testemunhos de ambos os lados das manifestações segundo os quais os disparos que atingiram várias pessoas procediam dos prédios, ou seja, daquilo que pareciam ser disparos de snipers. Nessa mesma noite, uma sublevação de uma parte das altas patentes do Exército Venezuelano, em apoio a Pedro Carmona, decidiu dar um ultimato a Chávez para que abandonasse o governo em virtude do tumulto social que se (isto é, a sua figura) tinha gerado. É assim que assistimos a um duro golpe de estado na noite de 11 de Abril de 2002, mas com pés de barro, posto que seria o próprio povo a sair para a rua reclamando o regresso de Chávez perante aquilo que tinha sido uma acção anti-constitucional. Sobre o que aconteceu neste dia na Venezuela e toda a manipulação realizada pelos media em torno do mesmo e da orquestração deste golpe de estado, recomendo uma excelente reportagem, o documentário Revolution Will Not Be Televised de Kim Bartley & Donnacha O Briain, onde poderá confirmar as imagens que atestam o facciosismo dos media, conjuntamente com a posterior interrupção da transmissão (logo a seguir do golpe de Estado) do Canal 8 do Estado, para impingir à nação a ideia de que a deposição de Chavez não tinha suscitado qualquer reacção por parte dos cidadãos e que tudo estava calmo em Caracas, quando, na verdade, a resposta a este atentado foi imediatamente expressa com uma outra forte manifestação popular.

Esclarecida assim a primeira nota no que toca à provável confusão quanto àquela data, permita-me colocar-lhe uma questão, na sequência do que foi dito, sobre a sua segunda nota: a comparação que o meu caro amigo faz entre o programa televisivo “Aló Presidente” e o “Fiel ou Infiel” (que curiosamente segue a lógica tão venezuelana “Jerry Springer Show”); e pergunto-lhe: será realmente nefasto para as mentes (que são frágeis, como devo assumir em virtude da sua nota) assistirem a um programa de televisão no qual o Presidente fala à nação, seja dizendo “pá”, ou “meu”, ou chamando “donkey” ao Mr. Danger Bush? Em primeiro lugar, deixe-me dizer-lhe que a oferta televisiva na Venezuela é bastante ampla (a quantidade de canais por cabo é alucinante, contando com quatro empresas, canais esses entre os quais se conta, veja lá bem, a americaníssima Fox), e quem quiser ver o “Fiel ou Infiel” ou “A Roda da Sorte” (programa este que, já agora, estava sendo transmitido durante os acontecimentos que se seguiram ao golpe de estado) poderá fazê-lo livremente, que eu saiba, sem qualquer tipo de ameaça. Que o programa seja populista, como o estilo de Chavez, que aborde as questões sem aquele tom politicamente correcto... bom, posso dizer-lhe, em primeira pessoa, que faz parte da própria forma de ser do povo venezuelano e que não vejo mal nenhum nisso, seja cantando em directo nesse programa, ouvindo telefonemas de cidadãos claramente e suburbanamente frágeis e manipuláveis, etc.; isso em nada desqualifica um povo em termos de autenticidade existencial ou, simplesmente, de capacidade intelectual. Como lhe digo, a oferta televisiva na Venezuela ainda é ampla, pelo que o problema da liberdade de – na maior parte das vezes - absorver lixo televisivo, maioritariamente de cunho americano, ainda não se viu afectada, apesar do atentado ao fofo São Nicolau.

No que se refere à sua sugestão, gostaria que reforçasse essa sua insistência com notícias concretas e altamente chocantes para o nosso saudável espírito democrático, de forma a que acompanhe a presente campanha eleitoral na Venezuela, porque, na verdade, tenho andado entretido a seguir de perto notícias sobre manipulações em forma de veto nessa reputada e respeitada organização internacional chamada O.N.U., cujo primeiro artigo diz “Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, colectivamente, medidas efectivas para evitar ameaças à paz e reprimir os actos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz”... Mas isso já é outra cantiga...

12/11/06 20:17  
Anonymous Anónimo said...

Exmo. Sr. Colorado,

Houve, de facto, uma «gralha» no meu comentário: a data à qual pretendia fazer referência era – como é evidente – 14 de Abril de 2002 e não 14 de Abril de 1992. Mea culpa.

Quanto ao teor dos seus doutorais reparos («academic style»), e ainda que não tenha nascido para pregar aos convertidos (eu e a fé nunca nos demos bem…), gostaria apenas de dizer-lhe o seguinte:

Como bem sabe, há um curioso fenómeno epistemológico ao qual Popper chama «a impregnação teórica da observação». É aquilo que faz com que um sócio do Benfica negue a evidência de um penalty a favor do Porto ou com que um anoréctico negue a evidência da sua própria magreza.

Isto para lhe dizer que o seu texto – evidente vítima de um condicionamento ideológico a priori – vê o que lhe interessa ver e ignora o que não se enquadra com a sua posição dogmática de base.

É um documento interessante do ponto de vista da psicologia de massas, até mesmo como evidência de uma inesperada mega-amnésia histórica (não me está a falar de revolução socialista depois do séc. XX, pois não?), e só tenho pena que não possa ser adaptado à televisão com o seguinte título: «Intelectuais de esquerda desesperados (primeiro volume: O regresso da velha utopia socialista entretanto mumificada).

Lá dizia o Cioran (e com razão) que a história é a ironia em marcha. Mas, convenhamos que é preciso ter um sentido de humor muito sui generis para investir o Senhor Chávez com propriedades messiânico-libertadoras.

É que, aqui para nós, continuo sinceramente a pensar que o Senhor Bush (o novo) e o Senhor Chávez são as duas faces visíveis de um mesmo fenómeno (a grunhice) que se objectiva em dois níveis diferentes: a rica, situada a norte, e a pobre, situada a sul. Infelizmente, a estultice não é coisa que sofra grandes variações com a deslocação geográfica.

15/11/06 00:43  
Anonymous Anónimo said...

errata: leia-se 11 de Abril de 2002, e não 14 de Abril de 2002.

15/11/06 00:51  

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