Fim de festa
O anúncio de que a Festa da Música no CCB foi extinta por falta de verbas provocou reacções de inesperado regozijo. A começar pela ministra da Cultura, aliás, que recebeu a notícia com um inexplicável entusiasmo. A mesmíssima ministra que anda em guerra aberta com Rui Rio porque este decidiu efectuar cortes significativos no apoio a eventos culturais no Porto.
A diferença de cor política entre Rio e Mega Ferreira não explica tudo. A verdade é que vários sectores da sociedade portuguesa – em especial uma elite intelectual empedernida e bafienta – nunca viram a Festa da Música com bons olhos. A ideia de que a música clássica poderia ser saboreada por milhares de pessoas, numa atmosfera coloquial e num espaço aberto a todos os estratos sociais, provocou urticária àqueles que a pretendem manter no isolado e recôndito refúgio da “erudição”.
Os aplausos a esta medida surgiram ainda de outro quadrante: os obcecados do “défice”, presos na crítica diária a qualquer investimento do Estado, viram na poupança de 200 mil euros um benefício extraordinário para as contas públicas. Aparentemente, esta extravagância do CCB sai muito cara aos contribuintes e a sua extinção deve fazer parte dos esforços pedidos aos portugueses. Como as taxas moderadoras, o aumento dos impostos e o mamarracho da Praça do Comércio. São tudo sacrifícios que valem a pena. A sério que são.
A estes entusiastas gostaria de deixar algumas questões: se as dificuldades económicas justificam o fim do apoio estatal à Festa da Musica, então porque não suprimir pura e simplesmente as verbas do Orçamento para a Cultura? Se o maior evento cultural do país nos últimos sete anos, capaz de mobilizar mais de 50 mil pessoas e trazer a Portugal a nata dos intérpretes mundiais, não merece o subsídio do Estado, que género de produções justificam esses mesmos apoios? Teatro minimalista frequentado pelos parentes dos artistas? Exposições de vanguarda com instalações de dejectos e quadros em branco? Ou filmes experimentais com o ecrã sem imagem?
A diferença de cor política entre Rio e Mega Ferreira não explica tudo. A verdade é que vários sectores da sociedade portuguesa – em especial uma elite intelectual empedernida e bafienta – nunca viram a Festa da Música com bons olhos. A ideia de que a música clássica poderia ser saboreada por milhares de pessoas, numa atmosfera coloquial e num espaço aberto a todos os estratos sociais, provocou urticária àqueles que a pretendem manter no isolado e recôndito refúgio da “erudição”.
Os aplausos a esta medida surgiram ainda de outro quadrante: os obcecados do “défice”, presos na crítica diária a qualquer investimento do Estado, viram na poupança de 200 mil euros um benefício extraordinário para as contas públicas. Aparentemente, esta extravagância do CCB sai muito cara aos contribuintes e a sua extinção deve fazer parte dos esforços pedidos aos portugueses. Como as taxas moderadoras, o aumento dos impostos e o mamarracho da Praça do Comércio. São tudo sacrifícios que valem a pena. A sério que são.
A estes entusiastas gostaria de deixar algumas questões: se as dificuldades económicas justificam o fim do apoio estatal à Festa da Musica, então porque não suprimir pura e simplesmente as verbas do Orçamento para a Cultura? Se o maior evento cultural do país nos últimos sete anos, capaz de mobilizar mais de 50 mil pessoas e trazer a Portugal a nata dos intérpretes mundiais, não merece o subsídio do Estado, que género de produções justificam esses mesmos apoios? Teatro minimalista frequentado pelos parentes dos artistas? Exposições de vanguarda com instalações de dejectos e quadros em branco? Ou filmes experimentais com o ecrã sem imagem?
3 Comments:
De alguém que não conhece a totalidade do processo e que politicamente está bem mais à esquerda do PS:
É um facto que a Festa da Música constitui um produto para o qual se trabalhou durante anos, procurando a sua implementação social e comercial;
Também é verdade que a Festa da Música permitiu uma certa massificação da música clássica em Portugal, devido aos preços muito convidativos;
É certo que parece um desperdício abandonar tanto trabalho, principalmente após a penetração da marca no mercado.
Todavia, há uma diferença substancial entre massificação e democratização: a primeira recorre aos preços e não fideliza, o que aconteceu com a Festa da Música, cujo sucesso me parece ser relativo. Duvido que o número de consumidores de música clássica tenha aumentado de forma tão exponencial quanto o número de clientes desse evento parece indicar.
A democratização, pelo contrário, trabalha no sentido da criação de necessidade do produto, com alguma preocupação na massificação da sua oferta pelo preço (há uma inversão do enfoque, garantindo a acessibilidade).
Por outro lado, não vejo porque motivo temos que pagar pela utilização de uma marca internacional, se temos o know-how e os recursos humanos (não esquecer que temos muitos e bons músicos no desemprego) para produzir um evento de contornos semelhantes e mais barato.
Também me custa aceitar que a massificação de qualquer produto cultural passe necessariamente pelo acesso imediato à nata da nata (é o ideal, mas não é obrigatório). O objectivo deve ser apresentar as pessoas aos produtos, para que posteriormente cada um possa procurar a modalidade que lhe convém. Na Áustria, por exemplo, dão-se concertos gratuitos nas Igrejas todos os dias. Porquê? Há procura, por toda a gente. Quantos portugueses (lisboetas) procuram a festa da música fora do âmbito da Festa da Música? Quantos pobretanas é que assistem aos concertos? O verdadeiro trabalho está aí, não nas reivindicações de quem prefere o Mercedes (500€/mês) ao Renault e que se sente prejudicado porque mudaram o nome de um acontecimento social barato (onde aproveitam para dormir, tossir e conversar), em vez de investir num CD ou em concertos que custam 10, 15 €.
O melhor é esperarmos para ver e pensarmos de forma verdadeiramente democrática, antes de cedermos às investidas de uma classe média (eu incluído) que constitui, neste momento, uma elite ao nível cultural. Portanto, que não me acusem de elitismo, porque elitismo é querer comprar o peixe (porque podemos comprar) em vez de ensinarmos (é a nossa responsabilidade) os nossos vizinhos a pescar. Neste caso, a ouvir.
Caro Castanheira,
como deves imaginar, não estou de acordo contigo, e penso que explico porquê no texto. Mas há duas perguntas que tenho que fazer: achas mesmo que a Festa da Música pode ser inserida no fenómeno da "massificação" e que "o seu sucesso foi relativo"?
Milhares de bilhetes vendidos, como nunca em Portugal para um evento cultural... Espectadores de várias nacionalidades para ouvir concertos num ambiente intimista e descontraído... Centenas de CD's vendidos num único fim-de-semana. Se há coisa que não tem discussão é o sucesso do evento. Dizes-me que não criou hábitos? Isso ninguém pode saber.
Mais: a Festa da Música não tinha que ser um "instrumento para". A magnitude e qualidade do evento justificava-se em si mesmo. O Fantasporto também é financiado pelo MC e que eu saiba não tem como objectivo "criar hábitos de ver cinema". O mesmo para a Cinemateca. Ou para o FITEI. Ou para qualquer outra manifestação cultural. A questão não é, para mim, "quais as consequências da Festa da Música para outros eventos", mas sim "justifica-se a Festa da Música per se"? E não tenho dúvidas em responder afirmativamente...
Segunda pergunta: achas mesmo que seria possível fazer a Festa da Música com a mesma qualidade só com músicos portugueses? Também se podia fazer um campeonato do mundo de futebol sem o brasil e a argentina, mas não seria bem a mesma coisa, pois não?
Zé,
apesar de considerar que a quantidade de pessoas mobilizadas para um evento não justifica, por si só, a disponibilização de verbas, concordo contigo sobre este assunto. Que a cultura se confunda com elitismo e que a popularidade signifique necessariamente descida de qualidade parece ser um terrível erro.
Por outro lado, há que combater uma certa inércia (e até mesmo vergonha) para que a cultura se auto-financie. Que ela seja não-lucrativa parece-me ser um factor fundamental, pois liberta-a de certas condicionantes. No entanto, isso não deve desembocar no "orgulho do fracasso".
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