O fascínio do anel
Um dos encantos da trilogia O Senhor dos Anéis (cuja versão filmada está em reposição na SIC) reside no modo como Tolkien se inspirou nas estruturas narrativas clássicas, nomeadamente na composição dramática do enredo.
A influência capital parece ser a Odisseia. Tal como no poema épico de Homero, assistimos à imprevista viagem de um herói a quem o destino atribuiu um pesado fardo. Assim como o anel consome o seu portador (Frodo), também os perigos que afrontam Ulisses o enfraquecem cada vez mais. Num como noutro caso, o que os move não é tanto o cumprimento da missão que lhes foi confiada (a destruição do anel de Sauron/ o auxílio às tropas gregas na guerra contra Tróia), mas sim um primordial desejo de regressar a casa. E se isto é óbvio na Odisseia – onde seguimos os esforços de Ulisses para contornar os obstáculos que o afastam de Ítaca – n’O Senhor dos Anéis essa referência é sub-reptícia: nos momentos de dúvida e de fraqueza, é a visão idílica do Shire que motiva e revigora Frodo e o seu companheiro Sam.
Também a Divina Comédia fornece a Tolkien elementos vitais. Desde logo a matriz conceptual – a narração de uma viagem mística, que levará o herói, depois de enfrentar variegados desafios, à compreensão do seu próprio destino. Dante terá inspirado Tolkien igualmente na descrição dos momentos mais obscuros da viagem (o sinistro retrato do reino perdido de Mória assemelha-se a várias passagens da visão dantesca do Inferno), como na definição moral de uma parelha decisiva do enredo (a ideia de que o herói, “perdida a via direita”, requer o aconselhamento de um sábio companheiro) – podendo ser estabelecido um paralelo entre os papéis de Virgílio (o guia de Dante na sua jornada) e Gandalf (que dá a conhecer a Frodo o seu fado, e lhe serve de inspiração nas ocasiões de desconsolo).
E por falar em Virgílio, aludamos finalmente à Eneida, a partir da qual se constrói uma das mais belas cenas da obra (e do filme, em particular). Uma vez em Mordor – e na iminência de cumprir a sua missão – Frodo sucumbe ao peso das adversidades da viagem, parecendo incapaz de levar o anel até ao seu destino final. Embora igualmente esgotado, o fiel escudeiro, Sam, num último sopro, toma o corpo de Frodo e transporta-o às costas montanha acima. Assim também Eneias, apesar de tolhido pela visão aterradora de Tróia em chamas, consegue reunir forças e fugir da cidade, carregando o velho pai Anquises às suas costas. “Não será esse esforço que me custará”, afirma o herói. “Para onde quer que as coisas se encaminhem, correremos ambos o mesmo perigo, alcançaremos ambos a mesma salvação”. Eis algo que Sam certamente diria, entre dentes, à medida que conduzia Frodo ao coração da Montanha Negra – onde “todas as coisas acabam”, onde todas as coisas recomeçam.
A influência capital parece ser a Odisseia. Tal como no poema épico de Homero, assistimos à imprevista viagem de um herói a quem o destino atribuiu um pesado fardo. Assim como o anel consome o seu portador (Frodo), também os perigos que afrontam Ulisses o enfraquecem cada vez mais. Num como noutro caso, o que os move não é tanto o cumprimento da missão que lhes foi confiada (a destruição do anel de Sauron/ o auxílio às tropas gregas na guerra contra Tróia), mas sim um primordial desejo de regressar a casa. E se isto é óbvio na Odisseia – onde seguimos os esforços de Ulisses para contornar os obstáculos que o afastam de Ítaca – n’O Senhor dos Anéis essa referência é sub-reptícia: nos momentos de dúvida e de fraqueza, é a visão idílica do Shire que motiva e revigora Frodo e o seu companheiro Sam.
Também a Divina Comédia fornece a Tolkien elementos vitais. Desde logo a matriz conceptual – a narração de uma viagem mística, que levará o herói, depois de enfrentar variegados desafios, à compreensão do seu próprio destino. Dante terá inspirado Tolkien igualmente na descrição dos momentos mais obscuros da viagem (o sinistro retrato do reino perdido de Mória assemelha-se a várias passagens da visão dantesca do Inferno), como na definição moral de uma parelha decisiva do enredo (a ideia de que o herói, “perdida a via direita”, requer o aconselhamento de um sábio companheiro) – podendo ser estabelecido um paralelo entre os papéis de Virgílio (o guia de Dante na sua jornada) e Gandalf (que dá a conhecer a Frodo o seu fado, e lhe serve de inspiração nas ocasiões de desconsolo).
E por falar em Virgílio, aludamos finalmente à Eneida, a partir da qual se constrói uma das mais belas cenas da obra (e do filme, em particular). Uma vez em Mordor – e na iminência de cumprir a sua missão – Frodo sucumbe ao peso das adversidades da viagem, parecendo incapaz de levar o anel até ao seu destino final. Embora igualmente esgotado, o fiel escudeiro, Sam, num último sopro, toma o corpo de Frodo e transporta-o às costas montanha acima. Assim também Eneias, apesar de tolhido pela visão aterradora de Tróia em chamas, consegue reunir forças e fugir da cidade, carregando o velho pai Anquises às suas costas. “Não será esse esforço que me custará”, afirma o herói. “Para onde quer que as coisas se encaminhem, correremos ambos o mesmo perigo, alcançaremos ambos a mesma salvação”. Eis algo que Sam certamente diria, entre dentes, à medida que conduzia Frodo ao coração da Montanha Negra – onde “todas as coisas acabam”, onde todas as coisas recomeçam.
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