Silogismo Lusitano
As salas de espera do reputado Hospital da Universidade de Coimbra não são diferentes, suponho, das restantes salas de espera dos hospitais públicos. Cadeiras desconfortáveis, revistas cor-de-rosa e jornais regionais fora do prazo, uma televisão com o volume no máximo, guichets de atendimento desertos, filas, a má-disposição do costume. Contudo, uma delas prima pela singularidade. Entre as paredes despidas, pontuadas aqui e ali com alguns avisos, horários de atendimento e folhetos promocionais, encontramos um extraordinário cartaz, do tamanho de uma folha A4, impresso em letras garrafais, que reza o seguinte:
“QUEM TRABALHA MUITO, ERRA MUITO.
QUEM TRABALHA POUCO, ERRA POUCO.
QUEM NÃO TRABALHA, NÃO ERRA.
QUEM NÃO ERRA, É PROMOVIDO!!!”
Elogie-se a qualidade da prosa, em primeiro lugar; o extraordinário sentido de humor, em seguida; e o inigualável sentido de oportunidade, por fim. Porque não é qualquer um que se lembra de esgrimir estas premissas e inferir tão luminosa conclusão no serviço de Gastrenterologia.
Louvado o génio artístico do empreendimento, sublinhe-se o seu carácter exemplar. Atrevo-me a dizer que este silogismo ilustra de modo mais rigoroso uma certa forma de ser português, do que centenas de estudos patrocinados por comissões independentes. Desde que começámos, há alguns anos, a discutir o problema da “falta de produtividade” nacional, que lamento não saber definir com exactidão o que isso quer dizer. Debates infindáveis trouxeram algumas respostas: ouvimos falar de “competitividade”, “desburocratização”, “flexibilidade laboral”. Pois bem, este cartaz dispensa esta linguagem críptica e traz luz à discussão: os portugueses não gostam de trabalhar.
O trabalho é visto entre nós como um destino ingrato a que a madrasta condição social nos votou. O emprego é um vírus para o qual existe apenas um antídoto a longo-prazo – a reforma – e um modesto paliativo de eficácia rápida – o subsídio de férias. Assim sendo, o tempo que medeia entre a administração destes poderosos analgésicos está reduzido a um demorado e penoso inferno. Com a resignação possível, vem a coragem para engendrar formas de alívio adicionais: a cunha do amigo, a filha do patrão, o saco azul, o Euromilhões. Mas o cancro permanece. O cartaz da sala de espera peca, pois, por defeito: não nos diz que a via do deserto não acaba com a promoção desejada. É que com essa promoção vêm mais responsabilidades, e estas trazem mais trabalho. Ora já se sabe, quem trabalha muito, erra muito...
Triste fado, o nosso.
“QUEM TRABALHA MUITO, ERRA MUITO.
QUEM TRABALHA POUCO, ERRA POUCO.
QUEM NÃO TRABALHA, NÃO ERRA.
QUEM NÃO ERRA, É PROMOVIDO!!!”
Elogie-se a qualidade da prosa, em primeiro lugar; o extraordinário sentido de humor, em seguida; e o inigualável sentido de oportunidade, por fim. Porque não é qualquer um que se lembra de esgrimir estas premissas e inferir tão luminosa conclusão no serviço de Gastrenterologia.
Louvado o génio artístico do empreendimento, sublinhe-se o seu carácter exemplar. Atrevo-me a dizer que este silogismo ilustra de modo mais rigoroso uma certa forma de ser português, do que centenas de estudos patrocinados por comissões independentes. Desde que começámos, há alguns anos, a discutir o problema da “falta de produtividade” nacional, que lamento não saber definir com exactidão o que isso quer dizer. Debates infindáveis trouxeram algumas respostas: ouvimos falar de “competitividade”, “desburocratização”, “flexibilidade laboral”. Pois bem, este cartaz dispensa esta linguagem críptica e traz luz à discussão: os portugueses não gostam de trabalhar.
O trabalho é visto entre nós como um destino ingrato a que a madrasta condição social nos votou. O emprego é um vírus para o qual existe apenas um antídoto a longo-prazo – a reforma – e um modesto paliativo de eficácia rápida – o subsídio de férias. Assim sendo, o tempo que medeia entre a administração destes poderosos analgésicos está reduzido a um demorado e penoso inferno. Com a resignação possível, vem a coragem para engendrar formas de alívio adicionais: a cunha do amigo, a filha do patrão, o saco azul, o Euromilhões. Mas o cancro permanece. O cartaz da sala de espera peca, pois, por defeito: não nos diz que a via do deserto não acaba com a promoção desejada. É que com essa promoção vêm mais responsabilidades, e estas trazem mais trabalho. Ora já se sabe, quem trabalha muito, erra muito...
Triste fado, o nosso.
1 Comments:
Acabei de ver, num Hospital da Sta. Casa da Misericórdia aqui na vizinhança, uma garrafa de água do Luso a servir de garrafa de soro, com tubinho pronto a servir e tudo, aguardando o paciente que se segue. São estes pequenos pormenores que tornam a vida saborosa e tão pitoresca neste nosso Portugal.
Um grande abraço.
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