Duvidanças de uma mente curiosa, 7
A propósito das discussões sobre o aborto:
- Serei eu o único a quem estas discussões suscitam sobretudo uma emoção de profunda inveja? Vejo na televisão, ouço na rádio, leio nos jornais, escuto conversas, sempre com gente cheia de convicções acerca das suas posições. Convicções fortíssimas, quasi-certezas; os olhos inflamam-se com a consciência de realização da justiça, defender o que se defende é a própria construção da verdade; opiniões tão certas que cada um dos opinadores estaria disposto a aceitar alguns sacrifícios para as sustentar; convicções fixas, imutáveis, que trazem segurança ao espírito e um estado interior de satisfação. Eu invejo imensamente todas as pessoas que intervêm nas discussões sobre o aborto: votarei num, aceitando que há muitos argumentos favoráveis ao outro, sou incapaz de aderir a uma mera resposta positiva ou negativa, e seja qual for o resultado do referendo, estou-me nas tintas para ele. Que se passa comigo?
A propósito do limão:
- O limão é um fruto ou um vegetal (no sentido estrito)? O primeiro instinto aponta-o como fruto, nasce de uma árvore, é fonte de vitamina c, o seu sumo é sumo de fruta, nos supermercados é muitas vezes vendido ao lado das laranjas, não intervém em saladas nem é comum servir de acompanhamento às refeições. Mas porque é que o arrumamos no frigorífico junto com os legumes, e não junto com as frutas? Porque é que o limão raramente tem lugar reservado na fruteira? Quem come limão como se fosse fruta? Porque é que o limão surge na alimentação mais como condimento e menos como fruto? Qual é, enfim, o primo direito do limão, a laranja ou o tomate?
A propósito deste livro:
- Quando é que alguém se lembra de traduzi-lo para língua portuguesa, e publicá-lo em Portugal? Seria especialmente relevante para politólogos da UCP perceberem que a Modernidade filosófica teve mais que uma face, e a mais inteligente delas não é a mais notória.
- Serei eu o único a quem estas discussões suscitam sobretudo uma emoção de profunda inveja? Vejo na televisão, ouço na rádio, leio nos jornais, escuto conversas, sempre com gente cheia de convicções acerca das suas posições. Convicções fortíssimas, quasi-certezas; os olhos inflamam-se com a consciência de realização da justiça, defender o que se defende é a própria construção da verdade; opiniões tão certas que cada um dos opinadores estaria disposto a aceitar alguns sacrifícios para as sustentar; convicções fixas, imutáveis, que trazem segurança ao espírito e um estado interior de satisfação. Eu invejo imensamente todas as pessoas que intervêm nas discussões sobre o aborto: votarei num, aceitando que há muitos argumentos favoráveis ao outro, sou incapaz de aderir a uma mera resposta positiva ou negativa, e seja qual for o resultado do referendo, estou-me nas tintas para ele. Que se passa comigo?
A propósito do limão:
- O limão é um fruto ou um vegetal (no sentido estrito)? O primeiro instinto aponta-o como fruto, nasce de uma árvore, é fonte de vitamina c, o seu sumo é sumo de fruta, nos supermercados é muitas vezes vendido ao lado das laranjas, não intervém em saladas nem é comum servir de acompanhamento às refeições. Mas porque é que o arrumamos no frigorífico junto com os legumes, e não junto com as frutas? Porque é que o limão raramente tem lugar reservado na fruteira? Quem come limão como se fosse fruta? Porque é que o limão surge na alimentação mais como condimento e menos como fruto? Qual é, enfim, o primo direito do limão, a laranja ou o tomate?
A propósito deste livro:
- Quando é que alguém se lembra de traduzi-lo para língua portuguesa, e publicá-lo em Portugal? Seria especialmente relevante para politólogos da UCP perceberem que a Modernidade filosófica teve mais que uma face, e a mais inteligente delas não é a mais notória.
10 Comments:
Carissimo Campos,
a sua duvidança faz-me todo o sentido e permita-me uma questão: será que as pessoas que se inflamam com este debate e lutam pela 'sua' verdade, não reparam que são meros peões num jogo viciado? Ou os portugueses já esqueceram que já fizemos este referendo, que muitos ou poucos votantes, os portugueses dizeram NÃO e agora vamos a uma segunda volta para ver se dizemos SIM. Se o NÃO vencer será que teremos esta discussão mais quantas vezes? Até o resultado ser o que nos coloque na EUROPA??
Será que visto sobre este prisma vale a pena inflamarmos a nossa opinião, ou será que o amigo Campos não é o que tem razão? Deixá-los andar...
Pois a minha mente está com poucas "duvidanças" a esse respeito: As pessoas que respondem ficam com um ar muito embevecido porque é fino, é moderno ter opinião e são sem dúvida aproveitados pporque isto de aparecer na televisão é obra.
Já reparou que aqueles que mais obrigações têm para com o povo, não têm hesitações em pôr o problema como se nunca se tivesse feito coisa nenhuma ou não se tivesse abordado o assunto?
E agora a última descoberta que quem decide é a mulher e só ela?
Há uma coisa que não compreendo nos partidários do "não": será que se o aborto for DESPENALIZADO, as mulheres vão passar a ser obrigadas a abortar?! É que parece que sim... Já ouvi argumentos tão mirabolantes como: a natalidade em Portugal é muito baixa; se o aborto for despenalizado, os portugueses ficarão em vias de extinção. E muitos outros afim.
A questão é puramente jurídica: trata-se de saber da legalidade do acto perante o código penal. Não me parece que esta discussão jurídica acabe com a discussão ética.
Quanto à questão da decisão ser mais da mulher do que do homem, reitero o meu argumento: existe feto sem mulher? é que me parece que separar os dois é mesmo a definição de "aborto".
E sim, em termos grosseiros, considero que a penalização do aborto é uma coisa mais que nos afasta dos “países civilizados” (seja lá o que isso for).
Cumprimentos.
E eu cheio de inveja até de vocês, que se preocupam com a discussão do assunto.
Para mim, a dúvida mais premente é mesmo a do limão.
Carissimo Campos,
quem se ocupa desta forma com a problemática do limão, nitidamente nada percebe de agricultura, muito pouco de culinária e muito provavelmente não tem nada para fazer.
Aconselho-o a utilizar os muitos recursos que certamente dispõe numa causa mais nobre: quem sabe, descobrir se a luz do frigorifico apaga quando fecha a porta...
Ou então, saia para a rua e procure por si uma causa com a qual se identifique e verá que se sentirá muito mais vivo e parte de algo maior.
É verdade, também não percebo nada de agricultura nem de culinária. E a única causa que me move para a rua é o SLBenfica.
Mas, com mil diabos, nem tudo em mim é mau: ao menos assumo a minha parvuleza publicamente, e nunca em anonimato.
P.S.- As duvidanças não são meras perguntas retóricas, elas são (1) declarações públicas de ignorância, e (2) pedidos de esclarecimento sobre os temas duvidados. Mas não sei porquê, este segundo requisito nunca é atendido...
isto do aborto é dificil, e as campanhas do sim e não querem fazer passar a mensagem de que é fácil. por isso te compreendo, se era isso que querias dizer. votando sim ou não, será sempre com incerteza. não acredito que se acredite convictamente que é justo penalizar mulheres, não acredito que se acredite convictamente que abortar até 12 semanas não é decidirmos da impossibilidade de uma vida.
limão - experimenta pôr na salada como molho em vez de vinagre... e da wikipedia vem isto: Citrus é um género de plantas da família Rutaceae, ordem Sapindales, originárias do sudeste tropical e subtropical da Asia. O grupo contém três espécies e numerosos híbridos naturais e cultivados, incluindo as frutas habitualmente designadas por citrinos, como a laranja, limão, toronja, lima e tangerina. A taxonomia do gênero é complexa. só para responder, não respondendo.
Apenas duas perguntas:
1 - Porquê tanta admiração pela certeza das razões das pessoas que se pronunciam sobre o aborto? Na vida nem tudo é sempre relativo.Uma certeza de hoje pode amanhã ser dúvida - mas não parece que seja possível viver sem convicções!
2 - Porquê falar de "duvidanças"? é mais uma invenção no português vivo?
Tentativa de resposta às 2 perguntas:
1) Penso que o que escrevi é bem explícito: não me admirei de as pessoas terem tamanhas convicções, e ainda menos na temática do aborto. Aliás, admiração não é algo comum em mim, que me limito a ver passar o mundo. O que eu denuncio é INVEJA (minha) por não conseguir ter tamanhas convicções. Parece-me sinceramente que as pessoas que as têm são mais felizes do que eu. Daí a minha duvidança: serei o único a sentir-me assim?
2) Já dificuldades tenho eu em aprender a minha própria língua, quanto mais em criar uma nova. "Duvidança" é palavra de língua portuguesa de Portugal, segundo o Houaiss, desde o século XIII. Arcaico, sem dúvida e, por isso mesmo, como dizem os ingleses, "catchy".
para "andré, o campos": Esclarecido e convencido, além de agradecido!
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