O bom e o vilão
O trabalho gráfico que acompanha a reportagem do Expresso sobre o referendo ao aborto (págs. 2 a 4) é absolutamente vergonhoso. Passo a descrever: à esquerda da página, uma mulher segura uma declaração de voto dizendo “SIM”. No lado oposto, um homem coloca na urna um boletim de voto contendo um “NÃO”. No alto da página, encontra-se o rosto de uma mulher, com ar pensativo e ponderado, ladeada de pontos de interrogação. Ao seu lado, um homem assobia, em pose boémia e desinteressada, acompanhado por uma faixa dourada que reza em letras maiúsculas: ABSTENÇÃO. Que fantochada é esta?
Não está em causa saber se se trata de uma coincidência ou de uma tomada de posição. O que importa – independentemente das intenções do jornalista (ou do designer gráfico) – é o resultado da reportagem, a mensagem final que chega ao público. E essa mensagem é sexista, insultuosa e presta um péssimo serviço ao referendo em causa. Infelizmente não é um caso sem exemplo. Esta brincadeira de mau gosto reflecte uma ideia-chave que o debate sobre o aborto até agora tem vinculado das mais variadas formas, ora através da pergunta propriamente dita (que dispensa o homem), ora do radicalismo de alguns dos mais empenhados opinion makers (que arremessam os seus argumentos procurando o conflito e o ruído), ora simplesmente das convicções populares que a comunicação social se apressa a transmitir.
E que noção é essa? No fundo, a ideia de que a mulher, a vítima (para o bem e para o mal) da lei actual, e ao mesmo tempo aquela a quem cabe o fardo (ou o privilégio) de albergar a criança no seu seio, interroga-se e medita com profundidade sobre o tema, hesitando – mas finalmente decidindo-se pela liberdade de escolha. E o homem, que faz ele neste filme? Um malandro, que engravida a mulher e depois assobia para o lado, preferindo ir ver a bola ou descansar no sofá a ter que se deslocar penosamente até às secções de voto. E os poucos – corajosos – que o fazem, esses, acabam a votar “não” – porque lá no fundo, isto não tem nada a ver com eles.
Lamentavelmente, um jornal relevante como o Expresso prestou-se a transmitir esta ignominiosa caricatura, esta reles visão do mundo.
Não está em causa saber se se trata de uma coincidência ou de uma tomada de posição. O que importa – independentemente das intenções do jornalista (ou do designer gráfico) – é o resultado da reportagem, a mensagem final que chega ao público. E essa mensagem é sexista, insultuosa e presta um péssimo serviço ao referendo em causa. Infelizmente não é um caso sem exemplo. Esta brincadeira de mau gosto reflecte uma ideia-chave que o debate sobre o aborto até agora tem vinculado das mais variadas formas, ora através da pergunta propriamente dita (que dispensa o homem), ora do radicalismo de alguns dos mais empenhados opinion makers (que arremessam os seus argumentos procurando o conflito e o ruído), ora simplesmente das convicções populares que a comunicação social se apressa a transmitir.
E que noção é essa? No fundo, a ideia de que a mulher, a vítima (para o bem e para o mal) da lei actual, e ao mesmo tempo aquela a quem cabe o fardo (ou o privilégio) de albergar a criança no seu seio, interroga-se e medita com profundidade sobre o tema, hesitando – mas finalmente decidindo-se pela liberdade de escolha. E o homem, que faz ele neste filme? Um malandro, que engravida a mulher e depois assobia para o lado, preferindo ir ver a bola ou descansar no sofá a ter que se deslocar penosamente até às secções de voto. E os poucos – corajosos – que o fazem, esses, acabam a votar “não” – porque lá no fundo, isto não tem nada a ver com eles.
Lamentavelmente, um jornal relevante como o Expresso prestou-se a transmitir esta ignominiosa caricatura, esta reles visão do mundo.
4 Comments:
Deves poder escrever para o (editor do) Expresso.
Jaime
www.blog.jaimegaspar.com
Neste período em que quase todos dizem que não há campanha, que não é campanha deste ou daquele temos estas desagradáveis surpresas num órgão de comunicação social com tradição e obrigações com o leitor.
Desta vez o Expresso não cumpriu. Creio que conseguiu que eu vá votar embora seja um voto de protesto.
Totalmente de acordo com o post. Só pergunto ao sr.anónimo mentecapto: como é que se faz um VOTO DE PROTESTO num referendo deste tipo?!
Não quero deixar, contudo, de reafirmar que, aquém das patetices estereotipadas aqui muito bem apontadas, creio que a decisão última tem de caber exclusivamente à mulher, sob pena de se cair na figura mais ou menos velada, mais ou menos secularizada, da "máquina parideira".
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