quarta-feira, janeiro 03, 2007

O pior cego é aquele que não quer ver

Uma reportagem recente da TVI revelou (uma vez mais) o estado calamitoso em que se encontram os serviços de urgências dos hospitais públicos. O caso retratado era o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, no qual se apinhavam dezenas de pessoas aguardando vez. Os casos graves tinham um tempo de espera previsto de 35 minutos, enquanto os outros pacientes deveriam aguardar qualquer coisa como 5 a 7 horas.

Embora utilizando um estilo espalhafatoso, este exercício jornalístico expõe com clareza um dos aspectos mais deficientes do sistema nacional de saúde. Bem sei que, sobretudo por razões culturais, o povo português recorre com excessiva ligeireza ao serviço de urgências, mas a verdade é que o sistema revela uma ineficácia preocupante – apesar dos recentes esforços de modernização de que foi alvo.

Na realidade, não basta pôr em prática o mecanismo de triagem, apregoado como panaceia para todos os males. É fundamental criar melhores condições de atendimento e encaminhar mais recursos humanos (médicos e auxiliares) para este serviço. Por outro lado, é essencial levar a cabo um programa de esclarecimento junto das populações, para que evitem recorrer às urgências quando está em causa uma consulta de rotina ou uma quezília de menor importância. Por fim, é necessário empreender uma guerra sem quartel à burocracia acéfala que grassa nos serviços hospitalares. É simplesmente ridículo que um doente – em estado grave ou não – tenha que ditar a um funcionário com maus modos uma panóplia de informações inúteis. Admito que possa ser ingénuo, mas na minha opinião bastaria que constasse da ficha o nome, o número do sistema de saúde e um contacto (telefone ou morada). Tudo o resto (e o resto costuma ser enorme) serve apenas para encher papel e adensar o estado de enfermidade dos pacientes.

Talvez tão grave quanto o próprio serviço de urgências foi a reacção ao caso do ministro da Saúde, Correia de Campos. Em conferência de imprensa – na qual efectuava um balanço de 2006 – o ministro referiu-se à reportagem, acusando-a de empolar um problema que, no seu entender, “não existe”. Muito mal vamos nós quando somos conduzidos por alguém que insiste em negar a evidência com esta arrogância.