domingo, março 11, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 18

A propósito do programa televisivo Estado da Arte:

- Esta semana consegui ver cinco minutos do programa de Paulo Portas, enquanto almoçava. E ocorreu-me: há indivíduos que são opinadores, e há indivíduos que são pensadores. Os pensadores tendem a identificar problemas, a encadear uma argumentação de resposta possível, e a formular uma conclusão que possa constituir uma resposta para o problema, a qual pode também ser objecto de uma problema identificado, etc.; os opinadores nem identificam problemas, nem argumentam, nem encadeam proposições, nem admitem contraditórios aos seus discursos, limitam-se a dizer o que lhes passa pela cabeça sobre qualquer tema que lhes passe pela cabeça, sempre no tom do "acho que...". Um pensador pode ser protagonista de um bom programa televisivo, ou de um mau, consoante o formato do programa ou a qualidade do dito pensador; contudo, é difícil aferir esta afirmação com factos pois não existem programas de pensadores. Por outro lado, um opinador pode ser protagonista de um bom programa de televisão, ou de um mau, consoante o formato do programa ou o interesse da opinião do opinador. Ora os programas de opinadores portugueses são todos em formato de entrevista fictícia (perguntas previamente combinadas) e em formato platónico (o "entrevistador" limita-se a tentar fazer o "entrevistado" brilhar, olhando-o embevecidamente e tratando-o com deferência excessiva, numa posição de discípulo). Isto não é necessariamente mau se o opinador for alguém de relevo: por exemplo, a opinião do meu pai interessa-me não porque o ache particularmente inteligente, mas pelo simples facto de ser meu pai; é a sua posição de autoridade perante mim, ou perante uma dada matéria, que suscita em mim o interesse pela sua opinião. Eis enfim a duvidança: que interesse tem Paulo Portas e o seu programa? E já agora, que interesse tem também o seu colega opinador dominical, e o seu programa?

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Tenho há muito tempo uma dúvida sobre aqueles senhores que são convidados para opinar nem sabe a gente sobre quê, mas eles conquistaram um espaço televisivo e são apresentados quase como figuras imprescindíveis para o espectador. Este post veio esclarecer-me o que já sentia.
Obrigada pela clareza

12/3/07 11:58  
Anonymous Anónimo said...

Meu caro José Gomes André:

Alguns esclarecimentos a propósito do seu "post" sobre o meu texto "50 momentos para a história" publicado na revista "Única" de 3 de Março:

1-Todas as escolhas deste género são necessariamente subjectivas. Contudo, se tiver lido o trabalho até ao fim, poderá verificar que tive o cuidado de falar com diversas pessoas ligadas à televisão ou que pensam o fenómeno televisivo;

2- O que se pretendeu foi fazer uma viagem pelos momentos que os telespectadores mais recordam e aqueles que constituíram, de facto, momentos marcantes na história da televisão. Respeito a sua opinião, mas não compreendo o que não percebe sobre o momento em que o Carlos Fino entra em directo do Iraque em 2003. Milhões de portugueses viram através do videofone da RTP o início das hostilidades e a TV portuguesa foi a primeira em todo o mundo a mostrar essas imagens em directo. Se isso não lhe parece um momento de viragem...

3- A transmissão da "boda real" à escala portuguesa marca um equívoco que leva à perda da liderança das audiências para os privados. A história da televisão também é feita destes episódios, concorde ou não. Basta falar com alguém que estude o fenómeno:

4- A cena do candidato presidencial Cavaco silva a mastigar o bolo-rei não só é uma imagem gravda na memória de inúmeros portugueses, como há quem sustente que o actual PR perdeu ali as eleições; compará-la Às "gaffes" de Guterres ou Valentim Loureiro é, no mínimo, desonestidade intelectual;

5-concordo perfeitamente com as suas referências ao "Tal Canal" e ao "Herman Enciclopédia" e muitos outros momentos terão ficado de fora. Mas como só se podem incluir 50 momentos e eu já tinha aproveitado para falar do aparecimento do "Herman", acabaram por ficar de fora;

6- Se é verdade que só existem 3 menções directas aos privados, não é menos verdade que existem pelos menos 5 outras menções a imagens que passaram simultaneamente nas três estações;

7-Todo o trabalho jornalístico está sujeito a errar e, consequentemente, à crítica. Exige-se é que a crítica seja constructiva, bem sustentada, e não se limite a fazer juizos vãos com chavões como "equívoco inexplicável", "preconceito do 'politicamente correcto'" ou falta de ousadia. Reconheço-lhe alguma razão num ou noutro aspecto, mas a generalidade das escolhas parece-me inatacável.

Saudações,

13/3/07 00:10  
Blogger José Gomes André said...

Caro Nelson Marques, obrigado pelo seu comentário.

Como bem referiu, as escolhas deste género de reportagem (produzidas por uma ou mais pessoas, é indiferente) são subjectivas. E por isso mesmo critiquei as omissões (se achava que o "Tal Canal" era um programa fundamental, deveria tê-lo incluído) e algumas escolhas. Com efeito, continuo a não achar que o directo do Carlos Fino seja um "momento de viragem", embora tenha sido um trabalho relevante; o mesmo em relação à "boda real" - independentemente do que diz "quem estude o fenómeno", porque as minhas objecções não eram técnicas, mas sim observações do ponto de vista do consumidor.

Em relação ao episódio do bolo-rei, julgo que há um equívoco da sua parte quando refere "há quem sustente que o actual PR perdeu ali as eleições", já que Cavaco não concorreu a eleições nenhumas na sequência desse episódio - suscitado justamente sobre a dúvida de saber se ele seria ou não o candidato do PSD nas Legislativas (o escolhido foi Fernando Nogueira). Cavaco só se candidataria a PR mais de dois anos depois desse episódio e isso não contaria para a história (já que o célebre "tabu" tinha que ver com as Legislativas). De qualquer modo, parece-me ter sido um acontecimento relevante, pelo burlesco da situação. Dou de barato que podia estar legitimamente nos "50 momentos para a história da televisão".

Estou menos de acordo com o problema das TV privadas. Falei em "falta de ousadia" justamente por causa disso. A SIC e a TVI são responsáveis por muito do telelixo actual, pelo que se tornou comum, entre jornalistas e elites intelectuais, atacá-las em detrimento da RTP. Todavia, numa selecção dos momentos-chave da televisão em Portugal, creio que esse preconceito deveria ter sido ultrapassado. Além dos mencionados, vários programas e iniciativas dos privados foram inovadores e decisivos: o "Opinião pública" da SIC, os reality-shows, a introdução da "dupla de pivôs" (SIC e TVI), a introdução das notícias em rodapé (TVI), por exemplo...

Por fim, concordo consigo quando diz que a generalidade das escolhas é inatacável. Mas muitas vezes, são os pormenores que conferem ao trabalho jornalístico a excelência que o leitor (neste caso) deles espera. E por isso me referi aos "equívocos inexplicáveis" - de uma revista como a "Única" e de um jornal como o "Expresso" espera-se sempre um produto irrepreensível.

Com os melhores cumprimentos, JGA

14/3/07 03:00  
Anonymous Anónimo said...

Caro JGA:

Parece que concordamos pelo menos numa coisa: as escolhas são necessariamente subjectivas. As minhas e as suas. Não vejo porque as suas tenham que ser melhores que as minhas e não concordo em quase nada do que escreve sobre os reality-shows (em 50 momentos está lá o Big brother, o que realmente marcou a história da TV), com os duplos-pivôs e introdução de notícias em rodapé. A ideia era escolher momentos televisivos que façam parte da memória das pessoas. Na minha franca opinião, esses caberiam noutra história da televisão, não nesta.

Não é tarde para escrever a sua história da televisão. Tem aqui um bom espaço. Lerei com todo o gosto.

Cordialmente,

14/3/07 13:42  

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