sexta-feira, março 02, 2007

Português do Brasil?

Que portugueses e brasileiros se entendem, é óbvio. Que falam a mesma língua, já me parece um facto bem mais discutível. Na verdade, os brasileiros desenvolveram variações profundas na utilização da língua portuguesa, quer na sintaxe, quer no vocabulário, adoptando compulsivamente conceitos anglo-saxónicos e cunhando termos totalmente estranhos ao português de Camões. Em passeio recente pela Wikipedia, detive-me com algumas pérolas, nas quais parecemos encontrar um idioma familiar entre um estranho emaranhado linguístico.

Na entrada sobre o filme “2001, Odisseia no Espaço” podemos ler: “Uma curiosidade sobre a trilha sonora do filme: Kubrick solicitou ao seu colaborador em Spartacus, Alex North, que compusesse a trilha sonora para a película. Depois de escutar o resultado, o diretor de "2001..." não ficou satisfeito e optou pela música clássica para dar vida às famosas cenas no espaço. North só soube que sua trilha tinha sido jogada no lixo no dia da estréia do filme, e ficou furioso”.

Depois de saber que a trilha sonora tinha sido jogada no lixo, procurei algo completamente diferente e deparei-me com esta fascinante sinopse de “Annie Hall”: "O filme conta a estória de Alvy Singer, um humorista judeu e divorciado que faz análise há quinze anos. Ele acaba se apaixonando por "Annie Hall", uma cantora em início de carreira, e com uma cabeça um pouco complicada. Em pouco tempo estão morando juntos e não demora para se iniciar um período de crises conjugais".

Não demora até que busque uma descrição de um Western. Atente-se neste inspirado resumo de “O Bom, o Mau e o Vilão”: “O filme é estrelado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach. Foi filmado na Espanha. Como nos outros filmes, os atores americanos falaram inglês e os italianos, italiano, problema resolvido com dublagem. O tema de Ennio Morricone é muito conhecido, sendo usado em todo "duelo" em comédia e foi sampleado na canção "Clint Eastwood" do Gorillaz (o nome vem do astro do filme). Em plena Guerra Civil Americana, um bandido, Tuco (O Feio) descobre sobre um tesouro, mas não sobre sua localização. Quem o faz é "Blondie". Então Tuco tem de se aliar a Blondie para chegar à grana. No meio do caminho, o violento oficial "Olhos de Anjo" também descobre sobre o tesouro”.

Esclarecidos? Ou precisam de uma canção sampleada? Em troca de grana, eu explico tudo, nem que seja em dublagem.

Etiquetas: , ,

3 Comments:

Blogger Ângulo Saxofónico said...

Sim, meu caro Zé, dá para rir, sem dúvida. Mas atenção: (1) a difusão da língua portuguesa depende, hoje em dia e provavelmente ainda mais no futuro, quase exclusivamente do Brasil, único país lusófono com verdadeira expressão mundial. De resto, recordo-me perfeitamente que em os cursos de português disponíveis em Madrid, nos quais se inscreviam os meu colegas, americanos na sua maioria, eram leccionados na Casa do Brasil. (2) A influência cultural do Brasil sobre Portugal é infinitamente maior do que o movimento inverso, algo que não se passa na relação entre os países da América Latina e a "casa-mãe" Espanha (por razões históricas óbvias, é certo, mas só?)(3) Haveria que averiguar cuidadosamente a história, os registos e conteúdos, e o porvir dos sitos "acordos ortográficos" e da sua completa inabilidade em atingir os objectivos de convergência, a par da sua função de destruição interna e profundamente artificial da língua, fenómeno distinto da apropriação desordenada (mas em muitos outros casos engenhosa) dos exemplos que citaste. Abraço.

2/3/07 12:20  
Blogger Ângulo Saxofónico said...

PS - "samplar" (e não "samplear", é certo) é um termo corrente de jargão em Portugal.

2/3/07 12:24  
Blogger José Gomes André said...

Estou completamente de acordo contigo. A língua portuguesa depende decisivamente do Brasil para adquirir projecção mundial, e é justamente por isso que variantes abusivas como aquelas que exemplifiquei devem ser motivo de preocupação.

Mais do que nunca, é necessário proceder a uma revisão dos "acordos ortográficos", deixando espaço para as especificidades do uso singular do português (consoante o país e a região), mas procurando áreas de consenso alargadas. Ora, no meu entender, tem-se caminhado precisamente em sentido contrário, i.e., numa dinâmica de afastamento entre o português "lusitano" e o português "do Brasil".

Um grande abraço!

4/3/07 03:18  

Enviar um comentário

<< Home