Duvidanças de uma mente curiosa, 23
A propósito de livros e textos:
1) Pierre Bayard, no seu novo polémico Comment parler des livres que l'on n'a pas lu?, divide os livros em quatro categorias, os que não lemos, os que folheamos, os que lemos e esquecemos, e os dos quais apenas ouvimos falar. O mais estranho nesta categorização está na ausência das duas categorias que entendo como mais importantes: a dos livros que lemos e nos lembramos até de passagens inteiras, e a dos livros que nem nos lembramos de ter lido ou não. Esta última sempre me assustou imenso: não me lembrar se li o livro x ou y... Concebo ter lido livros que não sei se li. Onde estão as minhas horas mortas desses livros perdidos?
2) Aqui há uns anos não encontrava melhor lazer que uma boa leitura. Então via os livros como libertadores, potenciava-me na leitura de um livro. Hoje, que fiz da leitura de livros o meu mister, enfado-me com facilidade e não sinto liberdade alguma neles, talvez até o oposto ("Ai, que prazer/ter um livro para ler/e não o fazer"). Reparo aliás que os meus momentos mais felizes são os da pós-leitura. Onde reside então a libertação da leitura?: no debruçar-se sobre o livro ou no erguer-se do livro?
3) Em dias recentes, a minha mulher quis ler um clássico no seu vaivém diário no comboio. Para tal pediu-me conselho. Orgulhosamente, tentei ser prestável, mas não consegui. Todos os meus clássicos preferidos na estante são uns calhamaços enormes e grossíssimos, brutamente pesados, não muito aconselháveis para enfiar debaixo do braço. Quando é que as editoras portuguesas se lembram de publicar os livros em multiformatos (hardback e paperback e bolso)?
4) No filme Der Himmel über Berlin [As Asas do Desejo], de Wim Wenders, há uma personagem que afirma para si, pensando em off, a ideia de nunca ter havido quem conseguisse escrever uma epopeia da paz. É verdade que os Poemas Homéricos fizeram encalhar a epopeia na violência, assim enquadrando-a para os vindouros. Mas também é verdade que é difícil não encontrar uma espécie de hino à paz no Paradiso de Dante. Será da natureza do épico ser incompatível com a paz?
5) Por falar em poemas épicos, porque é que eles deixaram de ser escritos? Ou talvez a época pós-moderna tenha continuado a escrevê-los, mas agora disfarçados. De qualquer das maneiras, ou padeceram de morte ou de transfiguração. Se de morte, será possível ressuscitá-los? E se de transfiguração, como reconhecê-los?
1) Pierre Bayard, no seu novo polémico Comment parler des livres que l'on n'a pas lu?, divide os livros em quatro categorias, os que não lemos, os que folheamos, os que lemos e esquecemos, e os dos quais apenas ouvimos falar. O mais estranho nesta categorização está na ausência das duas categorias que entendo como mais importantes: a dos livros que lemos e nos lembramos até de passagens inteiras, e a dos livros que nem nos lembramos de ter lido ou não. Esta última sempre me assustou imenso: não me lembrar se li o livro x ou y... Concebo ter lido livros que não sei se li. Onde estão as minhas horas mortas desses livros perdidos?
2) Aqui há uns anos não encontrava melhor lazer que uma boa leitura. Então via os livros como libertadores, potenciava-me na leitura de um livro. Hoje, que fiz da leitura de livros o meu mister, enfado-me com facilidade e não sinto liberdade alguma neles, talvez até o oposto ("Ai, que prazer/ter um livro para ler/e não o fazer"). Reparo aliás que os meus momentos mais felizes são os da pós-leitura. Onde reside então a libertação da leitura?: no debruçar-se sobre o livro ou no erguer-se do livro?
3) Em dias recentes, a minha mulher quis ler um clássico no seu vaivém diário no comboio. Para tal pediu-me conselho. Orgulhosamente, tentei ser prestável, mas não consegui. Todos os meus clássicos preferidos na estante são uns calhamaços enormes e grossíssimos, brutamente pesados, não muito aconselháveis para enfiar debaixo do braço. Quando é que as editoras portuguesas se lembram de publicar os livros em multiformatos (hardback e paperback e bolso)?
4) No filme Der Himmel über Berlin [As Asas do Desejo], de Wim Wenders, há uma personagem que afirma para si, pensando em off, a ideia de nunca ter havido quem conseguisse escrever uma epopeia da paz. É verdade que os Poemas Homéricos fizeram encalhar a epopeia na violência, assim enquadrando-a para os vindouros. Mas também é verdade que é difícil não encontrar uma espécie de hino à paz no Paradiso de Dante. Será da natureza do épico ser incompatível com a paz?
5) Por falar em poemas épicos, porque é que eles deixaram de ser escritos? Ou talvez a época pós-moderna tenha continuado a escrevê-los, mas agora disfarçados. De qualquer das maneiras, ou padeceram de morte ou de transfiguração. Se de morte, será possível ressuscitá-los? E se de transfiguração, como reconhecê-los?
3 Comments:
"fiz da leitura de livros o meu mister"
O seu emprego é ler livros? Que emprego é esse?Porque não me avisaram que era possível fazer da leitura um trabalho?
Onde reside então a libertação da leitura?
No que a mim diz respeito é na sua leitura que encontro libertação. Tomara ter tempo para mais e mais leitura.
Quando é que as editoras portuguesas se lembram de publicar os livros em multiformatos?
Pelo menos em relação aos de bolso temos boas notícias: http://ojuizodoega.blogspot.com/2007/04/livros-de-bolso.html
Este comentário foi removido pelo autor.
Tentativa de resposta ao leitor:
1) Felizmente, tal emprego existe disponível para pessoas como eu e o leitor há já muitos anos. Fica a informação: chama-se "estudar".
2) O leitor é provavelmente mais feliz do que eu. E denota um maior amor aos livros do que eu. E se aí encontra libertação, debruce-se sobre os livros o mais que puder.
3) Felizmente, há essas boas notícias. Os bempelocontraristas já o sabiam. V. a "duvidança" n.º 20.
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