terça-feira, julho 03, 2007

A arte da fanfarronice

A expansão americana para Oeste, em pleno coração do século XIX, propiciou o surgimento de uma cultura aventureira, onde se misturavam o gosto por intrépidas façanhas, o apreço pelo que era excêntrico, e o impulso para engendrar novas formas de expressão. Surgiu assim a figura do “declamador”, que combinava de forma extraordinária os talentos oratórios tão valorizados na tradição anglo-saxónica, com o espírito audaz, astuto e verdadeiramente chico-esperto que fervilhava nos colonizadores do Oeste. Vejam este exemplo de uma incrível apresentação pública no Mississipi:

“Sou um pobre homem, é verdade, e cheiro como um cão molhado, mas ninguém me pode atropelar. Sou o mesmo indivíduo que conseguiu tirar do sério uma jaula de animais selvagens e fez um babuíno de nariz achatado baixar a cabeça e corar. Sou o tipo que rebocou o Grande Corno pelo rio Salt acima, onde os arbustos são tão espessos que os peixes não conseguem nadar sem arrancar as escamas! Talvez nunca tenham ouvido contar a história daquela vez em que um cavalo me deu um coice tão forte que deslocou as duas ancas! Se isto não é verdade, que me cortem aos bocadinhos para fazer isco!

Sou aquele bebé que recusou o leite mesmo antes de abrir os olhos e pediu uma garrafa de bom velho
whiskey! Sou esse pequeno Cupido! Falem em rir até arrancar a casca de uma árvore! Isso não é nada; eu seria capaz de arrancar a pata de um touro só com um piscar de olhos a ela dirigida! Eu cá sou um duro, hei-de viver para sempre e depois transformar-me numa estaca de carvalho branco.

Sou o artigo genuíno, um autêntico motor de acção dupla, e consigo correr mais depressa, saltar mais alto, nadar mais depressa, mascar mais tabaco e cuspir menos, beber mais
whiskey e manter-me mais sóbrio do que qualquer outro homem das redondezas! Que me cortem aos bocados se acreditarem que existe um só tipo entre eles com coragem suficiente para apertar o pescoço a uma galinha!”

:: (Daniel Boorstin, Os Americanos, vol.2, trad. port. Gradiva, p. 288).

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