sexta-feira, agosto 03, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 49

A propósito do grito:

- Porque é que há ainda vários operários de entretenimento que confundem uma boa voz de canto com gritos? Dulce Pontes, Mariza...

- Porque é que há pessoas completamente incapazes do oposto do grito, o sussurro? Mesmo que se lhes peça ou se lhes ensine, não conseguem não gritar: o meu pai sempre que comunica pelo telefone, ou o meu vizinho de baixo em todas as circunstâncias da sua vida...

- Porque é que há pessoas que apenas conseguem desempenhar um papel público em actividade cívica gritando? Valentim Loureiro, a malta do Bloco passeando pela rua, os CGTP's...

- Um bom uso das cordas vocais é uma rara e difícil virtude, e o recurso ao grito tanto pode ser um exercício de violência como uma exortação da felicidade. De qualquer das maneiras, a relevância do seu ocorrer depende sempre de uma receptividade auditiva, o que significa que o grito é uma daquelas coisas tão dependentemente determinadas que só se cumprem na sua essência na presença de um outro, a audição. Logo, não seria da maior utilidade ao gritante respeitar ao máximo o auditivo?: é que a valoração de um é proporcional à valoração do outro. Porque é que então quem mais grita tende a não conseguir ouvir? Não é a agressão ao ouvido do outro um atentado à audição como um todo? Ou, refraseando António Castro, "não deve à audição, o que grita, obediência"?

- Não é estranho que uma mesma elevada intensidade de voz inarticulando palavras consiga exprimir disposições sentimentais tais díspares como o desespero ou o êxtase? E serei eu o único por vezes a querer também ir à janela, tal Peter Finch no filme Network, gritar "I'm as mad as hell, and I'm not going to take this anymore!"? Ou, tal Tobey Maguire no filme Spiderman, quando a personagem pende velozmente entre os prédios, gritar no meio da rua "yuppiiiiii"? Ou, tal como as personagens no início do filme Amélie, gritar que nem um doido no momento do orgasmo?