quarta-feira, agosto 15, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 54

A propósito do centenário do nascimento de Miguel Torga:

1) Se for função dos funcionários políticos da república o dedicarem horas do seu tempo na celebração de centenários de quaisquer indivíduos com actividade cultural, não terá de haver funcionários a tempo inteiro para tal função? É que com certeza todos os dias se celebrará o aniversário ou o centenário de um qualquer versejador de bairro, cançonetista de variedades, fadista de tasca, ou rabiscador de paredes...

2) Se não houver tal função cumprida em tempo inteiro, então os aniversários e centenários celebrados pelos funcionários políticos da república, com dinheiros comuns, não serão meros julgamentos de opinião cultural? Juízos acerca de quem merece ou não merece ser recordado pela nação independentemente de lhe ter passado qualquer cartolina, ou de sequer ter vivido os seus anos neste território...

3) Nem sempre houve ministérios ou secretarias de Estado em Portugal para a cultura. Como será então que se festejavam os centenários de nascimento e morte dos indivíduos preferidos pelas elites culturais?

4) Miguel Torga sempre foi para mim imagem de quem escrevia bem, mas sem tons de genialidade. O meu primeiro contacto com a sua imagem e com uma reprodução da sua voz foi atroz: cara de mau feitio e voz esganiçada como um rato, declamando poemas num jeito semi-teatral como se as palavras não tivessem valor por si se não entoadas ridiculamente. Duvidei desde esse dia: como se expressaria oralmente o valoroso Camões? Que escrevia como ninguém e conhecia o português como se fosse o próprio idioma incorporado, disso temos provas. Mas teria também voz de rato, carregaria os rrr's ao jeito francês ou setubalense, declamaria olhando para o céu com um embevecido olhar de parvo? Quem sabe?

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostava de conhecer a tabela de classificações a que recorre para a atribuição do "mediano", "bom" ou "genial"! Miguel Torga tem uma obra vasta e diversificada, concedo que nem toda de igual relevância, ainda assim parece-me muito pouco dizer, acerca de um dos melhores autores portugueses no domínio do conto, de qualidade narrativa e poética poucas vezes superada, que seja apenas alguém que "escreve bem".

15/8/07 13:50  
Blogger E. A. said...

André Campos,

Realmente os seus posts são sempre intrigantes, mas este merece-lhe um meu comentário… E intrigante, digo, por nos lançar tantas perguntas – mente curiosa a sua, claro está!
Aqui teríamos três hipóteses: ou ignorá-lo sapientemente, ou ofendê-lo vigorosamente, ou criticá-lo diletantemente. Numa dedução veloz, a primeira aparta-se desde já; e a segunda num esforço quase sisífico também se apartará, prometo-lhe eu.
As considerações das primeiras três alíneas são perplexidades realmente pertinentes: que critérios deverão assistir aos encómios públicos dos centenários dos nascimentos de artistas, sendo que, e antes de mais, vinga a necessidade de estabelecer critérios comuns para a identificação de entre os diversos artistas, dos merecedores da coroa de louros. Ora, não parece contraditório que a dúvida estética seja logo deposta na alínea 4, quando diz que Miguel Torga sempre foi imagem de quem escrevia bem, mas sem tons de genialidade? Partilhe então connosco o seu conceito de Génio, talvez a partir dele possamos antever absolutamente quem dos artistas viverá eternamente! E depois, a derradeira intriga: se um não-génio tem uma toada ridícula, um génio que toada terá? Não me consigo conter, e imagino-o a si, com um embevecido olhar de parvo, a duvidar...
Ups! Afinal não cumpri a promessa!

15/8/07 15:52  
Blogger André, o campos said...

Obrigado pela crítica.

15/8/07 19:25  
Anonymous Anónimo said...

aveugle.papillon,

partilhe você connosco o seu conceito de Génio. Talvez assim, possamos ficar com um "embevecido olhar de parvo" após lermos a sua definição em relação a esse mesmo conceito. Provalvemente vai-nos elucidar melhor... ou talvez não...

17/8/07 19:16  
Blogger E. A. said...

Cara voz sem nome,

Lamento que lhe tenha escapado o âmbito da minha intervenção que foi exclusivamente denunciadora de abuso lógico, sem qualquer pretensão de juízo estético.

É o que dá ficar-se embevecido...

18/8/07 12:58  

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