sábado, outubro 13, 2007

Al Gore: respeitemos os factos

Pode não se gostar da personagem. Pode não se gostar do percurso político nem da ideologia. Pode não se gostar da forma como promove a ecologia através de uma agenda mediática. Pode não se gostar que tenha recebido o Nobel da Paz. E pode não se concordar com as suas teses acerca das alterações climáticas e da degradação do ambiente. Mas, por favor, não permitam que esta antipatia desemboque numa deturpação dos factos.

Nas últimas horas, choveram críticas um pouco por todo o lado. A direita conservadora – talvez porque lhe custe abdicar dos seus hábitos aristocráticos – apressa-se a desvalorizar a causa ambiental e a ridicularizar o “aquecimento global” (vejam aqui, por exemplo). A esquerda revolucionária – melhor, o Partido “Os Verdes” – critica a atribuição do prémio (ah, ecologistas!), dizendo que o contributo de Al Gore para a causa ambiental resulta de um “mediatismo que decorre de um posicionamento de tensão ao nível económico” (uma daquelas tiradas fascinantes, made in 1917). Por outro lado, os verdes mais vermelhos deste país afirmam que “Al Gore não fez das alterações climáticas uma bandeira na sua campanha. Isso só veio numa fase posterior, através do filme Uma Verdade Inconveniente.

Não se trata de uma afirmação nova; a imprensa tem veiculado com frequência a ideia de que Al Gore se converteu recentemente à causa ambiental, com o propósito de relançar a sua carreira política. Nada mais falso. Não sei se Gore ainda tem aspirações políticas (é possível que sim), mas a sua dedicação à ecologia não tem dois, nem três, nem cinco anos. Desde o final dos anos 70 – numa altura em que poucos sabiam sequer o que eram os problemas ambientais – que Gore tem lutado pela causa ecológica.

Começou por promover sessões de esclarecimento no Congresso sobre as alterações climáticas, durante toda a década de 80. Escreveu artigos na imprensa alertando a opinião pública para os perigos da crise ambiental. Lançou programas educativos na Internet e nas escolas, para consciencializar os jovens para os problemas ecológicos. Em 1992 publicou “Earth in the Balance”, um dos mais notáveis textos da década de 90 sobre a crise ambiental. Defendeu com veemência o Protocolo de Quioto, cuja aprovação foi bloqueada pelo Senado. Propôs dezenas de pacotes legislativos referentes à protecção do ambiente. Durante vinte anos, fez centenas de conferências por todo o mundo publicitando a causa ecológica e alertando para os perigos das alterações climáticas.

Há quem não goste do senhor. Há quem o considere ambicioso e arrogante. E há quem considere que o aquecimento global é um mito. São opiniões legítimas e que respeito. Mas que ninguém o apelide de “arrivista”; que ninguém considere que a sua dedicação à causa ambiental é uma manobra de ocasião – pois trata-se, para o bem e para o mal, da luta de uma vida.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não contradiz o seu post, mas estou certo que é uma reflexão que não deixará de lhe interessar. E que também respeita factos. Falo de 'Uma caixa de Alka-Seltzer' em http://setevidascomoosgatos.blogspot.com/. Gostava que visse.
Um abraço.

rvn

14/10/07 03:21  
Blogger Oscar Maximo said...

Francamente, um sr. que passa a vida a andar de avião PRIVADO, dizem que tem uma casa de alto consumo energético, mais um eco-consumista (alguém que passa a falar mais eco e em simultâneo a provocar maiores emissões de co2).
Ainda se tivesse em concreto proposto qualquer coisa de util - por ex., investir em comboios para deslocações entre as cidades + próximas e mercadorias, acabar com SUVs americanos de 8 cilindros, alertar contra o crescimento contínuo, de bens e PESSOAS, proposto pelos economistas, etc...
Pelo seu exemplo, a única coisa que pode propor é desigualdade, palavra que não rima bem com paz.

14/10/07 15:52  
Blogger José Gomes André said...

Caro Oscar, está no seu direito de não gostar do senhor. Não faço ideia de qual é o comportamento privado de Al Gore (nem me interessa), mas os seus actos públicos foram decisivos no âmbito da protecção do ambiente.

A sua frase - "Ainda se tivesse em concreto proposto qualquer coisa de util" - é totalmente paradoxal face ao que Gore já produziu nesse âmbito. O meu texto referia algumas das suas medidas, mas como vejo que não ficou convencido, sugiro uma pesquisa na net, uma biografia oficial ou - se estiver mesmo com paciência - a consulta do diário de procedimentos do Congresso americano. Ficará surpreendido...

15/10/07 03:07  
Anonymous Anónimo said...

Sugiro que vejas http://www.lpn.pt/LPNPortal/userFiles/File/com_imp_121020071.pdf

apenas para clarificar a ideia de que nem todos os ecologistas partilham as opinões d' Os Verdes.

O Prémio é atribuido a pessoas e a instituições, mas procura evidenciar causas, e isso é o mais importante. Se é verdade que nem todos concordam com Gore, não é menos verdade que ele tornou as alterações climáticas mediáticas. Isso é indiscutível, ainda que sejam certamente discutíveis - não são todas? - as teses que ele defende.
Concordo com o que dizes no post e mais: embora o comportamento privado de Gore possa ser incoerente com aquilo que ele defende - e isso pode ser um problema, mas não apenas para Gore -, o que importa aqui é o compromisso político e esse, de facto, é bem mais antigo do que o mediatismo obtido através do filme e da sua promoção.

15/10/07 12:21  

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