Os filmes mais agradáveis, um a um (V)
E) Ladri di biciclette [Ladrões de bicicletas] (1948], de Vittorio De Sica:
- Confesso-me ter sido sempre pouco amigo das formas de arte entendendo-se como veículos de ideologia, e não é outra coisa o neorealismo, mas abro uma excepção a este filme de De Sica. É que, mais do que um retrato da Itália do pós-guerra, este filme é sobretudo uma espécie de afirmação da impotência humana: um homem que ganha o seu sustento pelo uso da sua bicicleta tenta reavê-la após ter sido furtada, e tudo isto sempre na companhia do seu pequeno filho. A relação pai-filho-bicicleta tem aqui o seu início fulgurante (que será usada muitas vezes ao longo da história do cinema, basta ver os filmes de Benigni ou um que saiu há pouco tempo com Will Smith), e centra-se afinal no esforço contínuo de um pai de cobrir ao filho o horror do mundo com uma cortina de afabilidade. No final, uma das melhores cenas da história do cinema: levado ao desespero, o pai tenta ele próprio furtar uma bicicleta, mas é apanhado, esbofeteado, e deixado ir à sua vida, tudo perante o olhar do seu filho.
A última cena retrata o pai junto com o filho, caminhando em direcção a um horizonte de gente, e a cara do pai é a melhor expressão de vergonha que se pode conceber. Não há afinal impotência maior que esta: o sentir-se que se demonstra aos nossos filhos não termos capacidades para lhes sermos os melhores pais.
Realismo?: sobretudo crueza...
- Confesso-me ter sido sempre pouco amigo das formas de arte entendendo-se como veículos de ideologia, e não é outra coisa o neorealismo, mas abro uma excepção a este filme de De Sica. É que, mais do que um retrato da Itália do pós-guerra, este filme é sobretudo uma espécie de afirmação da impotência humana: um homem que ganha o seu sustento pelo uso da sua bicicleta tenta reavê-la após ter sido furtada, e tudo isto sempre na companhia do seu pequeno filho. A relação pai-filho-bicicleta tem aqui o seu início fulgurante (que será usada muitas vezes ao longo da história do cinema, basta ver os filmes de Benigni ou um que saiu há pouco tempo com Will Smith), e centra-se afinal no esforço contínuo de um pai de cobrir ao filho o horror do mundo com uma cortina de afabilidade. No final, uma das melhores cenas da história do cinema: levado ao desespero, o pai tenta ele próprio furtar uma bicicleta, mas é apanhado, esbofeteado, e deixado ir à sua vida, tudo perante o olhar do seu filho.
A última cena retrata o pai junto com o filho, caminhando em direcção a um horizonte de gente, e a cara do pai é a melhor expressão de vergonha que se pode conceber. Não há afinal impotência maior que esta: o sentir-se que se demonstra aos nossos filhos não termos capacidades para lhes sermos os melhores pais.
Realismo?: sobretudo crueza...
3 Comments:
Ainda bem que deu para perceber que o neo-realismo não é única e exclusivamente um veículo de ideologia! Continue a descoberta...
Meu caro André: essa de reduzires o neorealismo a um «veiculo de ideologia» é, no mínimo, uma perspectiva muito redutora. É certo que o neorealismo nasceu num período histórico muito específico e fortemente politizado, mas basta ver a forma como evoluiu (nomeadamente no cinema do Rossellini ou do Fellini, para só citar casos célebres) para se perceber que está muito longe de se esgotar num qualquer efeito propagandístico. Para além disso, duvido muito que haja filmes ideologicamente neutros (eu pelo menos nunca vi nenhum). Um abraço.
Caro Vasco,
se expressei no texto um meu entendimento do neorealismo APENAS como veículo de ideologia, então isso significa que o texto está pura e simplesmente mal escrito e mal explicado.
O que pretendia expressar era sim o meu entendimento do neorealismo como SOBRETUDO veículo de ideologia. Mas não nego que haja mais mundo para lá deste horizonte. Aliás, se o negasse, não faria sentido escrever o post...
Quanto a não haver filmes ideologicamente neutros, temo não concordar inteiramente contigo: que não haja cinema puramente "neutro", ainda vá, agora que todo o cinema contenha em si algo que preencha uma noção de "ideologia", isso dependerá afinal do que se entenda pela dita coisa.
Temo aliás que muita gente no cinema americano actual nem sequer conheça o significado da palavra.
Mas acrescento ainda que nunca pensei bem no assunto. Talvez num futuro próximo...
Um abraço
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