terça-feira, novembro 06, 2007

A Queda do Império

Li no fim-de-semana o Courrier Internacional. Gostei especialmente de um artigo de Dmitri Gubin, sobre essa doença dos tempos modernos – o “glamour” – que o autor define como “o testemunho de uma sociedade em que o sexo é a pouco e pouco substituído pelo sexy, ou seja, em que a imagem da acção substitui a acção em si”. Teria dificuldades em sintetizar melhor este vírus social, que transforma o simulacro em realidade opressiva, anulando todas as outras formas de existência social e negando a possibilidade de estas surgirem como modelos de autenticidade.

Verdadeiramente notáveis são os seguintes excertos do artigo, onde a um arguto pessimismo se junta uma fina ironia: “Há alguns anos, tive oportunidade de trabalhar numa revista cheia de «glamour». Ao princípio, o «glamour», com todas as suas regras [...] pareceu-me uma verdade da vida. Depois, tomei-o por um sonho. Agora, vejo nele um indicador muito prático: quantos mais Bentley com os volantes incrustados de diamantes houver na Rússia [e acrescento eu: em todo o lado], mais elevada será a taxa de mentira e menos provável será o risco de derramamento de sangue.”

Se a mentira e o luxo que a acompanha ultrapassarem os limites, teremos o destino da Roma Antiga, cuja civilização caiu por terra face a uma nova religião desprendida dos bens materiais. Não seria a pior saída. Claro que pereceríamos, mas, pelo menos, o fim da nossa civilização seria tema de centenas de filmes.”

2 Comments:

Blogger Boécio said...

Caro Zé, parece-me básico que o que caracteriza o capitlismo é a transformação de qualquer objecto em mercadoria de forma a criar um sistema de inter-relações universais (ou transcendentais, se preferires), a que chamamos "mercado". No capitalismo tardio (ou pós-Fordiano), mais abstracto no sentido que referi, também a moeda, como padrão do sistema, é traduzida numa outra série de padrões possíveis de equivalência, onde se pode perfeitamente inserir o "glamour". Trata-se apenas do desenvolvimento de um fenómeno que já Marx tratou sob o nome de "fetichismo". Parece-me pois que o "glamour" contemporâneo só aparentemente pode ser lido em paralelo imediato com a luxúria romana. Convido-te a ler um breve post que referi uma vez no Ângulo, e que parte justamente da questão do sexo, ainda que doutra perspectiva: http://www.shaviro.com/Blog/?p=526
Não li o texto do sr. Gubin nem estou de todo familiarizado com a realidade russa, mas parece-me que qualquer análise que parta sem mais da dicotomia real/aparente ou autêntico/inautêntico é sempre simplista e inocente.
Quanto aos filmes, diria que JÁ há muito que estão a ser feitos - talvez não tenha havido outro tema na última década. Abraço

6/11/07 14:29  
Blogger nelio said...

é curioso pensar que essa mesma religião é hoje em dia tão ou mais opulenta do que os outros sectores da nossa civilização, apesar da sua doutrina oficial dizer o contrário.

7/11/07 17:12  

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