sábado, novembro 24, 2007

Regresso a Anápolis

Em 1786, com apenas dez anos de independência, os Estados Unidos da América estavam à beira da desagregação. O país, governado de acordo com os Artigos da Confederação de 1781, caminhava em sentido divergente, sem uma política nacional eficaz. O Congresso dispunha de limitados poderes e revelava uma preocupante incapacidade para coordenar a política económica da nação. Não existia ainda a figura agregadora de um Presidente, nem de uma Administração federal, o que enfraquecia ainda mais a vacilanete União. As leis necessitavam de uma aprovação unânime por parte dos Estados, que preferiam ignorar os requisitos do Congresso e traçar de forma independente a sua própria política. A desintegração da União parecia, pois, um destino inexorável.

No entanto, um grupo de patriotas e unionistas convictos não desistiu e apelou aos diversos Estados para que fosse convocada uma conferência nacional nesse mesmo ano de 1786, para resolver o impasse em que mergulhara a União. A Conferência realizar-se-ia em Anápolis (Maryland), e teria como objectivo definir os novos contornos da política económica americana, conferindo reforçados poderes ao Congresso nesse domínio capital da nação.

A Conferência de Anápolis foi um rotundo fracasso. Compareceram apenas doze delegados, representando cinco Estados (de um total de treze). Todavia, os poucos que aí se encontravam tomaram uma decisão que iria mudar o rumo da história americana e mundial: redigiram uma nova convocatória aos Estados, requerendo que enviassem delegados a uma Convenção extraordinária, a ter lugar em Maio do ano seguinte. O objectivo desta Convenção seria, contudo, mais ambicioso do que a Conferência de Anápolis, pois os doze bravos resistentes de Anápolis indicavam explicitamente que era necessário “reconsiderar os Artigos da Confederação e tomar providências para tornar o governo federal adequado às exigências da União”. Estavam lançadas as bases para a Convenção de Filadélfia, que no verão de 1787 iria reedificar todo o sistema político americano, alicerçando-o numa Constituição que ainda hoje vigora.

A Administração Bush – talvez numa tentativa para se redimir dos seus falhanços na política externa – empenhou-se a fundo para que se realizasse nos próximos dias (ou semanas) uma conferência internacional em Anápolis. O objectivo é juntar à mesa das negociações israelitas, palestinianos e outros representantes árabes (Arábia Saudita, Síria, Egipto, etc.), além de grandes potências internacionais como a Rússia ou a China – e discutir o futuro do Médio-Oriente. Tal como há 221 anos, as perspectivas de sucesso eram frágeis – quase inexistentes. E no entanto, Anápolis foi um ponto de viragem e o anunciar de uma nova era para a América. Que a conferência de Anápolis dos nossos tempos possa ser igualmente um momento marcante, não apenas para os Estados Unidos, mas para o mundo em geral.