segunda-feira, novembro 19, 2007

Uma história alternativa

Sabemos como aconteceu, desde o desenvolvimento das primeiras civilizações ao surgimento do Cristianismo, desde as invasões bárbaras ao triunfo da informática. Mas... poderia ter sido de outro modo? É possível fantasiar que a História – uma extraordinária sucessão de eventos que não é mais que um afortunado jogo de acasos – tivesse sido escrita com uma pena diferente?

É este o ponto de partida de What If?, uma pechincha que comprei num alfarrabista em Londres (no caso, o segundo volume). Um conjunto de reputados historiadores reflecte sobre o modo como o mundo teria evoluído se pequenos eventos tivessem alterado os grandes acontecimentos da narrativa humana. Os sugestivos títulos dos capítulos falam por si: “Os chineses descobrem o Novo Mundo no século XV”; “Lutero morre na fogueira em 1521”; “Se Lincoln não tivesse libertado os escravos”; “O Führer à solta (Hitler sobrevive à ofensiva aliada)”.

Nestes ensaios de história contrafactual destacam-se dois textos. O primeiro parte da hipótese de Sócrates ter morrido na Batalha de Délio, onde os atenienses foram esmagados, mas o (ainda jovem) filósofo sobreviveu. As páginas que se seguem consideram o futuro da filosofia sem um dos seus pais fundadores: o que teria sucedido a Platão, sem nunca ter conhecido o seu mentor? Que rumo teria seguido a educação dos jovens atenienses, sem que os sofistas tivessem um rival à altura? E o que seria da tradição ocidental sem os diálogos platónicos, sem o Fédon ou o Górgias, sem A Apologia de Sócrates ou A República?

O terceiro artigo é igualmente extraordinário, a começar pelo título: “Pôncio Pilatos poupa Jesus”. Seria possível um Cristianismo sem a crucificação? “E se Cristo tivesse vivido uma vida muito longa?”, pergunta Carlos Eire. Teria um velho e cansado profeta ainda assim cativado as multidões? Sem essa grande epifania, teriam os cristãos minado os alicerces do Império Romano? Haveria sequer um Cristianismo? E se não, o que seria da nossa história moderna, sem igrejas e sem papas, sem a Páscoa e sem o Natal? O autor responde a estas e outras questões impossíveis com uma difícil mas notável combinação de humor e densidade especulativa, no melhor texto de um grande livro.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Uma boa proposta para aplicar aos pequenos acontecimentos da nossa vida pessoal.
Como teria sido se...

20/11/07 09:34  
Blogger sofia said...

faz-me lembrar que o saramago também fez esse exercício com lisboa. e eu gostei. e aquele filme sliding doors também é muito engraçado. também gostei. mas esses exercícios do what if parecem mais sérios. ou mais densos. nas nossas vidas pessoais é mais complicado. podemos cair num abismo... lol

20/11/07 12:38  
Blogger Edgar V. Novo said...

Já folheei a recente edição portuguesa do dito mas já não me recordo do título.

Eu, não sei se por limitação intelectual da minha pessoa, não gosto de "e se's". Nunca gostei: é talvez devido à tendencial infinitude de tal exercício.

Mas é engraçado que a "A história do cerco de Lisboa" foi a única obra que li até o final do Saramago. E até gostei.

Cumprimentos.

20/11/07 22:20  
Blogger nelio said...

fiquei com água na boca. existe edição portuguesa?

21/11/07 00:12  
Blogger José Gomes André said...

Caro anónimo, ora aí está um exercício curioso, mas sem dúvida angustiante. Imaginar vidas paralelas em que nós próprios somos simultaneamente os autores e os actores parece-me um exercício emocionalmente no limite...

Cara Sofia, é em tom sério, mas não é denso no sentido de ser maçudo. São pequenos artigos (12-15 págs), com uma introdução ao tema, uma descrição do que "realmente" aconteceu e o que poderia ter sido diferente. É um livro despretensioso, mas muito bom.

Obrigado pelo comentário, caro Ega. E seja bem-vindo novamente ao meio blogosférico (no "Metafísica..."), porque a ausência foi sentida.

Caro Nélio, o Ega falou de uma edição portuguesa, mas eu não sei da existência de uma. Mas caso leia em inglês, recomendo, porque a linguagem não é excessivamente técnica. E o livro está à venda na Amazon por meia dúzia de euros... Claro que há sempre a hipótese "Fnac" - importado. Nada mais nada menos que 33 euros!

21/11/07 01:07  
Blogger nelio said...

o google aponta para uma edição brasileira, deve ser essa a que o ega se referiu. sendo assim, melhor será a inglesa...

21/11/07 14:57  

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