Inflação de direitos no Ocidente
Brilhante excerto lido recentemente:
"No Ocidente temos assistido a uma quase absurda inflação na linguagem dos direitos. Isto não se deve apenas ao reconhecimento de direitos de segurança social (welfare rights), pois estes fazem parte da tradição desde o início. O problema é que hoje em dia, para além de um luxurioso leque de direitos inerentes a várias classes de humanos - direitos de minorias étnicas, direitos das mulheres, direitos das crianças, direitos de gays, lésbicas e bissexuais, direitos dos deficientes, direitos dos consumidores, direitos dos fumadores e dos não-fumadores, etc., quase infinitamente -, para além disto tudo encontramos também direitos dos animais, direitos das árvores, direitos de gerações nascituras. Estes vários direitos de reivindicação podem todos ser maneiras de advogar políticas sociais desejáveis; mas a multiplicação de inúmeros direitos particulares pode fazer erodir qualquer sentido de comunidade e de bem comum, valores que os primeiros teóricos dos direitos nunca perderam de vista."
In Brian Tierney, The Idea of Natural Rights, pp. 345-6.
"No Ocidente temos assistido a uma quase absurda inflação na linguagem dos direitos. Isto não se deve apenas ao reconhecimento de direitos de segurança social (welfare rights), pois estes fazem parte da tradição desde o início. O problema é que hoje em dia, para além de um luxurioso leque de direitos inerentes a várias classes de humanos - direitos de minorias étnicas, direitos das mulheres, direitos das crianças, direitos de gays, lésbicas e bissexuais, direitos dos deficientes, direitos dos consumidores, direitos dos fumadores e dos não-fumadores, etc., quase infinitamente -, para além disto tudo encontramos também direitos dos animais, direitos das árvores, direitos de gerações nascituras. Estes vários direitos de reivindicação podem todos ser maneiras de advogar políticas sociais desejáveis; mas a multiplicação de inúmeros direitos particulares pode fazer erodir qualquer sentido de comunidade e de bem comum, valores que os primeiros teóricos dos direitos nunca perderam de vista."
In Brian Tierney, The Idea of Natural Rights, pp. 345-6.
3 Comments:
A inflação de direitos é correlativa da crescente extensão do campo jurídico, que atingiu a quase totalidade do real. A própria infracção da lei é hoje quase sempre sustentada por argumentos de ordem jurídica (poder-se-á argumentar que sempre o foi, como bem notou T.Aquino). Os direitos particulares são a defesa possível justamente contra performatividade de uma noção (talvez já sempre) pervertida de "bem comum".
Desculpe, caro anónimo, mas só concordo até certo ponto. A tese da correlatividade direitos-deveres, que corre muito no mundo anglo-saxónico (por influência de Bentham), não é totalmente desprovida de sentido, mas tem algumas falhas.
Aquilo de que fala o excerto nem é de um crescimento proporcional dos pólos correlativos (aí estou de acordo consigo). É precisamente o oposto: o de que a sobrevalorização de um dos pólos tem levado a uma desvalorização do outro dos pólos, assim anulando o equilíbrio da correlatividade.
Dou um exemplo quotidiano: aqui há uns tempos, um vizinho meu que nunca compareceu a uma única reunião da assembleia de condóminos, que tinha quase dois anos de quotas em atraso (o condomínio tinha quase dois anos, ele NUNCA tinha pago), foi o primeiro e único condómino a bater à porta do administrador queixando-se de que a escada estava suja, "metia nojo" (nessa semana, a senhora da limpeza adoecera e não pudera comparecer), e exigia que fosse limpa de imediato.
Este meu vizinho traduz um pouco o que diz o texto: "eu tenho direito a exigir, respeite o meu direito." Mas a ânsia de olhar para os seus direitos faz esquecer um pouco os deveres face ao comum, ao público, ou simplesmente face aos direitos dos outros.
Tenho de concordar que muitos dos direitos que hoje se advogam não estariam, certamente, contemplados pelos primeiros teoricos. De qualquer forma vivemos uma realidade bem diferente. Com o crescente abuso de determinadas classes/raças/pessoas sobre outras ou, simplesmente, uma tomada de consciência desses abusos, penso que faz todo o sentido uma adaptação às necessidades reais. Não creio q esta individualização do direito vá deturpar o sentido original do direito estabelecido pelos primeiros teóricos, uma vez que são e serão sempre as directrizes fundamentais para um verdadeiro estado de direito.
Agora é claro, quanto aos chamados direitos dos animais ou das árvores, por muito que seja da nossa vontade defendê-los, o que não tem entidade juiridica, não tem direito. Não podemos confundir moral com lei.
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