"Porta Jovem": sete pecados mortais
[Aviso prévio: segue-se um post muito longo, demasiado longo. Infelizmente, certos disparates não se explicam em três linhas].
O Governo extinguiu recentemente o “Incentivo ao Arrendamento por Jovens”, criando no seu lugar uma aberração chamada “Porta Jovem 65”. O objectivo é apoiar jovens entre os 18 e os 30 que procuram começar uma vida independente, estimulando o mercado de arrendamento. Este plano de subsídios, que correspondeu a 60 milhões de euros em 2007, foi reduzido para 12 milhões (!), criando um conjunto de regras absurdas, que têm como objectivo evidente extinguir um conjunto de apoios que no passado ajudaram de forma decisiva 28 mil pessoas a combater um estado de precariedade generalizado no nosso país. Para poupar ao leitor um labirinto de portarias e decretos maçadores, enumero em seguida as sete disposições mais disparatadas do “Porta Jovem” – a nova lei que o Governo quis vender como um sistema “mais justo e mais adequado”.
1. O “Porta Jovem” cria um sistema de “rendas máximas admitidas”, consoante a região. As tabelas, criadas por tecnocratas que vegetam nos seus gabinetes, são ridículas, mostrando um desfasamento com a realidade que choca o mais incauto. Um T3 em Leiria não pode ultrapassar os 360 euros; um T1 no Porto ou em Coimbra não pode custar mais de 220 euros; e na Grande Lisboa um T1 não pode ultrapassar os 340 euros. Os valores na capital são particularmente grotescos: o máximo para um T3 é de 550 euros e de um T5 de 680 euros. É evidente que é mais provável eu ganhar o Nobel da Física do que alguém encontrar um T1 no Porto por 220 euros ou um T5 em Lisboa por 680 euros em condições de habitabilidade.
2. Estabelece em 40% a “taxa de esforço” máxima. Trocado por miúdos, isto significa que a renda da casa não pode ser superior a 40% dos rendimentos. Uma pessoa que receba 500 euros por mês e viva na Grande Lisboa, apenas pode beneficiar do subsídio se viver num T1 que custe 200 euros. E veja-se um outro exemplo que contraria todas as leis da lógica: imagine que um jovem licenciado acaba de conseguir o seu primeiro emprego por 700 euros e aluga um T1 em Lisboa por 340 euros (o que já só por si seria um milagre). A taxa de esforço é superior a 40%, por isso está impossibilitado de concorrer. Imagine agora que o mesmo jovem é aumentado, ficando a receber 900 euros. Parabéns, pode ser candidato! Isto faz todo o sentido: se tiver um melhor ordenado, tem mais hipóteses de ganhar um subsídio. Viva a “Esquerda Moderna”!
3. As novas regras definem um número máximo de pessoas que podem habitar um determinado apartamento. Mais uma vez, os critérios são surreais. Se duas pessoas habitarem um T3 (um casal sem filhos; dois irmãos que trabalham a partir de casa e necessitam de um escritório) estão automaticamente excluídos. Do mesmo modo, está barrada a entrada a um casal com um filho que habite num T4. Esta lei entende que estes são modos de vida burgueses...
4. Para a definição da classificação final, é requerido aos candidatos que apresentem os rendimentos dos pais. O objectivo da lei é permitir a emancipação dos jovens; logo, definem-se regras de apoio tendo em conta o ordenado dos pais. Mais uma vez, triunfa a lógica. E se os pais ganharem muito mas não contribuírem para o pagamento da renda? E se o filho tiver saído de casa em conflito com os pais e quiser começar uma nova vida separadamente? Como diz o outro, “pxiu”! Isso não interessa nada...
5. O novo concurso é omisso face à possibilidade de bolseiros de investigação científica concorrerem ao subsídio. Como já é hábito, os jovens investigadores deste país são chutados para um vazio legal. Na verdade, não passam de excelentes estatísticas para apresentar a Bruxelas; no que toca a condições de trabalho e de vida pessoal são simplesmente ostracizados (excluídos do regime de segurança social geral; impossibilitados de pedir empréstimos bancários; privados de qualquer subsídio de férias, natal ou outros; e agora também esquecidos no mercado do arrendamento).
6. A candidatura processa-se exclusivamente pela Internet (mais um daqueles delírios do “governo tecnológico”), segundo um formulário com campos de entrada restritos. Significa isto que os candidatos estão impossibilitados de esclarecerem qualquer tipo de situação anómala num anexo. Não tem todos os dados à mão? Não preencheu um campo obrigatório porque não sabe como encontrar os elementos – ou simplesmente porque a sua situação não se aplica às opções pré-definidas? Está excluído!
7. Porque se processa exclusivamente pela Internet, o processo exige uma senha fornecida pelo Ministério das Finanças (!), que será entregue pelo correio. Tempo de espera? Entre 5 dias úteis e a eternidade. Ora, a portaria que definiu esta regra foi aprovada dia 30 de Novembro; e as candidaturas terminam dia 20 de Dezembro. Entre o primeiro dia em que se podia pedir a senha (3 de Dezembro, 2ª feira) e o final das candidaturas existem 14 dias úteis. No período de Natal, e face à extraordinária competência dos correios, alguém consegue adivinhar quantas centenas de pessoas ficarão excluídas apenas porque não possuem uma estúpida senha que permite aceder à candidatura?
Existem outras pérolas, mas creio que estes sete elementos são já suficientes para percebermos o que está realmente em causa. Sob o pretexto de estabelecer regras mais justas para a atribuição de um subsídio, o Governo aproveitou a ocasião para pura e simplesmente acabar com o mesmo, limitando-o a duas ou três dezenas de famílias mais carenciadas. O mercado de arrendamento, especialmente nas grandes cidades, já estava morto. Esta nova lei limita-se a pôr mais uns quantos pregos no caixão.
O Governo extinguiu recentemente o “Incentivo ao Arrendamento por Jovens”, criando no seu lugar uma aberração chamada “Porta Jovem 65”. O objectivo é apoiar jovens entre os 18 e os 30 que procuram começar uma vida independente, estimulando o mercado de arrendamento. Este plano de subsídios, que correspondeu a 60 milhões de euros em 2007, foi reduzido para 12 milhões (!), criando um conjunto de regras absurdas, que têm como objectivo evidente extinguir um conjunto de apoios que no passado ajudaram de forma decisiva 28 mil pessoas a combater um estado de precariedade generalizado no nosso país. Para poupar ao leitor um labirinto de portarias e decretos maçadores, enumero em seguida as sete disposições mais disparatadas do “Porta Jovem” – a nova lei que o Governo quis vender como um sistema “mais justo e mais adequado”.
1. O “Porta Jovem” cria um sistema de “rendas máximas admitidas”, consoante a região. As tabelas, criadas por tecnocratas que vegetam nos seus gabinetes, são ridículas, mostrando um desfasamento com a realidade que choca o mais incauto. Um T3 em Leiria não pode ultrapassar os 360 euros; um T1 no Porto ou em Coimbra não pode custar mais de 220 euros; e na Grande Lisboa um T1 não pode ultrapassar os 340 euros. Os valores na capital são particularmente grotescos: o máximo para um T3 é de 550 euros e de um T5 de 680 euros. É evidente que é mais provável eu ganhar o Nobel da Física do que alguém encontrar um T1 no Porto por 220 euros ou um T5 em Lisboa por 680 euros em condições de habitabilidade.
2. Estabelece em 40% a “taxa de esforço” máxima. Trocado por miúdos, isto significa que a renda da casa não pode ser superior a 40% dos rendimentos. Uma pessoa que receba 500 euros por mês e viva na Grande Lisboa, apenas pode beneficiar do subsídio se viver num T1 que custe 200 euros. E veja-se um outro exemplo que contraria todas as leis da lógica: imagine que um jovem licenciado acaba de conseguir o seu primeiro emprego por 700 euros e aluga um T1 em Lisboa por 340 euros (o que já só por si seria um milagre). A taxa de esforço é superior a 40%, por isso está impossibilitado de concorrer. Imagine agora que o mesmo jovem é aumentado, ficando a receber 900 euros. Parabéns, pode ser candidato! Isto faz todo o sentido: se tiver um melhor ordenado, tem mais hipóteses de ganhar um subsídio. Viva a “Esquerda Moderna”!
3. As novas regras definem um número máximo de pessoas que podem habitar um determinado apartamento. Mais uma vez, os critérios são surreais. Se duas pessoas habitarem um T3 (um casal sem filhos; dois irmãos que trabalham a partir de casa e necessitam de um escritório) estão automaticamente excluídos. Do mesmo modo, está barrada a entrada a um casal com um filho que habite num T4. Esta lei entende que estes são modos de vida burgueses...
4. Para a definição da classificação final, é requerido aos candidatos que apresentem os rendimentos dos pais. O objectivo da lei é permitir a emancipação dos jovens; logo, definem-se regras de apoio tendo em conta o ordenado dos pais. Mais uma vez, triunfa a lógica. E se os pais ganharem muito mas não contribuírem para o pagamento da renda? E se o filho tiver saído de casa em conflito com os pais e quiser começar uma nova vida separadamente? Como diz o outro, “pxiu”! Isso não interessa nada...
5. O novo concurso é omisso face à possibilidade de bolseiros de investigação científica concorrerem ao subsídio. Como já é hábito, os jovens investigadores deste país são chutados para um vazio legal. Na verdade, não passam de excelentes estatísticas para apresentar a Bruxelas; no que toca a condições de trabalho e de vida pessoal são simplesmente ostracizados (excluídos do regime de segurança social geral; impossibilitados de pedir empréstimos bancários; privados de qualquer subsídio de férias, natal ou outros; e agora também esquecidos no mercado do arrendamento).
6. A candidatura processa-se exclusivamente pela Internet (mais um daqueles delírios do “governo tecnológico”), segundo um formulário com campos de entrada restritos. Significa isto que os candidatos estão impossibilitados de esclarecerem qualquer tipo de situação anómala num anexo. Não tem todos os dados à mão? Não preencheu um campo obrigatório porque não sabe como encontrar os elementos – ou simplesmente porque a sua situação não se aplica às opções pré-definidas? Está excluído!
7. Porque se processa exclusivamente pela Internet, o processo exige uma senha fornecida pelo Ministério das Finanças (!), que será entregue pelo correio. Tempo de espera? Entre 5 dias úteis e a eternidade. Ora, a portaria que definiu esta regra foi aprovada dia 30 de Novembro; e as candidaturas terminam dia 20 de Dezembro. Entre o primeiro dia em que se podia pedir a senha (3 de Dezembro, 2ª feira) e o final das candidaturas existem 14 dias úteis. No período de Natal, e face à extraordinária competência dos correios, alguém consegue adivinhar quantas centenas de pessoas ficarão excluídas apenas porque não possuem uma estúpida senha que permite aceder à candidatura?
Existem outras pérolas, mas creio que estes sete elementos são já suficientes para percebermos o que está realmente em causa. Sob o pretexto de estabelecer regras mais justas para a atribuição de um subsídio, o Governo aproveitou a ocasião para pura e simplesmente acabar com o mesmo, limitando-o a duas ou três dezenas de famílias mais carenciadas. O mercado de arrendamento, especialmente nas grandes cidades, já estava morto. Esta nova lei limita-se a pôr mais uns quantos pregos no caixão.
14 Comments:
Essa de apresentar os rendimentos dos pais está o máximo, a cereja no topo do bolo.
"Ai queres emancipar-te dos paizinhos?: então vai lá depender de que eles te dêem as suas declarações de rendimentos..."
Grande máxima: emancipa-te dependendo.
Parabéns pelo post.
Amanhã,quinta-feira vão haver manifestações de jovens em todo o país! Participem!
para saber mais,consultem o blog www.porta65.blogspot.com
Todos juntos poderemos mudar o Porta 65!
Juro-te que tudo isto só me faz lembrar o «Homem Sem Qualidades» do Musil: duas doses de retórica bem pensante e devidamente polida para encobrir a vontade de não fazer coisa nenhuma... Haja paciência para estes senhores...
Apresentar os rendimentos dos paizinhos devia ser aplicado era aos políticos quando se apresentam a receber o "subsidio de reintegração".
Esta nova lei teve um único objectivo: pagar a quem a concebeu e à empresa (é uma empresa, eu sei) que se encarregou da chamada plataforma tecnológica.
Obrigado pelos comentários, e obrigado caro Zeca.
isto está a bater no fundo!
um autêntico desrespeito para com esta geração!
estamos a ser testados:
esticam a corda da nossa apatia, das boas intenções dos nossos pais...
estamos unidos pela net e não vamos parar.
algo tem de ser feito!
Petição à Assembleia da República: prazo alargado!
O FERVE - Fartos/as d'Estes Recibos Verdes promove um abaixo-assinado, para apresentação à Assembleia da República.
Apelamos a todos/as quantos/as se identifiquem com esta causa para que assinem esta petição!
http://fartosdestesrecibosverdes.blogspot.com/
Notícias de última hora àcerca da porta jovem: O prazo de apresentação de candidaturas foi alargado para 28 do presente mês.
Hoje de manhã na rádio entrevistaram uma jovem que afirma ter feito uma proposta à sua senhoria ( que aceitou!!!) que façam dois recibos no mesmo mês: um com o preço real do arrendamento e outro com a quantia que lhe permite a candidatura à tal porta.
O mundo está perigoso...
As rendas não vão baixar. Era mais que previsível que o recurso a recibos onde não consta o valor real é um expediente que se vai generalizar. Até porque duvido que as rendas baixem.
encontrei este blog durante as minhas pesquisas...
precisava de uma ajuda!
Preenchi a folha de calculo do excel que possuem neste blog segundo esta posso candidatar-me ao porta 65, mas na realidade nao consigo me inscrever. Diz q é incompativel com a taxa de esforço max. admitida :S
Vou deixar alguns dados, pode ser q assim consigam me ajudar.
casal,
um recebe 406 euros e outro 658 euros
RMA é de 300 euros a real é de 280euros.
obrigada desde já
correção a folha de calculo do excel nao foi deste blog e sim de um outro..
mas se me puderem ajudar a mesma agradecia
Peço desculpa por só responder agora, mas não me tinha dado conta de que tinha escrito o comentário. Não consigo compreender o motivo para o erro, a sua taxa de esforço anda à volta de 25%, inferior pois à taxa de esforço máximo (40%). Será que introduziu os dados de forma independente e o programa não aceitou o número como sendo "rendimento TOTAL"?
Lamento se não o(a) consegui ajudar.
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