Um francês na América
Bernard-Henry Lévy, autor que tem tanto de filósofo como de aventureiro, retomou as pegadas de Tocqueville e fez-se à estrada, percorrendo os Estados Unidos de lés a lés durante um ano. Contactou com toda a complexidade cultural, social, geográfica, política e religiosa que caracteriza a América, tendo resultado dessa viagem espiritual um notável relato publicado com o título American Vertigo (“Vertigem Americana”, trad. port. editada pela Caderno/Asa).
Recorrendo a uma ironia mordaz, Lévy adopta uma posição crítica sem contudo cair nos habituais maniqueísmos e nas generalizações fáceis. Há espaço para elogios, mas também para uma interrogação relativamente aos paradoxos da sociedade americana, numa descrição penetrante que ao longo de 300 páginas não esquece nenhum dos temas fundamentais do “mundo americano”: a importância da religião, a organização das comunidades, a estrutura política, os sistemas prisionais, a pena de morte, as lutas partidárias, a vida nas universidades, a paranóia securitária, a diversidade étnica, a paixão pelos desportos invulgares.
No entretanto, Lévy entrevista professores, dialoga com guardas prisionais, conversa com políticos famosos e convive com vários cidadãos comuns, nunca hesitando em narrar episódios bizarros – daqueles que a América profunda inevitavelmente proporciona. Para aguçar o apetite, cito dois excertos.
O primeiro refere-se à visita de Las Vegas e em particular a um bordel, onde Lévy fica espantado com a organização metódica e institucional que envolve este espaço de transgressão – uma espécie de contradição nos termos: “na moldura do tecto existe uma câmara que está ali para se assegurar de que não haverá nenhuma violência e de que a prostituta, qualquer que seja o capricho do cliente, continuará a ser tratada como uma sex worker, devidamente sindicalizada (...) – o bordel é um lugar politicamente correcto.”
“E depois os preços e o catálogo de serviços (...). Havia, de facto, no salão, uma caixa multibanco e panfletos publicitários a avisar que são aceites os pagamentos por cartão de crédito; volto a pensar nos cartões de visita com endereços postais e Internet, planta de acesso, serviços de limusina 24 horas por dia, que estavam perto da caixa de drageias; volto a ver, à esquerda da barreira de entrada e de alguns degraus, a rampa preparada para a passagem de deficientes; bordel ou não bordel, business is business.”
O segundo refere-se ao encontro de Lévy com Barack Obama e as suas considerações sobre um político que na altura surgira na ribalta por via de um extraordinário discurso na Convenção Democrata. A dois anos de distância, e quando este era pouco mais que um desconhecido, dizia já Lévy de Obama: “Barack Obama... Será necessário recordar este nome. [...] Observo os seus gestos de vadio magnífico cruzado de King of America. Torno a pensar no artigo em que li que Barack, em swahili, quer dizer «bendito». E sinto que alguma coisa, o que quer que ele diga, se joga nessa distância assumida em relação a todas as comunidades.”
“O primeiro negro que compreendeu que já não era necessário apostar na culpabilidade mas na sedução? O primeiro a querer ser, não a censura da América, mas a sua promessa? A passagem do black em guerra para o black que tranquiliza e une? Um futuro presidente mestiço? Um bilhete de viagem, um dia, com Hillary? Ou o princípio do fim das religiões identitárias?”
Recorrendo a uma ironia mordaz, Lévy adopta uma posição crítica sem contudo cair nos habituais maniqueísmos e nas generalizações fáceis. Há espaço para elogios, mas também para uma interrogação relativamente aos paradoxos da sociedade americana, numa descrição penetrante que ao longo de 300 páginas não esquece nenhum dos temas fundamentais do “mundo americano”: a importância da religião, a organização das comunidades, a estrutura política, os sistemas prisionais, a pena de morte, as lutas partidárias, a vida nas universidades, a paranóia securitária, a diversidade étnica, a paixão pelos desportos invulgares.
No entretanto, Lévy entrevista professores, dialoga com guardas prisionais, conversa com políticos famosos e convive com vários cidadãos comuns, nunca hesitando em narrar episódios bizarros – daqueles que a América profunda inevitavelmente proporciona. Para aguçar o apetite, cito dois excertos.
O primeiro refere-se à visita de Las Vegas e em particular a um bordel, onde Lévy fica espantado com a organização metódica e institucional que envolve este espaço de transgressão – uma espécie de contradição nos termos: “na moldura do tecto existe uma câmara que está ali para se assegurar de que não haverá nenhuma violência e de que a prostituta, qualquer que seja o capricho do cliente, continuará a ser tratada como uma sex worker, devidamente sindicalizada (...) – o bordel é um lugar politicamente correcto.”
“E depois os preços e o catálogo de serviços (...). Havia, de facto, no salão, uma caixa multibanco e panfletos publicitários a avisar que são aceites os pagamentos por cartão de crédito; volto a pensar nos cartões de visita com endereços postais e Internet, planta de acesso, serviços de limusina 24 horas por dia, que estavam perto da caixa de drageias; volto a ver, à esquerda da barreira de entrada e de alguns degraus, a rampa preparada para a passagem de deficientes; bordel ou não bordel, business is business.”
O segundo refere-se ao encontro de Lévy com Barack Obama e as suas considerações sobre um político que na altura surgira na ribalta por via de um extraordinário discurso na Convenção Democrata. A dois anos de distância, e quando este era pouco mais que um desconhecido, dizia já Lévy de Obama: “Barack Obama... Será necessário recordar este nome. [...] Observo os seus gestos de vadio magnífico cruzado de King of America. Torno a pensar no artigo em que li que Barack, em swahili, quer dizer «bendito». E sinto que alguma coisa, o que quer que ele diga, se joga nessa distância assumida em relação a todas as comunidades.”
“O primeiro negro que compreendeu que já não era necessário apostar na culpabilidade mas na sedução? O primeiro a querer ser, não a censura da América, mas a sua promessa? A passagem do black em guerra para o black que tranquiliza e une? Um futuro presidente mestiço? Um bilhete de viagem, um dia, com Hillary? Ou o princípio do fim das religiões identitárias?”
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home