As cheias (I): José Gil e a não inscrição lusa
O português ama de maneira tal os seus rituais que até as suas fugas à rotina têm de cumprir a constância de um ritual. As cheias invernais e os incêndios veranais constituem prova disso.
Muito me tenho lembrado por este dias então do textozinho simpático de José Gil sobre a amorfia temerosa desta erva daninha no jardim de beira-mar da Europa, à qual chamamos Portugal. Nesse texto, José Gil menciona um "princípio de inscrição" na sua vertente lusa de "princípio de não inscrição": nada em Portugal se inscreve, se cunha nas tábuas da memória de uma existência em colectivo.
Começo a crer contudo que a não inscrição em Portugal é apenas a modalidade específica que toma a inscrição de si do português: a não inscrição é coisa celebrável e não criticável, é uma rotineira fuga à rotina, e como tal divertida marca da uniformidade de um povo.
Talvez por isso é que todo um país se comove e gira em torno de algo que vemos todos os anos, vezes sem conta, sempre com o olhar da criança que vê todas as coisas pela primeira vez. Não limpar sarjetas afinal é em simultâneo a não inscrição na memória das cheias passadas e a inscrição na existência de si da expectativa da emoção com as cheias futuras...
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