sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O fenómeno Obama

Por sugestão do Pedro Magalhães, assisti a uma comunicação de Michael Werz no ICS, um especialista em política pública, que discursou sobre as eleições americanas. O momento alto da conferência foi a sua digressão em torno de Barack Obama. Werz sublinhou o carácter sobrenatural da sua candidatura, que se alicerça em dois domínios.

Por um lado, no magnetismo dos seus discursos (inspirados de uma dimensão religiosa), capazes de entusiasmar enormes plateias, eventualmente pouco versadas em questões políticas mas que se vêem hipnotizadas pelo carisma do candidato. Werz deu o exemplo de pessoas que não conseguem recordar uma única frase de um discurso, mas que confessam terem ficado marcadas por ele durante vários dias.

Por outro lado, a história pessoal de Obama reforça o carácter messiânico dos seus discursos. Em situações normais, a sua falta de experiência e juventude seria um ponto fraco da sua candidatura, mas, nestas circunstâncias, apenas parecem reforçar o seu apelo de mudança, como se ele próprio encarnasse a mensagem de esperança que apregoa.

Afinal, ele é o candidato impossível – um negro nascido no Hawai, abandonado pelo pai, educado pelos avós, sem antepassados famosos, sem ligações directas ao poder, sem uma experiência de guerra, sem uma história política relevante. Obama é de facto a incarnação do “sonho americano”.

Obama tornou-se assim um símbolo para todos aqueles que a sociedade moderna tornou amorfos e descrentes. O cidadão comum olhou para Obama e, de algum modo, viu nele reflectido a pouca esperança que ainda lhe restava, e logo se prestou a acreditar em Obama como uma última oportunidade para cumprir as suas expectativas desfeitas. Nisto reside a sua maior força, mas também a sua maior fraqueza, sublinhou Werz.

Pois Obama foi colocado num patamar divino, num lugar onde nenhum ser humano pode concretizar os sonhos políticos da realidade mundana. As expectativas são colossais e Obama, por mais empolgante que sejam os seus discursos, nunca poderá estar à altura. Este facto torna-se ainda mais preocupante quando vemos Obama – talvez para protecção própria – a evitar uma discussão objectiva das questões políticas, refugiando-se em declarações ambíguas. Mas como pode, afinal, um candidato sobrenatural falar deste nosso mundo imperfeito e complexo?

Este é o grande dilema de Obama (e Werz não deixou de insistir que esse deve ser também o nosso maior receio): se descer à Terra e se apresentar como um candidato humano, com um determinado programa político, põe em risco os contornos messiânicos da sua candidatura e pode perder a Casa Branca. Mas se não o fizer, pode sentir na pele o mesmo que o outro Messias, o Cristo, sentiu: a inabilidade para responder, neste mundo, às expectativas que toda uma comunidade colocou sobre os seus ombros. E não será um espectáculo bonito, a crucificação política de Obama neste nosso tempo.

5 Comments:

Blogger joshua said...

José, foi bom dar com o vosso blogue. Cada vez constato mais uma grande sintonia de liberdade e de observações na grande bloga nacional.

Abraço

PALAVROSSAVRVS REX

15/2/08 03:58  
Anonymous Anónimo said...

É emocionante ter acesso a uma reflexão tão profunda e honesta.Vamos seguir o processocom emoção...

15/2/08 12:31  
Anonymous Anónimo said...

Obama não tem história política relevante? Mas, que diabo, ele é senador! Isto não conta?

15/2/08 14:59  
Blogger José Gomes André said...

Um abraço, Joshua!

Caro all-facinha, Obama tem muitas virtudes, mas a história política relevante não é seguramente uma delas. Obama esteve dois anos no Senado federal - 1/3 de um mandato.

O inexperiente Kennedy tinha 12 anos de Congresso (6 na Câmara dos Representantes, 6 no Senado) quando chegou à Casa Branca. McCain é senador há vinte anos. Até Hillary tem o triplo da experiência no Senado (6 anos). Se eleito Presidente, Obama será o mais inexperiente político dos últimos 50 anos a ocupar o cargo (desde Eisenhower, portanto).

Cumprimentos!

16/2/08 03:06  
Blogger nelio said...

embora a análise tenha o seu fundo de verdade, algo me diz que o rapaz não é assim tão messiânico. e que terá as suas cartas na manga. como se diz no comentário anterior, ele não é propriamente um recém-chegado ao mundo da política.

16/2/08 03:10  

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