Por que gosto d' A paixão do Cristo
Pareço ser a única pessoa de todas aquelas poucas que conheço a gostar imenso deste filme. A desnecessidade da violência empregada e o facto de contar uma história que toda a gente já sabe constituem comummente os critérios apontados pelo bom-gosto para a sua rejeição.
Da minha perspectiva, nem interessam muito para discussão a fotografia excepcional do filme, a espantosa direcção artística, a excelente interpretação de Jim Caviezel, a óptima banda sonora, a apreciável maquilhagem, a extraordinária coragem do realizador no emprego de línguas mortas.
Há várias maneiras de interpretar o filme: enquanto retratando a narrativa bíblica da condenação e morte do Cristo, caso em que é um filme religioso; enquanto retratando a narrativa cristã de como a morte do homem Jesus levou à sua consideração religiosa de Cristo, caso em que é um filme quasi-documental; enquanto retratando simplesmente a narrativa de um sujeito qualquer torturado até à morte, caso em que é um filme gore; etc..
Gosto de estender a minha interpretação para lá disto. A violência acaba por ser importante, porque é ela que me diz que o que está ali em narração não é apenas a história do Cristo, mas uma história de tortura e morte por condenação injusta (o filme começa no Jardim das Oliveiras, termina com a ressurreição, e nunca chegamos bem a perceber o porquê de tudo aquilo). O filme pode ser visto pelo olhar do cristão, ou daquele que pretende olhar para o olhar do cristão, mas também pode ser visto pelo olhar daquele que vê naquele homem o símbolo do condenado injustamente.
Entendo o filme como um hino aos milhões que ao longo da história foram torturados e mortos por razões injustas e estapafúrdias, a maioria sem inscrição na memória da sua existência e dos seus padecimentos. E a cena final, que um cristão vê como a ressurreição do Cristo, vejo-a como que o grito dirigido a esses milhões: não sabemos o vosso nome, quem foram nem por que padeceram, mas reconhecemos hoje em vós o valor da vida e da dignidade que vos foram tiradas: a valorização da justiça e a presentificação em eminência da vida é a homenagem pela qual vos fazemos ressuscitar.
É sobretudo na extrema violência daquele Cristo do filme que o consigo ver mais como Filho do Homem...
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