sexta-feira, julho 25, 2008

Obama em Berlim


1. Num discurso complexo, notável a referência a uma dinâmica absolutamente fundamental para o futuro das relações internacionais: o regresso ao multilateralismo e à cooperação. Os Estados Unidos não podem interpretar a sua posição de domínio no panorama mundial como um mandato para exercerem acções militares ilegítimas, baseadas em interesses puramente estratégicos. Por outro lado, ao insistir na ideia de um diálogo com a Europa, Obama sublinha a importância de os próprios europeus se envolverem na resolução dos grandes problemas mundiais - em vez de persistirem numa lógica de desresponsabilização que grassa no Velho Continente.

2. "Nunca vires as costas a um urso", reza um provérbio político americano. Inspirando-se neste preceito, Obama parece insistir igualmente na urgência em retomar as conversações com adversários clássicos das democracias ocidentais e dos Estados Unidos em particular. Este género de relações não tem que ser necessariamente amistoso, nem levar a uma política de apaziguamento; mas denota uma clara percepção de que será mais fácil resolver os conflitos e procurar soluções mutuamente satisfatórias se incluirmos os nossos adversários na mesa de negociações, em vez de os ameaçar com bombas e mísseis.

3. Não faltarão observadores que descrevam as posições de Obama como "ingénuas". Mas nesse caso, pergunto: quem é mais "realista"? Os ideólogos neo-conservadores, para quem o mundo se divide entre os bons e os maus, e para quem a democracia é um produto de acção instantânea? Ou aqueles que olham para o mundo islâmico como uma realidade multifacetada; que interpretam os movimentos políticos como processos dinâmicos e singulares, e que consideram que o triunfo da liberdade exige conquistas sociais e culturais para além de simples "mudanças de regime"?

4. Bem sei que quando Obama se auto-intitulou "cidadão do mundo" evocava directamente o discurso de Kennedy em 1963, e um outro de Reagan nas Nações Unidas. Mas quando o eleitorado norte-americano levanta dúvidas sobre o seu patriotismo, teria sido prudente evitar uma referência deste género. Não chegou a ser uma gaffe, mas nos próximos dias vai falar-se e muito desta afirmação - mesmo que para os europeus ela seja pouco mais que banal.