quinta-feira, outubro 30, 2008

Indignação (I) - política

Há coisa de duas semanas, José Gil, acutilante como sempre, alertava na revista Visão para o facto de este governo conseguir pela sua indiferença uma não inscrição das discordâncias políticas dos cidadãos. As pessoas descontentam-se, manifestam-se, o governo não liga pevide, o ânimo dos manifestantes esmorece, as pessoas desistem. É a inactivação da actividade, o ausentar de performatividade de qualquer opinião política dos cidadãos, um esvaziar da voz individual. No fundo, é uma forma tácita de exercer tirania dentro da ilusão de democracia.

Spinoza alertava no Tratado Político para a potência constituinte em política de um afecto humano específico: a indignação. É a capacidade de as multidões que sustentam os poderes públicos se indignarem que coloca verdadeiramente os governos em xeque: a indignação é a versão passional do equilíbrio de poderes, estendendo-se para lá do formalismo abstracto de uma mera constituição escrita. Enquanto os governantes temem a indignação dos cidadãos, não governarão contra os seus interesses. Um governante que consiga adormecer a indignação das multidões, não eliminando o que a motiva, mas conseguindo torná-la inconsequente nos seus meios de exercício da política, é afinal alguém que ressalta no poder de uma sociedade que já não é democrática e ainda não o sabe.