quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A importância de um nome

Durante anos, a Primeira Guerra Mundial foi conhecida como a Grande Guerra. A dimensão global do conflito, a utilização de poderosos dispositivos bélicos, os terríveis bombardeamentos aéreos, a abertura de trincheiras e o uso de gases mortíferos transformaram aquela disputa numa guerra que o mundo nunca conhecera. Vinte anos depois, chegaria um horror ainda maior, de proporções inimagináveis. Era a Segunda Guerra Mundial, e com ela a anterior deixou de ser a Grande para se tornar somente na Primeira. Contudo, para aqueles que nele combateram, o conflito que se travou entre 1914 e 1918 continuou a ser a Grande Guerra – denominação adoptada por uma geração de historiadores e perpetuada por muitos avôs de todos nós.

As guerras sempre tiveram muitos nomes. A Guerra dos Sete Anos, termo anódino para os europeus, ideal para designar um conflito distante do século XVIII, é grafado French and Indian War na historiografia americana – conferindo um rosto a uma guerra que, na verdade, haveria de abrir as portas, alguns anos mais tarde, à independência das treze colónias.

A própria Guerra da Secessão, o evento mais marcante na consciência histórica americana, recebeu duas denominações. Para os habitantes do Leste e do Norte, ela foi a Guerra Civil, na qual pais e filhos derramaram sangue em barricadas opostas. Todavia, para os sulistas, tratou-se antes da Guerra dos Estados, travada pelas nações soberanas do Sul contra a opressão dos Estados do Norte. Para o Sul, lutou-se pelo reconhecimento da independência de facto da Confederação. Para o Norte, tudo não passou de uma rebelião dos irmãos sulistas.

Hoje disputam-se outras batalhas. Mas também nestas se luta por um nome. Os partidários do “sim” envolvem-se num complexo e demorado exercício linguístico para defender a “despenalização da interrupção voluntária da gravidez”. Entretêm-se nos termos, alongam-nos esperando que se diluam lentamente e se distanciem da audiência. Os defensores do “não”, ao invés, declaram-se bruscamente contra o “aborto”, conceito que arremessam aos incautos ouvintes, acentuando ferozmente as seis letras que o compõem. A mesma palavra, que os outros persistem em exprimir em trinta e uma demoradas letras.

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