quinta-feira, março 15, 2007

O brilho da Polónia

Políptico do Convento de Clarissas de Wrocław, 1350-1360
Até meados de Junho, estarão em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga várias dezenas de pinturas e esculturas dos sécs. XII a XVI, provenientes do Museu Nacional de Varsóvia. Do itinerário proposto desponta uma dupla dinâmica, que perpassa as obras expostas: a predilecção pelo ouro e o fascínio pelo corpo.

A primeira é característica das pinturas, nas quais assoma um (impossível) gosto barroco, patente na utilização dos dourados que procuram conferir uma grandiosidade à atmosfera que rodeia as cenas retratadas (na sua esmagadora maioria de índole religiosa). É curioso verificar que, embora partam de uma tradição relativamente antiga (utilizando os dourados de acordo com as técnicas bizantinas), os artistas polacos medievais e proto-renascentistas conferem uma notável dimensão moderna às suas criações, empregando essas técnicas para relevar aspectos tipicamente caros à pintura do Renascimento tardio (a atenção aos pormenores – trajes, feições, posturas – e um peculiar cuidado com a descrição da anatomia humana).

O fascínio pelo corpo – já patente em boa parte das pinturas – emerge na sua plenitude nas esculturas expostas, espantosas sagrações da carne. Contrariamente a grande parte da tradição ocidental (França, Itália, Península Ibérica), a descrição das cenas bíblicas opta por um grande realismo material (se o pleonasmo é possível), onde o sofrimento é ilustrado sem reservas – os corpos contorcidos, o sangue jorrando das feridas, as faces contraídas pela dor. Nas esculturas medievais polacas, Cristo sofre – e sofre pela angústia da morte, mas também pela agonia que os pregos, a cruz e a coroa de espinhos lhe infligem. Não há lugar para falsas serenidades e cenários idílicos.

Infelizmente, não há bela sem senão. A necessidade de deslocar dois funcionários do MNAA para a exposição não foi corrigida, pelo que as secções de Ourivesaria (onde se encontra a mais importante obra portuguesa do género, a Custódia de Belém, de Gil Vicente), do Mobiliário e a própria Capela das Albertas foram fechados ao público. Leram bem: um piso inteiro vai estar encerrado durante três meses e meio porque o Ministério da Cultura e/ou o MNAA não podem/não querem contratar dois funcionários temporariamente, para assegurar o pleno funcionamento da instituição. Bem-vindos a Portugal.

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Às vezes, até dá para sentir saudades dos governos anteriores ao que temos.

Não por terem sido bons: foram maus.

Simplesmente, nessa altura, um caso destes (assim como o que se passa noutros museus) era uma enorme trapalhada e hoje fica tudo pianinho...

15/3/07 16:43  

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