segunda-feira, outubro 22, 2007

Mais Europa (II)

O Luís Naves tem toda a razão: há muita poeira em redor do Tratado Reformador, que condiciona a discussão do que está em causa. De um modo geral as análises centraram-se no acessório e evitaram debater o Tratado propriamente dito. Em muitos casos, isso deve-se a uma atmosfera de enfado e menosprezo pelo projecto europeu. Alguns comentadores zombaram do Tratado devido a um oposicionismo militante, que transformou o bota-abaixo numa filosofia de vida. Outros recorreram à crítica por questões de circunstância política: não serão a favor nem contra o Tratado, mas procuraram evitar que Sócrates saísse triunfante deste episódio – fazer troça do Tratado, da Cimeira de Lisboa e da União Europeia pareceu-lhes a melhor forma de lidar com os acontecimentos.

Note-se, por exemplo, que um dos temas mais discutidos por toda a blogosfera e pela imprensa foi a (já célebre) tirada de Sócrates “porreiro, pá!” (dita em off a Durão Barroso). Não me agrada o estilo de Sócrates e já escrevi várias vezes contra o primeiro-ministro, mas desta vez pergunto: o que é que essa frase tem de mal? Onde reside a surpresa? Na manifestação de contentamento? Preferiam um “que chatice, pá!”? O problema é a linguagem utilizada? Mas o que esperavam? Uma intervenção do género: “Excelentíssimo senhor doutor José Manuel Barroso, quero congratulá-lo pelo feito alcançado”? Em off? Eis um fait-divers puro.

Outra questão muito debatida é o facto de Sócrates procurar tirar dividendos políticos do êxito alcançado. Mais uma vez questiono: e o que tem isso de errado? Aposto que se Sócrates tivesse sido mal sucedido, os mesmos comentadores que reprovam o seu comportamento teriam surgido a condenar o primeiro-ministro e a culpá-lo pelo fracasso. Recuso-me a incorrer nessa hipocrisia. Sócrates tinha um desafio difícil pela frente, e, juntamente com a diplomacia dos restantes Estados, conseguiu obter um compromisso positivo num tempo reduzido. Tem toda a legitimidade para sublinhar o seu êxito e – como político – a procurar retirar proveito do mesmo. Quando isso acontece dentro dos limites do razoável (como foi o caso), só há razões para se aplaudir. Mesmo que se goste pouco da sua governação ou da sua personalidade.

Não quero com isto dizer que considerava positivo entrarmos num clima de entusiasmo cego e acrítico. Pelo contrário: desejaria que existisse um debate político, plural e ponderado. Mas centrado no Tratado e na Cimeira de Lisboa, e não nestes fait-divers irrelevantes. Admito que existam objecções ao Tratado (o meu amigo André referiu algumas num post anterior), como também entendo que tem os seus méritos. Seria desejável que, por uma vez, deixássemos os preconceitos de lado e discutíssemos de forma racional e sustentada este tema, que constitui sem dúvida um desafio fundamental para o futuro de Portugal e da Europa.

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