segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Ficar em casa

Como é habitual, o elemento eleitoral mais incompreendido pelos comentadores foi o da abstenção. Nos últimos anos, à medida que se acentuou o decréscimo da percentagem de votantes (especialmente visível em referendos e eleições para o Parlamento europeu), vingaram essencialmente três teses: a) a desculpa climatérica (de variantes infinitas: frio, calor, vento, chuva, nuvens escuras, geada matinal, sol encoberto, etc.); b) a auto-crítica (os políticos não souberam passar a mensagem, a comunicação social não fez uma boa cobertura da campanha, etc.); c) a censura moral (o povo está-se nas tintas, não quer saber da política, desinteressou-se pela coisa pública, troca os centros comerciais pelo dever de votar).

São teorias válidas, mas que apenas explicam parcialmente os resultados. Na verdade, creio que a abstenção elevada pode ser justificada por três outras razões bem mais decisivas.

1. Os cadernos eleitorais estão repletos de imprecisões, existindo um grande número de cidadãos que já faleceram ou que entretanto mudaram de residência, mas continuam registados nas antigas freguesias. Dados mais ou menos oficiais estimam que existem entre 300 a 400 mil eleitores-fantasma. Mesmo que todos fôssemos votar, haveria sempre pelo menos 5% de abstencionistas.

2. A lei actual está completamente desfasada da realidade social portuguesa. A regra que obriga uma pessoa a votar na freguesia em que está registada é obtusa e contrária a uma sociedade moderna, na qual esse sedentarismo individual escasseia. Na verdade, quantos são os cidadãos que, por diversos motivos (profissionais, pessoais, etc.), se encontram numa região afastada do local onde estão registados? E quantos destes indivíduos estariam dispostos a votar, desde que para isso fosse possível fazê-lo nos locais de voto mais próximos? Num mundo informatizado, e num país que proclama adoptar o “choque tecnológico”, nada mais fácil.

3. Por fim, importa clarificar que a abstenção nem sempre configura um desinteresse. Ao invés, ela é muitas vezes fruto de uma decisão consciente e ponderada, traduzindo uma tomada de posição. Perante a pouca expressão dos votos brancos (usualmente nem sequer figuram nos gráficos televisivos), são muitos os eleitores que, por vários motivos (desagrado em relação aos candidatos, reprovação da pergunta em questão – no caso de um referendo, descontentamento com o sistema político, não-identificação com as propostas partidárias, etc.), decidem abster-se do seu direito de votar (escrevi direito e não dever, porque é disso que se trata). Compreendendo este dado, e procurando respeitar os muitos milhares de cidadãos que adoptam esta figura da abstenção, talvez fosse bom evitar a já tradicional e precipitada condenação moral dos abstencionistas.

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1 Comments:

Blogger Ângulo Saxofónico said...

Concordo com as tuas duas primeiras observações: a segunda é, parece-me, a mais pertinente. Não concordo tanto com a última, até porque já expressei várias vezes o meu desagrado através do voto nulo, que considero ser o mecanismo para o fazer. Quem não vai às urnas, tendo todas as possibilidades de o fazer, é por puro desinteresse e/ou preguiça (o que vai dar no mesmo), e são variados os casos que conheço. De resto, ao que parece mais de metade dos estudantes universitários nem sequer são recenseados. Esta realidade deveria ser motivo de reflexão, auto-crítica e não moralizante, mas nunca nos termos de um desagrado ou desinteresse "activo", tal como a colocaste, sob pena de não se perceber patavina. Atenção: NÃO defendo o voto obrigatório, que está em vigor em muitos países da Europa - creio que a decisão de participar ou não da vida pública pertence ao foro pessoal de cada um (tal como a decisão de abortar ou não). Grande abraço.

12/2/07 15:14  

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