Os americanos (II)
Os americanos são estúpidos. Eis uma crença bem difundida entre os europeus – provavelmente para esconder a sua própria estultícia e provincianismo. Actualmente circula no YouTube um vídeo onde se procura confirmar aquela asserção. O método é conhecido: um grupo de “jornalistas” bem-intencionados interroga indivíduos “ao acaso” sobre questões a que qualquer cidadão bem informado saberia responder sem pestanejar. Nesta ocasião, todavia, o resultado é catastrófico, com respostas absolutamente imbecis.
Na verdade, trata-se de um mito – de um duplo mito, aliás. Em primeiro lugar, este tipo de iniciativas “jornalísticas” é uma farsa. O que os espectadores vêem é naturalmente o resultado de uma escolha editorial, que elimina as respostas acertadas e selecciona as intervenções mais estapafúrdias, de modo a ilustrar o argumento (pré-definido). Nunca saberemos o que aconteceu nos casos em que cidadãos normais responderam correctamente às perguntas em causa – momentos que não servem para alimentar o espectáculo. Ao invés, encontrando o jornalista um indivíduo ignorante, não mais o larga, procurando arrancar-lhe respostas idiotas. Posteriormente, bastará intercalar esses planos entre meia-dúzia de outras respostas erradas para dar a sensação de que se trata de um painel significativo e representativo. Um excelente exemplo de manipulação jornalística ao serviço do mais básico proselitismo político ou cultural.
No entanto, mais grave que a mistificação jornalística é o mito propriamente dito de que os americanos são estúpidos e de que os europeus, ao invés, são especialmente sábios. É aliás comum ouvir-se e ler-se que “os americanos não sabem nada da Europa”. A generalização é ridícula: muitos americanos inspiram-se em exemplos culturais europeus e conhecem razoavelmente bem a Europa; como também muitos estudantes, e outros grupos educados sabe aspectos gerais da história e da política europeias. Por outro lado, ninguém duvida que existe uma enorme fatia de cidadãos ignorantes, como em qualquer parte do mundo.
Porém, importa questionar: e os europeus, serão assim tão conhecedores dos EUA (e até mesmo da sua própria história, geografia e política)? Quantos europeus já foram de facto à América? Quantos conseguiriam identificar metade dos Estados que constituem aquele país? Quantos saberão o nome do actual Vice-Presidente? Quantos sabem que a capital do Estado de Nova Iorque não é Nova Iorque, mas sim Albany? Quantos saberão dizer se Bush é Republicano ou Democrata? Quantos conhecem o índice de crescimento dos EUA, ou o seu défice, ou o valor das suas taxas de juro? Quantos sabem dizer quem foi Jefferson ou John Adams? Ou em que data se tornaram independentes?
Convencidos de que Hollywood é uma fiel janela para os EUA – e seguros de que do outro lado do Atlântico não existem mais do que restaurantes de fast-food, cantores de country pirosos e adolescentes gordos – os europeus seguem as suas vidinhas, zombando de uma cultura e de um país que não conhecem. Certos da sua superioridade intelectual, os europeus estão demasiado ébrios para questionarem os seus próprios defeitos e incapacidades.
Na verdade, trata-se de um mito – de um duplo mito, aliás. Em primeiro lugar, este tipo de iniciativas “jornalísticas” é uma farsa. O que os espectadores vêem é naturalmente o resultado de uma escolha editorial, que elimina as respostas acertadas e selecciona as intervenções mais estapafúrdias, de modo a ilustrar o argumento (pré-definido). Nunca saberemos o que aconteceu nos casos em que cidadãos normais responderam correctamente às perguntas em causa – momentos que não servem para alimentar o espectáculo. Ao invés, encontrando o jornalista um indivíduo ignorante, não mais o larga, procurando arrancar-lhe respostas idiotas. Posteriormente, bastará intercalar esses planos entre meia-dúzia de outras respostas erradas para dar a sensação de que se trata de um painel significativo e representativo. Um excelente exemplo de manipulação jornalística ao serviço do mais básico proselitismo político ou cultural.
No entanto, mais grave que a mistificação jornalística é o mito propriamente dito de que os americanos são estúpidos e de que os europeus, ao invés, são especialmente sábios. É aliás comum ouvir-se e ler-se que “os americanos não sabem nada da Europa”. A generalização é ridícula: muitos americanos inspiram-se em exemplos culturais europeus e conhecem razoavelmente bem a Europa; como também muitos estudantes, e outros grupos educados sabe aspectos gerais da história e da política europeias. Por outro lado, ninguém duvida que existe uma enorme fatia de cidadãos ignorantes, como em qualquer parte do mundo.
Porém, importa questionar: e os europeus, serão assim tão conhecedores dos EUA (e até mesmo da sua própria história, geografia e política)? Quantos europeus já foram de facto à América? Quantos conseguiriam identificar metade dos Estados que constituem aquele país? Quantos saberão o nome do actual Vice-Presidente? Quantos sabem que a capital do Estado de Nova Iorque não é Nova Iorque, mas sim Albany? Quantos saberão dizer se Bush é Republicano ou Democrata? Quantos conhecem o índice de crescimento dos EUA, ou o seu défice, ou o valor das suas taxas de juro? Quantos sabem dizer quem foi Jefferson ou John Adams? Ou em que data se tornaram independentes?
Convencidos de que Hollywood é uma fiel janela para os EUA – e seguros de que do outro lado do Atlântico não existem mais do que restaurantes de fast-food, cantores de country pirosos e adolescentes gordos – os europeus seguem as suas vidinhas, zombando de uma cultura e de um país que não conhecem. Certos da sua superioridade intelectual, os europeus estão demasiado ébrios para questionarem os seus próprios defeitos e incapacidades.
Etiquetas: EUA, Europa, jornalismo, mistificação
6 Comments:
Nem mais. A bem da verdade diga-se que aquela choldra de imbecis insiste à anos em nos humilhar na economia, ciencia e cultura
insiste há anos
Eu até tenho muita estima pelos norte-americanos, não fossem eles os portadores das melhores e maiores bibliotecas do mundo, mas não consigo perceber o fascínio pelos desportos deles, seja o baseball, o futebol americano, as corridas de carro que eles têm como o nascar e afins... É que não consigo achar interesse nenhum a essas modalidades... É como se fossem umas subespécies das europeias, mas mais estúpidas...
Cumprimentos
Muito bem escrito e muito verdade.
Um discurso "ao contrário" da decadência com que nos enaltecemos.
Mas, acredite, nada fará mudar a ignorância europeia jactante. Há décadas que é este o nosso caminho. O nosso fado.
Parece-me, caríssimo, que deste demasiada importância ao videozito que por aí circula (que tem tanta relevância, a meu ver, quanto as anedotas de alentejanos ou o Borat). Mas, tomando-o, tal como o fizeste, como um sintoma, não posso deixar de referir o teu terceiro parágrafo e perguntar-me também: de que “americanos” se fala? De que “europeus” se fala? Do cidadão urbano do Massachusetts ou do cidadão rural do Alabama? Do parisiense ou vienense ou do transmontano? Seria possível averiguar do grau de conhecimentos do cidadão médio de uma federação ou de um continente?
Gostei particularmente da tua referência ao texto do F.J.Viegas (http://bempelocontrario.blogspot.com/2007/03/os-americanos-i.html), que aponta o abismo que existe entre os mundos académicos deste e daquele lado do Atlântico; mas haverá aí indicadores reais quanto ao cidadão médio? Uma coisa me parece certa: a Europa não tem hoje mais do que um papel simbólico, alegoria de uma origem mística da civilização ocidental. Um pouco, talvez, à semelhança da Grécia na sua relação com Roma. Culpa ou destino trágico? Nostalgia patética aquela que levou Steiner a fixar-se de vez no velho continente, por acreditar ainda no rumor das origens? Grande abraço e até breve.
Obrigado pelos vossos comentários.
Caro dlm: obrigado por recordar um dado que tendemos a esquecer.
Caro Ega: de acordo quanto às bibliotecas, o basebol e o NASCAR, mas não sejamos injustos... A NBA é fabulosa e o futebol americano tem um apelo estético notável. ;) Um abraço!
Caro Batuta: também estou convencido de que os europeus não vão abdicar dessa sua posição "superior", olhando de cima os restantes fenómenos políticos e culturais - incapazes de questionarem a sua ignorância. Se é o nosso fado? Recente, talvez. Há duzentos anos a Europa ainda se via a si própria como um Novo Mundo, capaz de mutações e de adaptações. Hoje, está mergulhada numa profunda nostalgia. Mas os paradigmas alteram-se. Por vezes, com surpreendente rapidez.
Caro "Ângulo": o vídeo foi pretexto, claro. Estou de acordo com tudo o que disseste, nomeadamente com a dificuldade em definir um "cidadão médio" - o que recomenda cuidado nas generalizações. É por isso mesmo que tenho dificuldade em alinhar com as declarações de superioridades culturais/políticas, venham elas da "Velha Europa" (gaulista, por exemplo), ou dos Neo-conservadores americanos.
E gostei também da tua ideia de que "a Europa não tem hoje mais do que um papel simbólico, alegoria de uma origem mística da civilização ocidental". O problema é que ela nem sequer é capaz de o reconhecer (para o bem e para o mal), insistindo na linguagem vazia e puramente retórica dos "valores europeus" e da "cultura europeia" - conceitos cada vez mais putrefactos.
Uma morte anunciada? Prefiro a ideia de uma conciliação impossível: uma Europa capaz de discutir o seu reposicionamento numa "nova adequação" mundial (política, cultural, social, etc.), sem esquecer a sua identidade histórica. Optimista? Utópico? É provável que sim.
Um abraço e até breve!
Enviar um comentário
<< Home