Choque tecnológico
A Repartição de Finanças do meu Bairro Fiscal está de cara lavada. É verdade que persiste um curioso cheiro a mofo, que não existem cadeiras suficientes nem ar condicionado, e que os guichés abandonados e os funcionários impacientes continuam por lá, mas a Repartição está agora equipada com um novo painel electrónico, facilitando a contagem de senhas e a chamada dos utentes.
Quando notei que tinha na mão o D105, e vi no dito painel D90, exultei – prevendo ingenuamente uma visita curta. Vinte minutos depois ainda estava no D91, e uma hora mais tarde andávamos pelo D95. De súbito, uma voz abatida apregoa: “F78! F78!”. Não deve ser nada comigo. “O F78 foi lá abaixo pôr dinheiro no parquímetro”, responde alguém. Nesse caso, é melhor esperar por ele, suponho. O funcionário acha o mesmo, aproveitando para esclarecer que o painel deixou de funcionar: “o computador hoje não quer trabalhar”, justifica. O malandro.
São quase 4 da tarde e a malta quer ir para casa. Os guichés são ocupados com rapidez e os procedimentos aceleram. A juntar ao calor insuportável que se sente na sala – a que acresce o indispensável cheiro a suor – ouve-se agora um coro extraordinário: “G36! C12! Alguém viu o C12? Senha azul! Senha azul!”. Uma senhora idosa chega-se à frente: “Eu sou o B12”. “Não é o B12, é o C12!”. Pronto, pronto, não se enerve. Um jovem acorda de um sono profundo e clama ser o proprietário do D99. Pena já irmos no D103. O jovem protesta: “isto é uma merda!”. As velhotas indignam-se, os funcionários queixam-se do painel, que continua bloqueado. A confusão está instalada, a senhora do F78 ainda deve andar de volta do parquímetro, são 16 e 25. “Nunca mais chego a casa”, lamenta a funcionária que trata do IVA.
“D105!”, ouço. A redenção chega tarde, mas estou salvo. Uma Repartição de Finanças com cinco guichés conseguiu atender 21 pessoas numa hora e cinquenta minutos. Depois queixam-se da fuga ao fisco.
Quando notei que tinha na mão o D105, e vi no dito painel D90, exultei – prevendo ingenuamente uma visita curta. Vinte minutos depois ainda estava no D91, e uma hora mais tarde andávamos pelo D95. De súbito, uma voz abatida apregoa: “F78! F78!”. Não deve ser nada comigo. “O F78 foi lá abaixo pôr dinheiro no parquímetro”, responde alguém. Nesse caso, é melhor esperar por ele, suponho. O funcionário acha o mesmo, aproveitando para esclarecer que o painel deixou de funcionar: “o computador hoje não quer trabalhar”, justifica. O malandro.
São quase 4 da tarde e a malta quer ir para casa. Os guichés são ocupados com rapidez e os procedimentos aceleram. A juntar ao calor insuportável que se sente na sala – a que acresce o indispensável cheiro a suor – ouve-se agora um coro extraordinário: “G36! C12! Alguém viu o C12? Senha azul! Senha azul!”. Uma senhora idosa chega-se à frente: “Eu sou o B12”. “Não é o B12, é o C12!”. Pronto, pronto, não se enerve. Um jovem acorda de um sono profundo e clama ser o proprietário do D99. Pena já irmos no D103. O jovem protesta: “isto é uma merda!”. As velhotas indignam-se, os funcionários queixam-se do painel, que continua bloqueado. A confusão está instalada, a senhora do F78 ainda deve andar de volta do parquímetro, são 16 e 25. “Nunca mais chego a casa”, lamenta a funcionária que trata do IVA.
“D105!”, ouço. A redenção chega tarde, mas estou salvo. Uma Repartição de Finanças com cinco guichés conseguiu atender 21 pessoas numa hora e cinquenta minutos. Depois queixam-se da fuga ao fisco.
Etiquetas: atraso civilizacional, choque tecnológico, identidade portuguesa
3 Comments:
Belo retrato, Zé.
Parabéns
Na repartição de finanças que frequento também já abandonaram a ideia do painel elctrónico. Continuam com as senhas, mas agora chamam à viva voz pelos números.
É o choque tecnológico caro José Gomes André!
E qual será a reacção dos muitos analfabetos portugueses perante esta azáfama tecnológica e a falta de entreajuda e antipatia constantes nestas repartições?
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