Indignação (III) - blogues
Por um lado, o facto de haver um espaço disponível para comentários que continua a ser utilizado é sinal de que o desejo de manifestação de um indignar-se individual mantém-se tão vivo quanto antes, por muito reprimido que possa ser pelo ambiente sócio-político. Há um descontentamento latente refreado no dia-a-dia que, encontrando veículos de escape por alguma porta aberta, corre desenfreado a manifestar-se aí. Por outro lado, o recurso à manifestação anónima acaba por ser sintoma acidental da própria não performatividade da indignação política: há uma insegurança aliada à indignação que impele o manifestante a, porventura inconscientemente, procurar proteger-se por detrás de uma capa que o torne irreconhecível. Nessa medida, a indignação que não esmorece, que pretende subsistir pelos meios de escape que consegue ainda encontrar, tem algum temor associado e limita-se a assemelhar-se a uma voz rouca na escuridão: inconsequente, portanto, também não performativa.
Acresce ademais que há uma frustração contínua nesse explanar da indignação, que se alimenta de si mesma sem satisfação, quase como que numa masturbação do descontentamento. A ideia que se tem é que os comentários nos blogues são preenchidos repetidamente, havendo pessoas que porventura acompanham determinados blogues só para os comentar negativamente. Ao invés de lerem um blogue de um imbecil uma vez, e nunca mais lá voltarem precisamente pela imbecilidade provada, os manifestantes voltam lá vezes e vezes sem conta, e comentam vezes e vezes sem conta. Quase como se procurassem com ansiedade um reacender da sua própria indignação, algo que revalorize a sua cidadania num esquecimento da subjugação sócio-política (e económica, também, claro).
É evidente que as caixas de comentários dos blogues acabam por ser também um espaço de irresponsabilidade na própria opinião escrita. Mas são necessárias: são um trabalho sujo, mas alguém (neste caso, "algo") tem de o fazer...