sábado, junho 28, 2008

Citação do dia

"O barracão fora pedido emprestado aos bombeiros porque o edifício original, com pouco mais de quinze anos, ameaçava ruir. Foi nos balneários dos bombeiros que, soube-se depois, juízes se esconderam para fugir às agressões das famílias de uns arguidos quaisquer. Não é virgem a situação de violência perpetrada em plena audiência. O que é menos comum, partindo do princípio que isto não é a Somália, é administrar a justiça num barracão. [...] talvez a imagem não seja, de todo, desproporcionada. A maturidade de uma democracia, como ensinam os «especialistas», mede-se pelo seu sistema de justiça. E o «sistema» reflecte o estado de um regime no fátuo da sua miséria. É, afinal, como estamos de democracia. Enfiados no barracão."

[João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos].

a arte da fuga, 27

Claes Oldenburg, Spoonbridge and cherry, 1985-1988

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quinta-feira, junho 26, 2008

A geografia eleitoral americana de 2008

Por via de um amável convite do Nuno Gouveia, escrevi um texto no blogue "Eleições Americanas", acerca do carácter singular da disputa presidencial americana deste ano. O post completo encontra-se aqui, mas deixo-vos com alguns excertos:

"A natureza especial do duelo Obama-McCain pode levar a uma clara alteração do (inflexível) paradigma geográfico que marcou as eleições de 2000 e 2004. Esta possibilidade deriva das personalidades, ideologias e do apelo político destas duas figuras verdadeiramente singulares."

"[...] o carisma de Obama faz prever uma mobilização invulgar dos jovens e dos independentes [...]; a comunidade afro-americana pode também comparecer em números recordes [...]; por fim, através de uma notável angariação de fundos, Obama reuniu condições para conduzir uma campanha geograficamente multifacetada, podendo competir em Estados antes negligenciados pelos Democratas."

"McCain é igualmente um candidato transversal, capaz de apelar ao eleitorado independente como nenhum outro Republicano; popular entre os hispânicos (devido às suas posições moderadas sobre a imigração) e largos sectores das classes operárias (o que o torna muito competitivo em Estados do Midwest); e previsivelmente dominador entre os mais idosos (que compõem uma grande fatia do eleitorado)."

"[...] Assim sendo, dois elementos estão desde já praticamente garantidos nesta eleição presidencial: uma inovadora e imprevisível campanha (a exigir uma reapreciação das tácticas que dominaram as disputas de 2000 e 2004) e uma noite eleitoral muito emotiva."

quarta-feira, junho 25, 2008

A arrogância do poder

No século XVII difundiu-se entre os republicanos ingleses a ideia de que o poder corrompe – tese que os revolucionários americanos repetiriam posteriormente, e a partir da qual Lord Acton teceria a célebre afirmação “O poder tende a corromper; e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

A frase terá perdido alguma pertinência na actualidade, devido ao conjunto de mecanismos institucionais que regem e restringem a acção política nas democracias liberais. Mas se o poder já não é tão corruptivo, ele é ainda francamente inibidor de uma reflexão racional e ponderada por parte dos governantes. Onde antes o poder corrompia, hoje ele turva. Onde antes conduzia ao despotismo, hoje leva à arrogância e à sobranceria.

Veja-se o caso do ministro Jaime Silva, que menospreza sucessivamente organizações com as quais devia cooperar e dialogar, chegando mesmo a afirmar que os representantes dos agricultores (a CAP e a CNA) estão ligados à extrema-esquerda e à extrema-direita – a maneira mais fácil de diminuir os seus críticos, empurrando-os para o radicalismo ideológico através de declarações mesquinhas e politicamente brejeiras.

Ou o exemplo da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que ridiculariza as críticas da Sociedade de Matemática (a propósito do facilitismo que se verificou na elaboração dos exames nacionais), das associações de professores e de todos aqueles que levantam questões sobre a conduta do Ministério – com uma espantosa altivez e arrogância de quem se julga acima do escrutínio público.

segunda-feira, junho 23, 2008

o horizonte sensível, 11

Nova Zelândia, 2008

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Três coisas que detesto no Verão

1. Se deixo as janelas fechadas, sofro por causa do calor. Se abro as janelas, sofro com picadas de melgas e mosquitos. Em qualquer dos casos, as noites são um pesadelo.

2. Estacionar o carro no Bairro Alto torna-se mais difícil do que ganhar o Euromilhões.

3. Por qualquer razão obscura, as salas de cinema transformam-se em gigantescos frigoríficos, tal é a violência dos ares condicionados.

sexta-feira, junho 20, 2008

Uma outra Lisboa

Há quem entre o povo irmão tenha uma bizarra ideia sobre este seu mais velho familiar. Vejam esta descrição de Lisboa, publicada pela revista brasileira "Turismo & Negócios":

"A capital de Portugal, Lisboa, é a porta de entrada para a Europa. O idioma oficial é o português mas fala-se fluentemente o espanhol. [...] Sua arquitetura é essencialmente gótica. Banhada pelo Oceano Pacífico e tendo como principal o rio Tejo, Lisboa tem entre seus vultos históricos nomes importantes da história do Brasil, haja vista que já fomos colônia portuguesa. [...] Lisboa é uma cidade plana, de velhos mas bem conservados casarios, clima tropical úmido, temperatura variável, fria no inverno e quente no verão, mas nada comparável ao calor brasileiro. Graças ao Estreito de Gibraltar, Portugal liga-se também ao Oceano Atlântico. O curioso é que 2/3 da capital portuguesa desapareceram após a II Guerra Mundial, mas o primeiro ministro de então, Marquês de Pombal, providenciou a recuperação das ruínas, com orientação de excelentes arquitetos, preservando a originalidade das construções."

[Via Pedro Dória]

quinta-feira, junho 19, 2008

Frases brilhantes

(Escutadas em apenas 5 minutos de televisão.)

«- Como é que descreve a sua roupa?
- Então, descrivo-me da cabeça aos pés...»

«- Que jogador é que está à espera de ver passar?
- O... o... o... Reinaldo... O... Simão...»

quarta-feira, junho 18, 2008

O que teria acontecido se... (se fizesse ciência em Portugal)?

O ICS vai organizar uma conferência (que o blogue Atlântico nos tenta convencer ser "de luxo") intitulada O Virtual de Portugal (1908-2004). O que teria acontecido se...?, na qual haverá gente a discutir como estaria Portugal sem regicídio, sem república, sem UE, sem euro, etc.

Pessoalmente, muito me agrada que haja quem se dedique a exercícios de "e se?", em especial quando daí resultam bons romances de Philip Roth. Só não percebo como o Instituto de Ciências Sociais considera isto ciência...

O Segredo (II)

Milhões de cópias vendidas em todo o mundo, em livro ou em DVD. Conferências assistidas por milhares de pessoas. Fóruns de discussão a abarrotar de gente. Apresentação em Portugal na maior sala de espectáculos do país, o Pavilhão Atlântico.

Se toda a gente sabe, ainda se lhe pode chamar segredo?

O segredo

Lição de segunda-feira à noite - a partir do "Prós e Contras" - segundo o publicitário Carlos Coelho: nós podemos ser quem quisermos. Basta acreditar. Não nos podemos queixar. Temos que olhar para a frente. Temos que ser optimistas. Pensar positivo. Abandonar as energias negativas. Apostar no "nós". Criar sinergias. Olhar mais além. Em suma, e segundo o próprio, "a fórmula do sucesso do país é sonhar o impossível".

Onde é que eu já ouvi isto?

segunda-feira, junho 16, 2008

O Europeu é (quase) nosso

A Alemanha denota fragilidade. A Itália e a França - tradicionais bestas negras para a selecção nacional - estão prestes a deixar o barco. Chegando à meia-final espera-nos Croácia ou Turquia. E numa hipotética final deverão estar Holanda ou Espanha - países com os quais temos um óptimo registo recente. Isto está a compor-se para Portugal.

Eleições americanas

Agora que a renhida disputa com Hillary Clinton terminou, Barack Obama parece livre para combater em exclusivo John McCain. As primeiras sondagens pós-primárias são auspiciosas para os Democratas. Gallup (+2) e Rasmussen (+6) dão vantagem a Obama, candidato presidencial que está também à frente nas sondagens em Estados fundamentais como o Iowa (+7), Nova Jérsia (+6), Michigan (+2), Wisconsin (+13), Nova Iorque (+14) ou Minnesota (+13). McCain lidera na Carolina do Norte e no Nevada, mas apenas por 2 pontos, segundo a Rasmussen e a Mason-Dixon. Podem consultar os dados aqui.

O "não" irlandês

O tema merece uma discussão alargada, mas o essencial resume-se a um terrível dilema. Se o Tratado de Lisboa for abandonado, a União Europeia mergulhará inevitavelmente numa crise institucional sem precedentes. Se os governos europeus ignorarem o referendo irlandês e prosseguirem o processo de ratificação do Tratado como se nada fosse (chantageando a Irlanda para realizar novo referendo, portanto) viola-se claramente a natureza popular e democrática que alicerça o projecto europeu. Para o bem e para o mal, encontramo-nos num beco sem saída.

sexta-feira, junho 13, 2008

Luzes na América

quarta-feira, junho 11, 2008

Duas notas sobre a "gaffe" de Cavaco

1. A referência de Cavaco Silva ao 10 de Junho como "o dia da raça" é grave. Porque remete para uma designação própria do Estado Novo. Porque é ofensiva para os milhares de imigrantes que habitam no nosso país. Porque introduz um elemento teórico (a ideia de uma "raça") irreconciliável com o tecido social multiétnico que caracteriza a sociedade portuguesa.

2. Contudo, modere-se a indignação. Quem assistiu às declarações, percebe que se tratou de um lapso e não de uma declaração de princípios. Repito: o que foi dito é grave e não deve ser escamoteado. Mas, num momento em que o país vive momentos particularmente delicados, é absurdo ouvir deputados e dirigentes políticos em absoluta histeria, anunciando o fim da República e descrevendo o incidente como uma crise de proporções épicas.

Citação do dia

"Prosseguem, por todo o país, inacreditáveis actos de intimidação, vandalismo e violência. Um pouco por todo o lado vemos camionistas que obrigam outros a pararem nas estradas, ameaçam e «exigem» documentos de identificação, arremessam pedras e vandalizam camiões para impossibilitar a sua circulação. O Ministério da Administração Interna não deve temer a reposição da legalidade nem o governo deve dialogar perante esta bandalheira que por aí vai. A pergunta que se impõe, aliás, é apenas uma: quando vão começar as detenções?"

Tiago Barbosa Ribeiro, no Kontratempos.

segunda-feira, junho 09, 2008

Imaginem o Beira-Mar na Liga dos Campeões

A revista “Actual”, do Expresso, recuperou recentemente a tradição de classificar os livros, à semelhança do que se faz com os filmes (com “estrelas” de 0 a 5). Não acho mal, embora se trate de um claro sinal dos tempos: dá-se preferência à apreciação rápida e imediata em detrimento de uma análise profunda e demorada.

Já me parece mais perturbante a opção de classificar todas as obras publicadas, sejam elas “novidades” ou traduções de clássicos. É que podem gerar-se fenómenos verdadeiramente bizarros, quando numa destas semanas a edição de Os Demónios, de Dostoievski, recebeu 4 “estrelas”, tal como o último romance de Domingos Amaral (Já Ninguém Morre de Amor), o director da revista Maxmen.

sábado, junho 07, 2008

É bom voltar à infância


Quando a meninice é feliz, claro, e se tem bom gosto por teias de aranha.

Indiferença chocante

O vídeo de que se fala: um homem atropelado permanece imóvel durante mais de um minuto na estrada, sem que ninguém o socorra. Condutores e transeuntes permanecem indiferentes. Uma sociedade doente?

Inventário

Bela tarde de sexta-feira, passada na Feira do Livro.

Número de pessoas com que me cruzei: 289.

Pessoas que tinham sacos com livros: 16.

sexta-feira, junho 06, 2008

"The unlikely story" (IV)

Muitos analistas e observadores questionam: estará a América preparada para um Presidente negro? Só me ocorre uma resposta: se há algum país ocidental de maioria branca onde um negro pode hoje ser eleito chefe de Estado, esse país é os Estados Unidos da América.

quinta-feira, junho 05, 2008

"The unlikely story" (III)

No dia 4 de Janeiro, depois de Obama ter vencido no Iowa, escrevi "Obama é cada vez mais a face visível de um desejo de mudança que habita silenciosamente o coração de muitos americanos". Seis meses depois, podemos afirmar com certeza que esta foi a chave do seu triunfo.

quarta-feira, junho 04, 2008

"The unlikely story" (II)

Há quatro anos, Barack Hussein Obama era um político anónimo, que prestara serviço durante sete anos no Senado estadual do Illinois. A sua eleição para o Senado federal, em Novembro de 2004, produziu grande surpresa entre os analistas políticos – quase tão grande como a sua decisão de se candidatar à Presidência, apenas dois anos depois. Era negro, tinha um nome esquisito muçulmano e era um desconhecido do grande público.

Como se não bastasse, a sua campanha esbarrava numa “inevitabilidade” chamada Hillary Clinton: uma candidata com o nome político mais famoso da América, esposa de um Presidente popular, que vive no tecto do mundo há quase duas décadas, senadora pelo terceiro maior Estado americano, apoiada por toda a máquina política do partido e suportada por grandes financiadores.

Em Novembro de 2007, Hillary tinha vantagens de 30 pontos nas sondagens nacionais e era apoiada por 208 superdelegados, contra apenas 18 de Obama (todos oriundos do Illinois). A história do seu triunfo assemelha-se por isso a um conto de fadas. Obama começou por vencer num Estado com 96% de brancos, o Iowa. Conquistou o eleitorado afro-americano, que não o via como um dos “seus” (Obama é filho de mãe branca e cresceu no Hawai e na Indonésia), obtendo vitórias notáveis no Sul. Esmagou Hillary nas grandes planícies, obtendo o respeito de um eleitorado muito conservador. E manteve-se estranhamente perto em Estados que nunca tinham ouvido falar dele: em Nova Jérsia, no Massachusetts, em Nova Iorque, na Califórnia.

Seis meses depois, Obama resistiu a uma série de polémicas que teriam destruído muitos políticos experientes (o caso do “pastor Wright”, por exemplo), venceu 34 eleições, bateu todos os recordes de angariação de fundos, gerou uma mobilização do eleitorado nunca vista (votaram 35 milhões de pessoas nas Primárias Democratas; o recorde remonta a 1988, quando votaram 22 milhões), conquistou a maioria dos delegados e derrotou Hillary Clinton. Não há leituras racionais que resistam perante a improbabilidade desta narrativa.

"The unlikely story" (I)

Há quase cinco meses atrás, Obama afirmou num dos seus notáveis discursos: "In the unlikely story that is America, there was never anything false about hope" ("Na história improvável que é a América, nunca houve nada de falso quanto à [ideia de] esperança"). 200 anos depois de os EUA terem abolido o tráfico escravo, 165 anos depois do fim da escravatura e apenas quarenta e três anos depois de terem sido finalmente conferidos plenos direitos de votos aos cidadãos negros, um afro-americano torna-se o candidato presidencial de um grande partido.

Talvez não o soubesse então, mas Barack Obama faz agora parte dessa "história improvável".

terça-feira, junho 03, 2008

Do meu baú, 5

Ainda o Muro, em Berlim.

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domingo, junho 01, 2008

Movidos por uma fé inabalável

O elemento mais surpreendente das "Directas" do PSD não foi a vitória tangencial de Manuela Ferreira Leite, nem o bom resultado de Pedro Passos Coelho, mas sim o facto de Santana Lopes ter recolhido quase 30% dos votos. 13115 pessoas continuam a entender que Santana Lopes seria, não apenas o melhor líder do PSD, como o homem certo para governar Portugal. Por onde tem andado esta gente nos últimos dez anos?

Insanidade (II)

A cobertura jornalística (?) em redor da participação portuguesa no Europeu atingiu hoje um novo mínimo histórico. Seis horas em directo sobre "a partida para a Suíça", ou seja, sobre coisa nenhuma. Jogadores já almoçaram. Jogadores deixam o hotel. Jogadores entram no autocarro. Jogadores saem do autocarro. Jogadores encontram-se com Cavaco Silva (bocejo). Cavaco Silva deseja sorte à equipa (adormecemos). Jogadores bebem sumo com laranja no Palácio de Belém (sono profundo). Jogadores deixam o Palácio de Belém. Jogadores chegam ao Aeroporto. O avião levanta vôo sem problemas.

Se alguém estiver acordado depois desta xaropada absoluta ainda leva com umas reportagens directamente da Suíça, com os emigrantes portugueses em grande comoção - já para não falar das habituais declarações entusiásticas de transeuntes, as quais são quase sempre devastadoras para a língua portuguesa. Quanto a vocês, não sei, mas eu estou enjoadíssimo deste circo. Que a bola comece a rolar, e depressa.