segunda-feira, dezembro 31, 2007

O pior e o melhor de 2007 (público e privado)

O pior:
- Luís Filipes: Scolari e Menezes.
- A morte de Benazir Bhutto.
- Millennium BCP.
- Cinema americano.

O melhor:
- Antónios: Lobo Antunes (cronista) e Barreto.
- Selecção sul-africana de râguebi.
- Bem Pelo Contrário.
- Televisão americana.

outros tempos, 1

La Palisse no Afeganistão

Interessante raciocínio, o do Ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, à saída de um almoço com as tropas portuguesas no Afeganistão: “Para haver segurança é preciso existir progresso e desenvolvimento. Mas só se existir progresso e desenvolvimento é que há segurança”. Está bem visto, sim senhor.

domingo, dezembro 30, 2007

2007: "Annus Socraticus"

O “Expresso” escolheu como Figura Nacional do Ano Isabel Jonet, presidente da Federação dos Bancos Alimentares. Percebe-se o objectivo de destacar a “sociedade civil” e os esforços daqueles que, à margem do Estado, contribuem para o bem-estar do país. Contudo, o “Expresso” devia reger-se por critérios jornalísticos, segundo um ideal informativo. É evidente que este género de escolha depende de opiniões subjectivas, mas um semanário desta relevância deve submeter essa escolha a preceitos tão objectivos quanto possíveis.

Discordo por isso desta desta opção. Louvo a tarefa de Isabel Jonet, mas parece-me estranho – e até um pouco ridículo, sinceramente – escolher alguém que realiza um trabalho marginal como Figura do Ano. Ainda para mais quando esse mesmo ano que agora finda foi dominado pela personalidade de José Sócrates e por um conjunto de eventos marcantes directamente relacionados com o primeiro-ministro. As alterações laborais propostas pelo Governo que chefia. As manifestações e as greves (nunca houve tantas nos últimos vinte anos) provocadas por medidas polémicas, no plano social. O empobrecimento do país como resultado de uma política autista que o primeiro-ministro contudo elogia. O “caso Independente”, que minou a credibilidade de Sócrates. O “sim” no referendo ao aborto. Os vários episódios de “abuso de poder” do Estado – consequência indirecta de um comportamento autoritário do primeiro-ministro. A Presidência da União Europeia, com o folclore da Cimeira UE-África, mas também com a bem sucedida assinatura do Tratado de Lisboa.

Muitos destes acontecimentos trouxeram consequências negativas para o país, e podemos discutir se a acção do primeiro-ministro tem sido global ou parcialmente positiva, medíocre ou desastrosa. Em todo o caso, uma análise jornalística objectiva – e era disso que se tratava – não pode deixar de reconhecer que 2007 foi “o” ano de Sócrates. Para o bem e para o mal.

sábado, dezembro 29, 2007

América a votos

A poucos dias de se iniciarem as Primárias, e a cerca de dez meses da disputa nacional entre Republicanos e Democratas, inicio com este post uma série dedicada às eleições presidenciais americanas. Procurarei acrescentar algumas observações sobre uma contenda que estará certamente sob o escrutínio apertado da imprensa, na tentativa de esclarecer ou questionar factos, tendências ou aspectos eventualmente mais esquecidos daquele que é o grande acontecimento político de 2008.

Para já, deixo algumas referências a boas fontes de consulta na Internet sobre o tema. O site do New York Times tem uma excelente secção sobre Política e faz uma cobertura bastante isenta das eleições. O blogue de Andrew Sullivan – embora claramente pró-Obama – apresenta reflexões quase diárias sobre o tema. Entre nós, a Grande Loja do Queijo Limiano, sob a rubrica “Observatório 2008”, acompanha com atenção os últimos dados da disputa. Para quem se interesse por sondagens, recomendo o Margens de Erro de Pedro Magalhães, que nos dá a papinha toda feita. Quem quiser ir directamente à fonte, pode consultar o site da Gallup ou o Pollster, que me parecem ser dos mais completos e fidedignos.

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Inglês Técnico

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Bacalhau, chuva e reumático

Não sei como será nos outros países, mas em Portugal não tenho dúvidas: as conversas típicas dos almoços e jantares de Natal são dominadas por uma curiosa trilogia temática – a comida, o tempo e a saúde. Quando estes dias terminam, sinto sempre que acabei de tirar um curso intensivo em culinária, meteorologia e medicina.

É prá'manhã

Nenhuns outros dias do ano civil têm uma tão grande elasticidade. Falo, claro está, do Natal e do Ano Novo. Quantas vezes ouvimos empresas e companhias de prestações de serviço dizerem “Ah, e tal, sabe, é Natal, depois mete-se o Ano Novo” como justificação para atrasos, incumprimentos e recusas?

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Conselho útil

Perguntaram numa entrevista recente a Luís Filipe Menezes quanto iria o PSD pagar por mês à Agência de Comunicação Cunha Vaz & Associados. A resposta é lapidar: “Pouco. 25 ou 30 mil euros.” (no “Expresso” do passado dia 22). Talvez a dita Agência pudesse recomendar a Menezes para evitar a utilização da palavra “pouco” junto da expressão “25 ou 30 mil euros”. É que de outro modo, a Agência e o seu patrão arriscam-se a perder a empreitada mais depressa do que o esperado.

Tempo de balanço

Uma nota verde, um livro obrigatório (“O Ataque à Razão”, de Al Gore), um cacto fenomenal, um bom vinho branco, um filme magnífico (“Novo Mundo”, de Terrence Mallick), dois instrumentos culinários e um chocolate promissor. Faltaram as lendárias meias de lã e o pijama com ursinhos, mas foi uma bela colheita.

sábado, dezembro 22, 2007

Inflação de direitos no Ocidente

Brilhante excerto lido recentemente:

"No Ocidente temos assistido a uma quase absurda inflação na linguagem dos direitos. Isto não se deve apenas ao reconhecimento de direitos de segurança social (welfare rights), pois estes fazem parte da tradição desde o início. O problema é que hoje em dia, para além de um luxurioso leque de direitos inerentes a várias classes de humanos - direitos de minorias étnicas, direitos das mulheres, direitos das crianças, direitos de gays, lésbicas e bissexuais, direitos dos deficientes, direitos dos consumidores, direitos dos fumadores e dos não-fumadores, etc., quase infinitamente -, para além disto tudo encontramos também direitos dos animais, direitos das árvores, direitos de gerações nascituras. Estes vários direitos de reivindicação podem todos ser maneiras de advogar políticas sociais desejáveis; mas a multiplicação de inúmeros direitos particulares pode fazer erodir qualquer sentido de comunidade e de bem comum, valores que os primeiros teóricos dos direitos nunca perderam de vista."

In Brian Tierney, The Idea of Natural Rights, pp. 345-6.

Uma fotografia prodigiosa

Hugo Chávez, Paris, 2007

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Taking pleasure from other people's misfortunes

Noticia o jornal espanhol Marca que o jogador do Valência Manuel Fernandes será dispensado por Ronald Koeman no próximo mês de Janeiro.

Recorde-se que em Agosto passado este mesmo jogador abandonou um estágio do Benfica sem dar cavaco a pessoa alguma, tendo "fugido" pela porta traseira do hotel, para poder jogar pelo tal Valência.

The Russian-paradox

Não é curioso que a primeira grande experiência tentando inaugurar uma sociedade sem classes tenha sido praticada por um povo que adora ser tiranizado?

Putin é 'Person of the Year' para a revista Time

Conta Xerazade nas Mil e Uma Noites a história de um homem que, visitando um seu amigo pastor, reparou com enorme surpresa no facto de o seu amigo usar lobos como cães de guarda do rebanho. Perguntou: «Como é possível que os lobos protejam o rebanho e não o ataquem, como é de sua natureza?» Respondeu então o pastor: «É simples: é que todos eles sabem quem manda.»

Estranho povo esse que gosta de ser rebanho com lobos por cães de guarda, e com um pastor-deus.

Oferecemos um cabaz de Natal a quem ler este excerto sem se engasgar

"Penso, porém, que não evitámos ser levados nas nossas análises a pôr uma tónica excessiva nas deformações e na derrota do socialismo real e nas suas causas internas – a utilização de conceitos como o de implosão, de colapso ou de «modelo» (ainda que este entre aspas…) revela-o – e fizemo-lo em detrimento da transmissão, sobretudo aos jovens, do que houve de humanamente exaltante e de civilizacional e culturalmente progressivo na tarefa histórica inédita da construção de uma sociedade liberta da exploração; não evitámos a permanência de grandes lacunas na contextualização histórica, interna e externa, da construção do socialismo e na reposição da verdade histórica dessa construção; não evitámos as fraquezas da nossa intervenção ideológica na luta contra as falsificações e caricaturas em catadupa bolsadas pelos nossos inimigos de classe."

[Francisco Melo, no "Avante!", num daqueles delírios sobre a "Revolução de Outubro" que animam estes dias cinzentos].

quarta-feira, dezembro 19, 2007

"Porta Jovem": sete pecados mortais

[Aviso prévio: segue-se um post muito longo, demasiado longo. Infelizmente, certos disparates não se explicam em três linhas].

O Governo extinguiu recentemente o “Incentivo ao Arrendamento por Jovens”, criando no seu lugar uma aberração chamada “Porta Jovem 65”. O objectivo é apoiar jovens entre os 18 e os 30 que procuram começar uma vida independente, estimulando o mercado de arrendamento. Este plano de subsídios, que correspondeu a 60 milhões de euros em 2007, foi reduzido para 12 milhões (!), criando um conjunto de regras absurdas, que têm como objectivo evidente extinguir um conjunto de apoios que no passado ajudaram de forma decisiva 28 mil pessoas a combater um estado de precariedade generalizado no nosso país. Para poupar ao leitor um labirinto de portarias e decretos maçadores, enumero em seguida as sete disposições mais disparatadas do “Porta Jovem” – a nova lei que o Governo quis vender como um sistema “mais justo e mais adequado”.

1. O “Porta Jovem” cria um sistema de “rendas máximas admitidas”, consoante a região. As tabelas, criadas por tecnocratas que vegetam nos seus gabinetes, são ridículas, mostrando um desfasamento com a realidade que choca o mais incauto. Um T3 em Leiria não pode ultrapassar os 360 euros; um T1 no Porto ou em Coimbra não pode custar mais de 220 euros; e na Grande Lisboa um T1 não pode ultrapassar os 340 euros. Os valores na capital são particularmente grotescos: o máximo para um T3 é de 550 euros e de um T5 de 680 euros. É evidente que é mais provável eu ganhar o Nobel da Física do que alguém encontrar um T1 no Porto por 220 euros ou um T5 em Lisboa por 680 euros em condições de habitabilidade.

2. Estabelece em 40% a “taxa de esforço” máxima. Trocado por miúdos, isto significa que a renda da casa não pode ser superior a 40% dos rendimentos. Uma pessoa que receba 500 euros por mês e viva na Grande Lisboa, apenas pode beneficiar do subsídio se viver num T1 que custe 200 euros. E veja-se um outro exemplo que contraria todas as leis da lógica: imagine que um jovem licenciado acaba de conseguir o seu primeiro emprego por 700 euros e aluga um T1 em Lisboa por 340 euros (o que já só por si seria um milagre). A taxa de esforço é superior a 40%, por isso está impossibilitado de concorrer. Imagine agora que o mesmo jovem é aumentado, ficando a receber 900 euros. Parabéns, pode ser candidato! Isto faz todo o sentido: se tiver um melhor ordenado, tem mais hipóteses de ganhar um subsídio. Viva a “Esquerda Moderna”!

3. As novas regras definem um número máximo de pessoas que podem habitar um determinado apartamento. Mais uma vez, os critérios são surreais. Se duas pessoas habitarem um T3 (um casal sem filhos; dois irmãos que trabalham a partir de casa e necessitam de um escritório) estão automaticamente excluídos. Do mesmo modo, está barrada a entrada a um casal com um filho que habite num T4. Esta lei entende que estes são modos de vida burgueses...

4. Para a definição da classificação final, é requerido aos candidatos que apresentem os rendimentos dos pais. O objectivo da lei é permitir a emancipação dos jovens; logo, definem-se regras de apoio tendo em conta o ordenado dos pais. Mais uma vez, triunfa a lógica. E se os pais ganharem muito mas não contribuírem para o pagamento da renda? E se o filho tiver saído de casa em conflito com os pais e quiser começar uma nova vida separadamente? Como diz o outro, “pxiu”! Isso não interessa nada...

5. O novo concurso é omisso face à possibilidade de bolseiros de investigação científica concorrerem ao subsídio. Como já é hábito, os jovens investigadores deste país são chutados para um vazio legal. Na verdade, não passam de excelentes estatísticas para apresentar a Bruxelas; no que toca a condições de trabalho e de vida pessoal são simplesmente ostracizados (excluídos do regime de segurança social geral; impossibilitados de pedir empréstimos bancários; privados de qualquer subsídio de férias, natal ou outros; e agora também esquecidos no mercado do arrendamento).

6. A candidatura processa-se exclusivamente pela Internet (mais um daqueles delírios do “governo tecnológico”), segundo um formulário com campos de entrada restritos. Significa isto que os candidatos estão impossibilitados de esclarecerem qualquer tipo de situação anómala num anexo. Não tem todos os dados à mão? Não preencheu um campo obrigatório porque não sabe como encontrar os elementos – ou simplesmente porque a sua situação não se aplica às opções pré-definidas? Está excluído!

7. Porque se processa exclusivamente pela Internet, o processo exige uma senha fornecida pelo Ministério das Finanças (!), que será entregue pelo correio. Tempo de espera? Entre 5 dias úteis e a eternidade. Ora, a portaria que definiu esta regra foi aprovada dia 30 de Novembro; e as candidaturas terminam dia 20 de Dezembro. Entre o primeiro dia em que se podia pedir a senha (3 de Dezembro, 2ª feira) e o final das candidaturas existem 14 dias úteis. No período de Natal, e face à extraordinária competência dos correios, alguém consegue adivinhar quantas centenas de pessoas ficarão excluídas apenas porque não possuem uma estúpida senha que permite aceder à candidatura?

Existem outras pérolas, mas creio que estes sete elementos são já suficientes para percebermos o que está realmente em causa. Sob o pretexto de estabelecer regras mais justas para a atribuição de um subsídio, o Governo aproveitou a ocasião para pura e simplesmente acabar com o mesmo, limitando-o a duas ou três dezenas de famílias mais carenciadas. O mercado de arrendamento, especialmente nas grandes cidades, já estava morto. Esta nova lei limita-se a pôr mais uns quantos pregos no caixão.

terça-feira, dezembro 18, 2007

a arte da fuga, 21

Um "especial de Natal": Barbara Kruger, Sem Título, 1987

Etiquetas:

segunda-feira, dezembro 17, 2007

"Não percebi, mas concordo"

Na página Maisfutebol, um "especialista" em futebol de seu nome Luís Sobral analisa o que houve de errado no Benfica que perdeu em Belém. No final do seu texto, surge esta pérola: «Não entendi as palavras de Camacho no final do jogo. Mas é impossível não concordar com a análise.»

No fundo, esta é a história do nosso povo: não sabe o que se passa consigo ou com os outros, mas desde que o não encham de fastio, concorda com tudo o que lhe disserem.

O futuro está aí

E promete ser brilhante, se se tiver em conta a entrevista/reportagem do "Expresso" sobre José Moura Soeiro, a nova coqueluche do parlamento. Soeiro chegou à bancada parlamentar do Bloco de Esquerda através de uma daquelas manobras absurdas dos partidos que permitem que pessoas não eleitas pelo voto acabem por ocupar cargos públicos eleitos (neste caso acho que chamam à coisa “mecanismo de rotatividade”, o que apesar de ter toda a aparência de ser inconstitucional, soa muito bem). A particularidade deste deputado é que acabou de completar 23 anos. 23 anos, leram bem. Ah, esta juventude precoce!

E quais são as opiniões deste rapaz prodígio sobre o nosso parlamento? Está “dominado por cinquentões enfatiotados que não representam a sociedade”. Vai daí e o José decidiu, para “quebrar a rotina”, segundo o próprio, trazer “jeans” e “sweat-shirt” para a Assembleia. Faltou-lhe a coragem num último momento e acabou por se cobrir com uma “camisa de ganga” (“para não chocar os mais conservadores”, acrescenta a jornalista). Todavia, José já deu o grito do Ipiranga: não contem com ele para usar camisa! Ou, na sua douta formulação, “o esforço de contemporazição com o sistema vigente atingiu o limite”. E que esforço, meus senhores, e que esforço!

Quais são as suas ideias políticas fortes? Para além da lenga-lenga habitual do Bloco (liberalização das drogas, oposição à “globalização capitalista”, libertação sexual e outras grandes questões do nosso tempo), essencialmente duas: a Educação e a Cultura. E que propõe o dr. Soeiro? Defende “o direito ao sucesso para todos”. Por quem sois, José, por quem sois! Vamos decretar já esse direito, mas depressinha que se faz tarde! Pode ser que o doutor descubra que, à data do seu nascimento, a educação já era livre para todos em Portugal há quase dez anos...

E o que pretende o senhor na Cultura? A “democratização do acesso aos bens culturais”. Ora bem, a colecção do Berardo já é de graça. A Gulbenkian oferece bilhetes ao preço da chuva. O cinema custa menos que um whiskey. Ah, já sei: borlas para o São Carlos! Disto é que a malta precisa! Não? O doutor Soeiro diz que não adere aos espectáculos “mainstream”, preferindo uma “agenda alternativa”? Aqui entre nós, parece-me que essa dita “agenda” já está suficientemente “democratizada”: basta uma camisola colorida, barba farta e tranças por lavar.

No final da reportagem, o deputado Soeiro fala-nos do momento-chave da sua vida política: a invasão do Rivoli, no Porto. Atentem na descrição na primeira pessoa: “Foi uma acção poético-política”. Importa-se de repetir? Foi uma acção poético-política. Entre os que estavam cá fora, como eu, e os ocupantes do teatro circularam poemas a toda a hora. Foram momentos muito felizes”. Bravo, doutor, bravo! Esta foi de fazer chorar as pedras da calçada. Acreditem: este homem vai longe...

Frederico Barbarossa e a Blogosfera

Conta-se que no século XII Frederico Barbarossa decidiu perguntar a dois dos seus juristas, Martinus e Bulgarus, se ele próprio era ou não o senhor (dominus) do mundo. Martinus respondeu simplesmente que sim. Bulgarus tentou explicar-lhe que ele era governador supremo do mundo, mas não o verdadeiro dono (dominus) das coisas pertencentes aos seus súbditos.

Frederico Barbarossa decidiu então presentear Martinus com um cavalo, pela benesse da sua resposta. Ao saber da dádiva, Bulgarus terá dito: "Eu é que disse o justo (equus) e o outro é que recebeu o cavalo (equum)."

Vem esta história a propósito da listagem do Blogómetro e das votações correntes para os "melhores" blogues do ano. É que vai parecendo que anda para aí muita gente a cavalo, apenas por dizer o que os outros querem ouvir...

sexta-feira, dezembro 14, 2007

UE: o paradoxo entre a "inveja do pénis" e a "gender identity" nas relações internacionais

Com a predominância crescente dos EUA no mundo e a iminente periclitância do muro de Berlim, a partir dos anos 70 começa a imperar na Europa o desejo de aprofundar politicamente as comunidades económicas de cooperação já existentes. A CEE tem de ser mais do que aquilo que é, e isso culmina na sua transição para UE com o tratado de Maastricht.

Sucede que a UE é ela própria uma entidade sui generis. Os EUA continuam com predominância no mundo: o falo das relações internacionais é americano, e os europeus não gostam. Invejam-no... Querem ter um tão grande ou maior, vistoso e bem viril. Para tal, precisam de tomar alguns remédios para fazê-lo crescer.

Contudo, os EUA têm uma história muito própria de tradição liberal em vigor desde os tempos da sua fundação. São uma nação. A Europa pergunta-se então: seremos uma nação? Os habermanianos da praxe levantam-se em coro e exclamam: federalismo, já, morte ao Estado-nação. Mas os povos e os líderes políticos dos respectivos permanecem sentados: têm "gender identity", gostam de ser os nacionais que já são. Falam línguas diferentes, gostam de rivalidades entre as selecções de futebol, guardam ressentimentos históricos superficiais... Querem um falo grande, mas não querem mudar de sexo.

Como tal, optam por uma solução híbrida. Os EUA têm um parlamento com uma dupla câmara, com representação de Estados por população e com representação unitária igual por Estado? Queremos também: o Conselho passa a ter votações por maioria dupla, de Estados e de população. Os EUA têm uma administração federal com um presidente vistoso? Queremos também: mas como não votamos todos em conjunto, passamos a nomear um presidente qualquer para o Conselho durante uns quantos anos. Os EUA têm uma tradição de salvaguarda de direitos civis e políticos para os cidadãos? Queremos também: faça-se uma Carta de direitos a impôr a todos, e os que não quiserem... Bom, ficam isentos. Os EUA têm uma face visível de intervenção nas relações internacionais? Queremos também: criemos um senhor super-Ministro para negócios estrangeiros que não dê cavaco a pessoa alguma.

Com isto tudo, a Europa vê-se com um falo já significativo. O problema é que não consegue enrijecê-lo, precisamente por causa da sua "gender identity": esqueceram-se de imitar os EUA naquilo que realmente faz a sua força - um exército forte e uma legitimação democrática das suas instituições representativas.

No fundo, com o tratado de Lisboa, os Leviathans de trazer por casa da Europa quiseram criar um super-Leviathan europeu multilingue, e de facto conseguiram-no: o problema é que é um Leviathan coxo, zarolho, fanhoso e maneta... Ah, e flácido!

Está alguém do outro lado?

Talvez sejam um castigo divino. Ou uma provação, daquelas sem as quais não é possível entrar no reino dos Céus. Falo, claro está, dos “serviços de atendimento ao cliente”. Que saudades do tempo em que um operador, mal-disposto e antipático, me dava todas as informações necessárias para solucionar um problema corriqueiro. Hoje, qualquer dificuldade básica corresponde a uma tarefa hercúlea, pois o cliente preocupado está condenado a deparar-se com um labirinto de chamadas reencaminhadas, linhas de espera, teclas premidas (inicialmente com gentileza, mas depois com fúria), insuportável música de fundo e constantes conselhos para “aguardar mais um pouco”.

E, quando este calvário parece chegar ao fim, ou seja, quando finalmente ouvimos o operador do outro lado (por que diabo não falámos com ele logo de início?), o mais provável é que o dito cujo não faça a mais pequena ideia de como resolver o nosso problema. É certo que nos indicará um outro número de telefone – “onde a sua questão será seguramente respondida” – mas o cliente sabe já, por esta altura, que se prepara apenas para repetir todo o processo, movido pela ténue esperança de que no fim da linha alguém o possa ajudar, por uma vez que seja. Mas não sem que martele uma dúzia de vezes na tecla “cardinal” e pondere o suicídio ao som da “Primavera” de Vivaldi, repetida dezenas de vezes na versão “pan-pipe”.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Frases para mais tarde recordar

«O pior para o Sporting é que este Dinamo está a jogar com a segunda equipa... Jogam sem pressão, e são por isso muito mais perigosos.», Manuel Fernandes, comentador idiota.

«É isto que nós temos de... Perdão, é isto que o Sporting tem de fazer.», Idem.

«O Liésson (sic) é um jogador muito forte.», Ibidem.

«Se o Sporting jogar assim contra o Marítimo, com certeza vai dar-nos mais uma vitória.», Who else?

(Frases ouvidas em apenas um total de 20 minutos, entre um exercício de zapping, durante a transmissão televisiva do Sporting-Dinamo Kiev.)

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Um francês na América

Bernard-Henry Lévy, autor que tem tanto de filósofo como de aventureiro, retomou as pegadas de Tocqueville e fez-se à estrada, percorrendo os Estados Unidos de lés a lés durante um ano. Contactou com toda a complexidade cultural, social, geográfica, política e religiosa que caracteriza a América, tendo resultado dessa viagem espiritual um notável relato publicado com o título American Vertigo (“Vertigem Americana”, trad. port. editada pela Caderno/Asa).

Recorrendo a uma ironia mordaz, Lévy adopta uma posição crítica sem contudo cair nos habituais maniqueísmos e nas generalizações fáceis. Há espaço para elogios, mas também para uma interrogação relativamente aos paradoxos da sociedade americana, numa descrição penetrante que ao longo de 300 páginas não esquece nenhum dos temas fundamentais do “mundo americano”: a importância da religião, a organização das comunidades, a estrutura política, os sistemas prisionais, a pena de morte, as lutas partidárias, a vida nas universidades, a paranóia securitária, a diversidade étnica, a paixão pelos desportos invulgares.

No entretanto, Lévy entrevista professores, dialoga com guardas prisionais, conversa com políticos famosos e convive com vários cidadãos comuns, nunca hesitando em narrar episódios bizarros – daqueles que a América profunda inevitavelmente proporciona. Para aguçar o apetite, cito dois excertos.

O primeiro refere-se à visita de Las Vegas e em particular a um bordel, onde Lévy fica espantado com a organização metódica e institucional que envolve este espaço de transgressão – uma espécie de contradição nos termos: “na moldura do tecto existe uma câmara que está ali para se assegurar de que não haverá nenhuma violência e de que a prostituta, qualquer que seja o capricho do cliente, continuará a ser tratada como uma sex worker, devidamente sindicalizada (...) – o bordel é um lugar politicamente correcto.”

“E depois os preços e o catálogo de serviços (...). Havia, de facto, no salão, uma caixa multibanco e panfletos publicitários a avisar que são aceites os pagamentos por cartão de crédito; volto a pensar nos cartões de visita com endereços postais e Internet, planta de acesso, serviços de limusina 24 horas por dia, que estavam perto da caixa de drageias; volto a ver, à esquerda da barreira de entrada e de alguns degraus, a rampa preparada para a passagem de deficientes; bordel ou não bordel, business is business.”

O segundo refere-se ao encontro de Lévy com Barack Obama e as suas considerações sobre um político que na altura surgira na ribalta por via de um extraordinário discurso na Convenção Democrata. A dois anos de distância, e quando este era pouco mais que um desconhecido, dizia já Lévy de Obama: “Barack Obama... Será necessário recordar este nome. [...] Observo os seus gestos de vadio magnífico cruzado de King of America. Torno a pensar no artigo em que li que Barack, em swahili, quer dizer «bendito». E sinto que alguma coisa, o que quer que ele diga, se joga nessa distância assumida em relação a todas as comunidades.”

“O primeiro negro que compreendeu que já não era necessário apostar na culpabilidade mas na sedução? O primeiro a querer ser, não a censura da América, mas a sua promessa? A passagem do black em guerra para o black que tranquiliza e une? Um futuro presidente mestiço? Um bilhete de viagem, um dia, com Hillary? Ou o princípio do fim das religiões identitárias?”

terça-feira, dezembro 11, 2007

Notas sobre o debate parlamentar

Vendo alguns minutos do debate entre o governo e os membros do Parlamento, voltei a pasmar, como sempre me sucede quando vejo coisas quejandas:

1) O primeiro-ministro aproveita o seu tempo para falar sobre o que bem lhe apetece, num sucedâneo de monólogos que não se preocupam em dar sequer cavaco às poucas perguntas que lhes são dirigidas;

2) Os deputados da bancada do PSD e do CDS-PP são o ex-primeiro-ministro e o ex-ministro da Defesa Nacional. Só isto é mais do que suficiente para se porem a jeito no levar de uma abada. Ora, como se isso não bastasse, proferem um conjunto de vacuidades e frases feitas idiotas, às quais o primeiro-ministro consegue sempre encontrar subterfúgios. E não se percebe: o primeiro-ministro tem a cimeira disto e daquilo, os outros mais não fazem que aquilo, e mesmo assim o primeiro vai com melhor preparação que os segundos?!

3) Dá a sensação que a maior parte dos oradores percebe tão pouco daquilo que faz ao ponto de nem conhecerem o conteúdo do regime jurídico do Parlamento. E já nem falo do recurso frequente "à defesa da honra", quando não há injúrias feitas. E mais, para se defender a honra, não é preciso primeiro tê-la?

4) Quanto ao mais, o habitual: gente a falar por cima de gente, gente que vira as costas e sai do plenário quando há pessoas a falar, gente que (mesmo sabendo-se na TV) se dá ao desplante de estar no plenário a ler uma revista (José Lamego... ao menos que lesse o Kant!).

5) Diminuir o número de deputados?! Se não há alternativas a estes, talvez nem fosse má ideia extinguir em definitivo o Parlamento...

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Pergunta do dia

Agora que a feira deixou a cidade, podemos voltar a discutir coisas realmente importantes?

o horizonte sensível, 7

Somália, 1994

Etiquetas:

domingo, dezembro 09, 2007

A era do vazio

A revista Única do "Expresso" inclui este sábado mais uma reportagem sobre José Sócrates, desta vez reproduzindo uma entrevista que este concedeu ao "El País". Já nem vou falar da propaganda, totalmente gratuita e descarada. Fico-me apenas pela entrevista – digna de uma revista cor-de-rosa – que constitui um conjunto bizarro de futilidades e tiradas vazias.

“Correr é um exercício fantástico, podemos fazê-lo em qualquer sítio e é muito bom para visitar as cidades.” [profundo]

“Nos momentos difíceis é necessário a firmeza, não desistir perante os obstáculos, não escolher o fácil ou fazer rodeios, mas sim caminhar seguindo a nossa convicção.”; “gosto de servir o meu país nos momentos difíceis, não nos fáceis.” [ao melhor estilo de Tarzan Taborda]

Não sou autoritário, nem reservado nem austero. Ouço os outros e gosto de falar com as pessoas.” [inspirado pelo programa da manhã da TVI]

“Gosto da acção, mas também da reflexão, do pensamento. Sou uma mescla dessas duas coisas. Há um paradoxo permanente em mim, acção e contemplação...” [poesia barata]

“Não podemos permanecer parados. Há que mudar, e rápido, sobretudo em alguns sectores, para encontrar o nosso lugar na economia global.” [profundo, parte 2]

Temos muito trabalho pela frente, mas não choramos... O meu compromisso é modernizar o país. E temos confiança.” [o discurso de psicólogo marca sempre pontos]

“Uma das coisas piores de ser primeiro-ministro é que se reduz o tempo para ler, mas no Verão leio compulsivamente.” [ao melhor estilo da “Caras”]

“Somos um país de poetas, mas uns são melhores do que outros, claro.” [profundo, parte 3]

“sou sócio do Benfica [...] mas não sou fanático; prefiro a selecção. [...] Fui a Budapeste com a minha mulher e recordo a emoção ao ver saltar para o campo a selecção.” [o inevitável momento patriótico, para terminar]

Não consigo imaginar um melhor retrato da mediocridade que nos governa.

sábado, dezembro 08, 2007

Dúvida metódica

Em relação à fauna que deambula durante este fim-de-semana pelo Parque das Nações, não sei o que é pior:

se a quantidade de ditadores de pacotilha, facínoras, assassinos em massa, terroristas, líderes corruptos, violadores dos direitos humanos, ladrões e criminosos de menor porte;

se o número de pagens disfarçados de dirigentes políticos respeitáveis que servem de anfitriões, e que apaparicam a quadrilha acima descrita, preparam tendas, servem banquetes, riem e sorriem para as câmaras, e que nos maçam com discursos de ocasião bafientos e inócuos.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Eu bem avisei

Ainda foi mais rápido que o previsto. Chávez classificou o resultado do referendo como uma "victoria de mierda" e garantiu que vai voltar a submeter o seu projecto constitucional ao voto popular. A ver se é desta. Isto sim, é um democrata.

:: Ver a notícia no elpaís (via Kontratempos).

Quando chega a nossa hora

No passado sábado, João Pereira Coutinho escreveu um excelente texto no “Expresso” sobre um dos maiores problemas da sociedade contemporânea: a forma como procuramos prolongar a vida humana, de modo quase obsessivo, e de como, simultaneamente, criámos um modelo social e cultural que menospreza a velhice. É um dos grandes paradoxos da modernidade: o homem orgulha-se da sua longevidade, mas envergonha-se da sua velhice. Escreve JPC: “o mundo de hoje cultiva a longevidade como valor supremo; mas a longevidade é vista com repulsa pelo mundo de hoje. Todos queremos viver mais; mas, se vivemos mais, começamos a viver demais”.

É nesta percepção última que reside a solução – e não na mudança de um paradigma que procura valorizar a longevidade a todo o custo. É necessário que reconheçamos os nossos limites: é a única posição reconciliável com a nossa natureza finita, a única atitude que, partindo do reconhecimento humilde do que não somos, afirma plenamente a singularidade do que somos, do que fomos e do que não podemos nem devemos ser.

Disto falava um envelhecido James Madison em 1831, orgulhoso da sua longevidade, mas perfeitamente ciente de que o seu tempo chegara ao fim. Revendo os seus oitenta anos de idade, Madison – o último sobrevivente entre os criadores da Constituição, o último dos pais fundadores, a derradeira testemunha da Revolução Americana – escrevia ao amigo Jared Sparks: “Depois da morte do coronel Few sou agora o único signatário da Constituição ainda vivo. Sou também o último sobrevivente do Congresso Revolucionário que prestou funções durante a Guerra da Independência; e sou ainda o único sobrevivente dos membros que em 1776 criaram a Constituição da Virgínia. Tendo vivido mais tempo do que tantos dos meus contemporâneos, não devo esquecer que provavelmente vivi também mais tempo do que aquele que me estava destinado.”

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Um até breve?

O chumbo ao referendo proposto por Chávez foi enaltecido por quadrantes à esquerda e à direita por motivos óbvios. Muitos (todos?) suspiraram de alívio por não se ter assistido à entronização de um líder que tem revelado preocupantes tendências autoritárias e populistas, tendo sido ainda elogiados a surpreendente mobilização do eleitorado e o sinal de vivacidade democrática demonstrado pelos venezuelanos, capazes de contrariar nas urnas as aspirações do seu “querido líder”.

Confesso que partilho apenas parcialmente deste entusiasmo. Em primeiro lugar, porque – ao contrário do que muitos disseram – este não foi um plebiscito a Chávez, mas sim o chumbo de um determinado modelo constitucional com evidentes traços monárquicos que um povo cioso da sua liberdade dificilmente poderia tolerar (fosse ele venezuelano, brasileiro ou americano). Em segundo lugar, porque a forma como Chávez interpretou os resultados mostra que as suas ambições desmedidas e o seu apego ao poder não foram em nada diminuídos. Basta recordar as suas próprias palavras, quando recomendou à oposição que não ficasse demasiado animada com o resultado porque tudo não tinha passado de um mero “adiamento” (“por ahora” foi a expressão utilizada).

Sei que estas palavras passaram mais ou menos despercebidas, mas considero que elas são motivo suficiente para recearmos os acontecimentos futuros na Venezuela.

Coisas que valem a pena, 18

Sofrer por uma boa causa.

Etiquetas:

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 73

A propósito do referendo na Venezuela:

- Parece que anda para aí um regozijo enorme com o facto de Hugo Chávez ter apoiado uma alteração da constituição do seu país que foi chumbada em referendo. É verdade que eu, que antipatizo com toda a gente, não tenho especial predilecção pela personagem. Mas, em verdade, quanto ao referendo, who cares? Desde quando interessam a cidadãos europeus as reformas constitucionais de organização política que são discutidas em países da América latina? Também gosto de taking pleasure from other people's misfortunes, como diz Seinfeld, mas tudo tem o seu limite.

A propósito de Putin e de António Marinho Pinto:

- Há para aí gente que se insurge contra a vitória esmagadora do partido de Putin nas recentes eleições na Rússia. "Se eu fosse russo, nunca votaria em Putin..." Também há para aí gente muito transtornada por um advogado que surge muitas vezes na TV (tendo portanto lugar reservado no oitavo círculo do inferno, segundo Woody Allen) ser agora bastonário da Ordem dos ditos. "Se eu fosse advogado, nunca votaria em Marinho Pinto..." No fundo, são talvez os mesmos que já disseram "Eu se fosse americano, nunca votaria Bush..." Não há que invejar esta gente convicta?: eu já tenho dificuldade em saber em quem devo votar nas poucas eleições em que participo com o meu voto, quanto mais nas dos russos, advogados, e americanos...

A propósito de Benfica-Porto:

- Esta semana vi alguns minutos no RTP Memória de um Benfica-Porto de 1990. Fiquei com saudades de muita coisa que desapareceu desde aquela altura:
1) Clássicos do futebol português, com estádio cheio, jogados durante a tarde;
2) Números das camisolas dos jogadores que entram em campo a começar no 1 e a terminar no 11;
3) Jogadores disputando avidamente a reposição da bola em jogo por "bola ao solo";
4) Jogadores com a camisola por pele, como João Pinto e André, pelo Porto, Veloso e Vítor Paneira, pelo Benfica;
5) Mais do que um golo marcado por partida;
6) Equipas jogando em 4-4-2 tradicional, com dois avançados na área.

Mas porque é que desapareceram mesmo?

O fim da polémica?

Encerro (?) a nossa discussão com duas notas adicionais. Uma para confirmar, depois da tua “tréplica”, que há verdadeiramente uma questão de fundo que nos separa – a qual remete para uma determinada concepção política. Tu defendes um modelo parlamentar que abre espaço (também) a uma representação de matiz local, mesmo que isso atenue a dimensão nacional do mesmo. Eu prefiro um modelo que acentue a representação nacional (como espelho dos interesses gerais do país), em detrimento dessa expressão popular de cariz local.

Defendo este último por considerar que se adequa melhor ao sistema governativo bipolar prevalecente no nosso país: as autarquias (que envolvem uma função legislativa e uma função executiva, e não unidimensional, como disseste) ocupam-se das questões locais; a assembleia da república encarrega-se dos problemas nacionais, embora, por razões óbvias, se possa sobrepor na sua acção às primeiras.

A segunda nota tem a ver com o número de deputados do nosso parlamento. O facto de haver uma (vasta) série de “nulidades”, como escreveste, só reforça o meu argumento. Uma redução de 40 ou 50 deputados tornaria a assembleia mais homogénea e afastaria muito provavelmente os elementos menos capazes (aqueles que figuram no fim das listas partidárias para fazer número e que desempenham meras funções “seguidistas” no parlamento). Poupar-se-ia em salários, em despesas “adicionais” e reformas chorudas. Poder-se-ia fazer uma melhor administração do tempo das intervenções (que hoje em dia são ridículos) e criar uma maior dinâmica no trabalho das comissões. E, quem sabe, restituir alguma dignidade ao nosso parlamento.

Perguntas: “diminuir o número de representantes não é aristocratizar ainda mais o regime?”. Responderia que sim se por acaso o problema do regime estivesse no seu “elitismo”. Infelizmente, a podridão do regime deve-se antes ao “populismo” e em grande parte ao nível rasteiro da maioria dos deputados.

Estaremos contudo perante uma subversão do princípio da representação? Escreves que “230 representantes para cerca de 11 milhões de pessoas (emigrantes incluídos) não é muito”. Atenta para o seguinte: se o nosso parlamento tivesse 180 deputados teríamos um índice de representação de 1 (deputado) para 60 mil (cidadãos). Nos Estados Unidos essa proporção é de 1 para 560 mil, e na Alemanha de 1 para 130 mil. E estou a falar da maior potência mundial e da maior potência europeia. Como vês, esse seria o menor dos problemas...

sábado, dezembro 01, 2007

A primeira tréplica: círculos eleitorais

Em primeiro lugar, devo lamentar a muito mais que provável ausência de um "banho de sangue". Afinal, há bem mais parecenças entre nós mesmo nesta matéria que diferenças. A polémica é afinal uma "polemicazinha"...

Parece que estamos de acordo em relação:
1) Às vantagens de um círculo eleitoral nacional, único;
2) À parvoíce do actual sistema por círculos distritais;
3) À necessidade de colocar um término à exclusividade dos partidos políticos no concurso a eleições parlamentares;
4) À idiotice dos chamados "pactos de disciplina de voto".

Quanto à disciplina de voto, devo aliás dizer que me parece uma das maiores perversões do nosso sistema parlamentar, que não vem previsto na Constituição, e que os partidos usam e abusam, invocando legitimidade consuetudinária, para mandarem no parlamento a seu bel-prazer. Por isso encontramos gente não parlamentar, como Luís Filipe Menezes, impondo regras a parlamentares, os quais supõe-se responderem apenas aos cidadãos. Perversidade democrática, portanto.

Quanto à diversidade regional/local, aí sim parece que discordamos. O Conde de Ficalho dizia que Portugal era uma espécie de Europa em pequeno ponto geográfico: num espaço tão pequeno, planícies, cadeias montanhosas com neve, vegetação rica e cerrada, vegetação seca e arenosa, praias de areia fina, rios variadíssimos... Tal variedade nos EUA precisa de milhares de quilómetros para se manifestar, aqui basta uma dúzia. Quando se atravessa o Tejo por vezes parece que estamos a mudar de país. E as populações, frase ao jeito hegeliano, não acabam por ter características adequadas ao seu território?

De qualquer das maneiras, diferentes ou não, a uninominalidade tem duas vantagens que o círculo nacional plurinominal não tem: um aumento da possibilidade de accountability do eleito da sua região face aos seus regionados, e sobretudo a possibilidade de uma expressão popular a nível local que seja legislativa, pois o poder local é apenas administrativo e regulamentar, não é órgão de soberania. Bem sei que isto soa demasiado ao Rousseau utópico (pois a tendência é cada um seguir a sua constituency, concordo), mas lá que soa bem, a mim soa.

Segue a polémica: círculos eleitorais

É um bom desafio, André, mas acho que não haverá um banho de sangue, pois estou de acordo contigo em alguns domínios. Um deles é a tua crítica ao sistema eleitoral presente. Eu também acho que não faz sentido a divisão em distritos como forma de ligar os deputados a um determinado interesse regional. E é aqui que nasce a minha objecção ao sistema “uninominal”, pois este conceito baseia-se num ideal de representação que dá primazia à proximidade entre eleitores e eleitos, responsabilizando estes últimos de uma forma mais clara perante os primeiros. Por outras palavras, o deputado eleito torna-se um representante de um eleitorado específico (o que os ingleses chamam “constituency”) e dos interesses singulares desse eleitorado.

Ora, este ideal depende de duas condições fundamentais – e nenhuma delas existe no nosso país. A primeira é a ideia de que existem interesses regionais e geográficos significativamente distintos, exigindo este quadro plural uma representação específica, sob pena de a política legislativa esquecer os interesses minoritários em prol dos “desígnios nacionais”. Ora, mesmo sendo evidente que existem diferenças entre as regiões e desigualdades geográficas no nosso país, elas não são de tal modo irreconciliáveis e vincadas, que exijam, no meu entender, uma representação específica. Por outro lado, essas diferenças não estão ligadas a necessidades completamente independentes das prioridades e dos interesses que existem nas outras regiões. Ou seja, no caso português, os problemas diferentes – e refiro-me às questões regionais – raramente exigem soluções diferentes. Não vejo necessidade, portanto, de cada região ter um representante que lute especificamente pelos seus interesses, quando estes coincidem, "grosso modo", com o resto do país.

O contrário acontece, por exemplo, nos Estados Unidos ou no Reino Unido, pois estes são países que, pela sua dimensão, pelas divergências históricas entre certas zonas, e pela dinâmica francamente singular de determinadas regiões, exigem uma representação particular. Em Portugal há uma unidade de interesses muito vincada e perante essa homogeneidade o ideal de uma representação de carácter “regional” perde muito do seu sentido (a excepção são as ilhas e não é por acaso que estas têm um parlamento próprio e uma autonomia reforçada).

A segunda condição é de que exista liberdade de voto entre os representantes. Só assim estes poderão defender adequadamente os interesses que representam, apreciando as leis de acordo com as necessidades específicas da região que os escolheu e do eleitorado perante o qual respondem. Mas em Portugal todos os partidos impõem a chamada “disciplina de voto”, que uniformiza a política em função das determinações ideológicas ou programáticas previamente delineadas. Nestes termos, os representantes desses interesses regionais teriam que optar por uma de duas problemáticas e destrutivas opções: ou seguir as orientações partidárias “nacionais” – e abdicar de representar os interesses particulares do seu eleitorado (o que destruiria o propósito do sistema); ou desafiar os partidos pelos quais foram eleitos, abrindo brechas graves na governação e nas fileiras partidárias, perdendo muito provavelmente as suas futuras hipóteses de reeleição.

Enquanto estes dois elementos não se verificarem no nosso país – a existência de diferenças e interesses regionais muito vincados e a prática de liberdade de voto no parlamento – o sistema uninominal, e em rigor o sistema actual “distrital”, são perfeitamente inúteis. Eu preferiria um sistema nacional simples, proporcional, mas com uma eleição directa dos representantes de acordo com o apuramento dos votos individualmente considerados. Este modelo não fecharia as portas aos independentes (que poderiam apresentar-se a um nível nacional e não apenas regional), nem aos partidos mais pequenos (que praticamente desapareceriam com o sistema “uninominal”), e constituiria uma excelente barreira contra os caciques locais.

:: No fim-de-semana prometo escrever sobre a questão do número de deputados.