quinta-feira, novembro 30, 2006

As confissões do Professor Karamba

A notícia mereceu destaque: José Esteves, ex-militar perito no manuseamento de bombas, revelara à Focus ter sido o autor do engenho explosivo que provocou o desastre de Camarate. Acreditei que esta confissão poderia trazer nova luz sobre os eventos que conduziram às mortes de Sá Carneiro e Amaro da Costa, conferindo consistência à “tese do atentado”.

Acontece que este vosso escriba é ingénuo, demasiado ingénuo. Atentem na informação avançada pelo "Diário de Notícias": “José Esteves, antigo bombista ligado ao movimento de extrema-direita MDLP, convertido ao ocultismo sob o nome de ‘Sô Zé’, foi ontem detido pela Polícia Judiciária por suspeitas dos crimes de posse de arma ilegal e ameaças a terceiros. A operação foi desencadeada pela Direcção Central de Combate ao Banditismo, que suspeita da ligação de José Esteves ao aparecimento na agência Lusa de um manuscrito em árabe, [e] ao depósito de restos humanos, como uma caveira, nas imediações da estação de televisão SIC.”.

O “Público” acrescenta alguns dados sobre a conduta de “Sô Zé”: “O ex-militar aparece envolvido em diversos casos. Primeiro, numa falsa ameaça terrorista, no início de 2005, à agência de informação Lusa, que motivou o evacuamento [suponho que o jornalista queria escrever “a evacuação”] das instalações. (...) Mais recentemente, vestido de árabe, ameaçou que se fazia explodir nas instalações da Procuradoria-Geral da República. O último caso de ameaças envolvendo José Esteves terá estado relacionado com a venda de bebidas em grandes superfícies comerciais. O ex-militar colocaria panfletos com dizeres árabes junto aos produtos à venda, dando a sensação de que o seu consumo seria prejudicial e poderia causar a morte dos consumidores.”.

Se por qualquer motivo esotérico ainda estão convencidos de que os depoimentos de José Esteves são credíveis, deixo-vos com uma foto recente do senhor, que acompanha a notícia do DN.


quarta-feira, novembro 29, 2006

o horizonte sensível, 2

Henri Cartier-Bresson, "Hyères", França, 1932

terça-feira, novembro 28, 2006

Augusto, o Misericordioso

Pinochet afirmou que “não guarda rancores” aos seus opositores.

Ainda vão a tempo

Já era altura de os nossos meios de comunicação social esclarecerem que as manifestações na Turquia contra a visita do Papa são organizadas por grupos extremistas, representativos de uma escassa minoria da população e que se insurgem contra tudo o que possua o mais leve aroma do Ocidente.

segunda-feira, novembro 27, 2006

O regresso do Provedor

A notícia não deixa margens para dúvidas – é mesmo mais um momento Hugo Chávez do Governo PS: Governo quer controlar conteúdos televisivos dando mais poderes à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC). O objectivo é criar “limites à liberdade de programação” e “garantir uma norma mínima de estabilização da programação”. Entre outros instrumentos, a ERC passará a poder suspender a transmissão de programas em directo.

Esta medida configura mais uma intromissão inaceitável do poder político na regulação dos agentes de comunicação. Paulatinamente, vai sendo construída uma teia em redor da imprensa, moldada a gosto de sociólogos da imagem. Claro que o Governo fala de uma “entidade independente”, mas todos sabemos como são constituídos estes comités de moralidade.

O mais estranho é o silêncio que esta decisão suscitou. Quando Santana Lopes anunciou a hipótese de criar uma “central de comunicação”, aqui d’el Rei que a Pátria estava em perigo, salve-se quem puder que a censura está de volta! Ao invés, hoje impera na sociedade – e na imprensa, ironicamente – uma resignação perante a “inevitabilidade das medidas”. É o efeito Sócrates. Perigoso soporífero este, que o Governo habilmente nos ministra todos os dias.

domingo, novembro 26, 2006

Espesso

Toda a gente sabe, mas não é demais repeti-lo: o Expresso é um jornal esquizofrénico e intragável. Começamos com o Caderno Principal, de 44 páginas, atafulhado de publicidade e gráficos manhosos. Segue-se a Economia – 32 páginas, com dois terços de anúncios a MBA fantásticos e a soluções bancárias milagrosas. A Actual é razoável, mas a mancha de texto perde-se em promoções garrafais a todo o tipo de eventos culturais, de teatro no São Luiz ao espectáculo “Dominó em Derrocada” no INATEL. A revista Única, com 154 páginas (!), apresenta pela sexta semana consecutiva reportagens sobre os imigrantes em Portugal. Para não destoar dos restantes suplementos, a Única só começa verdadeiramente na página 8; até aí apanhamos com bancos, automóveis, relógios, mais automóveis, e um hotel (com spa).

Mas a empreitada ainda mal começou. Prepare-se para um “Dossiê Especial” sobre seguros para acidentes de trabalho (14 páginas). Uma vez protegido, detenha-se nas compras de Natal: espreite o catálogo da Vodafone, com os melhores telemóveis, tarifários e moradas de todas as lojas em Portugal (ena!); deleite-se com os preços baixos da Staples Office Centre e mergulhe no “Natal Digital” (72 páginas); para os petizes, siga o caderno “Brinquedos do Mundo”, devidamente patrocinado pelo El Corte Inglés – 40 páginas de peluches, bonecos articulados e jogos electrónicos. Recupere o fôlego e dê uma olhadela ao panfleto dos ares condicionados Sharp e ao catálogo de 30 páginas da Panasonic.

Perante tantas prendas, o seu emprego poderá estar em risco, mas não se atormente: o Expresso pensou em tudo. Divirta-se com o caderno Emprego (38 páginas) e o Especial “Emprego e Carreiras 2006”, onde pode aprender, em apenas 42 páginas, a “conquistar o seu lugar”. Acredite no seu potencial de leitor compulsivo e examine atentamente o suplemento Espaços & Casas, esta semana revisto e aumentado, para nosso deleite. Para finalizar, mais um "Dossiê Especial", dedicado aos feitos da Fundação CEBI (Associação de Bem-Estar Infantil); o imprescindível jornal Golfe e o mítico Agrius, suplemento de agricultura, ambiente e alimentação, em 12 páginas fascinantes.

Não há pachorra.

sábado, novembro 25, 2006

a arte da fuga, 3

Wassily Kandinsky, Improvisação Sonhada, 1913

Etiquetas:

sexta-feira, novembro 24, 2006

Os limites da hipocrisia

Ou a sua ausência, como no caso dos nossos militares, que se concentraram no Rossio em protesto contra o governo. A manifestação foi proibida pelo Governo Civil de Lisboa, dado que a organização não entregou um pedido de autorização. Perante este pormenor de somenos importância, o génio militar engendrou uma imaginativa forma de contestação: um “passeio de descontentamento”.

A partir daqui, foi a previsível espiral de disparates. Incapazes de assumirem as consequências pela sua participação numa manifestação ilegal, os militares entraram num jogo de dissimulação que apenas os envergonha. Foi patético ouvir um dos membros da organização, Fernandes Torres, a explicar aos jornalistas que não se tratava de um protesto – de modo algum! – mas de uma simples “jornada”. Esperava alguns laivos de desfaçatez, mas confesso que não estava preparado para os contorcionismos linguísticos que alguns militares adoptaram. Deu para ouvir um pouco de tudo: “Eu não estou a manifestar-me, estou a passear. Não são os chefes militares que me impedem de passear.”; “Apeteceu-me vir espairecer!”; “Protestar? Eu só estou a ver as montras com a minha mulher...”.

Não é certamente a exibir o seu talento de comediantes que os militares chamam a atenção do governo e da opinião pública. Na verdade, esta acção serviu apenas para os cobrir de ridículo, enfraquecendo a sua reivindicação. Certas estratégias estão condenadas ao fracasso.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Afinal a (nossa) economia de mercado funciona

De acordo com o relatório anual do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, apresentado hoje, Portugal tem o haxixe mais barato em toda a Europa.

Fim de festa

O anúncio de que a Festa da Música no CCB foi extinta por falta de verbas provocou reacções de inesperado regozijo. A começar pela ministra da Cultura, aliás, que recebeu a notícia com um inexplicável entusiasmo. A mesmíssima ministra que anda em guerra aberta com Rui Rio porque este decidiu efectuar cortes significativos no apoio a eventos culturais no Porto.

A diferença de cor política entre Rio e Mega Ferreira não explica tudo. A verdade é que vários sectores da sociedade portuguesa – em especial uma elite intelectual empedernida e bafienta – nunca viram a Festa da Música com bons olhos. A ideia de que a música clássica poderia ser saboreada por milhares de pessoas, numa atmosfera coloquial e num espaço aberto a todos os estratos sociais, provocou urticária àqueles que a pretendem manter no isolado e recôndito refúgio da “erudição”.

Os aplausos a esta medida surgiram ainda de outro quadrante: os obcecados do “défice”, presos na crítica diária a qualquer investimento do Estado, viram na poupança de 200 mil euros um benefício extraordinário para as contas públicas. Aparentemente, esta extravagância do CCB sai muito cara aos contribuintes e a sua extinção deve fazer parte dos esforços pedidos aos portugueses. Como as taxas moderadoras, o aumento dos impostos e o mamarracho da Praça do Comércio. São tudo sacrifícios que valem a pena. A sério que são.

A estes entusiastas gostaria de deixar algumas questões: se as dificuldades económicas justificam o fim do apoio estatal à Festa da Musica, então porque não suprimir pura e simplesmente as verbas do Orçamento para a Cultura? Se o maior evento cultural do país nos últimos sete anos, capaz de mobilizar mais de 50 mil pessoas e trazer a Portugal a nata dos intérpretes mundiais, não merece o subsídio do Estado, que género de produções justificam esses mesmos apoios? Teatro minimalista frequentado pelos parentes dos artistas? Exposições de vanguarda com instalações de dejectos e quadros em branco? Ou filmes experimentais com o ecrã sem imagem?

quarta-feira, novembro 22, 2006

Estudantes

Há muitos anos que os estudantes são vítimas. Desde os tempos da PGA (uma prova eventualmente estúpida, mas igual para todos) até aos da luta contra as propinas (que custam por mês o mesmo que a noitada semanal). Ciclicamente, nas rua de Portugal, desfilam os mártires dos bancos de escola. Esta manhã, por exemplo, querem acabar com as aulas de substituição. "Se são na primeira hora podemos ficar a dormir, se são no fim do dia podemos ir para casa estudar", justificam. Há outro argumento - e esse sim é pertinente. Dizem eles que os professores escalados para o lugar dos faltosos são habitualmente de outras disciplinas. O que os impede de dar matéria e tira produtividade aos tempos de substituição. É bem visto e merece ser resolvido. Só não se percebe o seguinte: por que razão os alunos são incapazes de abrir e ler o manual, na sala de aula, se até se oferecem para ir para casa estudar?

terça-feira, novembro 21, 2006

Certificado de Qualidade (II)

Uma outra edição fundamental - curiosamente no lado oposto do espectro ideológico - é a tradução portuguesa do clássico Sobre a Liberdade (On Liberty), de John Stuart Mill, um dos escritos fundadores do liberalismo, no qual se traçam os limites da intervenção do Estado e da sociedade face à livre expressão da acção individual. Stuart Mill define esta última como a mais radical manifestação de liberdade, apenas sujeita ao “princípio de dano” (harm principle), que estabelece ser a acção de cada indivíduo totalmente livre enquanto não prejudicar ou condicionar as outras pessoas – circunstância exclusiva em que a intervenção do Estado se justifica.

A par desta defesa de um individualismo matricial, Stuart Mill desenvolve ainda uma notável apologia da liberdade de expressão, condição essencial para o progresso das instituições, para o desenvolvimento da ciência e para a existência de uma sociedade culta e emancipada. Inexplicavelmente, esta obra fundamental, agora publicada pelas Edições 70 (tradução de Pedro Madeira, 16,80 €), encontrava-se ausente das livrarias portuguesas há mais de duas décadas.

Certificado de Qualidade (I)

Embora escasso, o panorama editorial português, relativo à publicação de textos fundamentais de filosofia política, tem produzido recentemente traduções de qualidade.

Uma delas é A Moral Anarquista (La Morale Anarchiste), de Piotr Kropotkine. Trata-se de um panfleto determinante para a definição dos princípios fundamentais do anarquismo, entendido não apenas como doutrina socio-política, mas como ideal ético. Contrapondo aos fundamentos clássicos da moral um individualismo de um novo tipo, alicerçado na primazia da acção e do envolvimento do sujeito na textura do mundo, Kropotkine lança as bases para uma reperspectivação do destino humano. A sua leitura aponta num sentido quase paradoxal, afirmando a irredutibilidade do indivíduo a partir de um ideal de cooperação intersubjectiva, para além dos tradicionais enquadramentos sociais e estatais. A tradução portuguesa (Edições Sílabo), a cargo de José Luis Peréz, surge acompanhada de um pequeno estudo introdutório e encontra-se à venda por um preço sugestivo: 7,50 €.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Coisas que valem a pena, 4

Perdermo-nos num alfarrabista.

sábado, novembro 18, 2006

A agonia gaulesa (II)

A nomeação de Ségolène Royal como candidata socialista às eleições presidenciais de 2007 é apenas o mais recente episódio do vórtice caótico que tolhe a vida política francesa. Royal simboliza na perfeição o “actor político moderno”: é telegénica, bonita e simpática, acena com frequência e sabe distribuir beijos pela multidão. Menos importante – aparentemente irrelevante para 62% dos socialistas franceses – é o facto de o seu discurso político consistir num agregado de inconsistências.

A sua estratégia baseou-se num princípio fundamental: falar o menos possível. Quando obrigada a isso, procurou debitar umas frases curtas e ambíguas, a puxar ao aplauso. Ainda assim, conseguiu uma proeza: avançar com o conjunto de ideias mais estapafúrdio que a Europa conheceu nos últimos tempos. Deixemos as pérolas falarem.

Que fazer aos jovens marginais dos subúrbios, assolados pela exclusão social e incitados por gangs organizados? Segundo Royal, nada como “enquadrar os delinquentes num programa militar especial”. Suponho que o objectivo seja aconselhar a malta no manuseamento de armas.

E como lidar com o afastamento dos cidadãos face à política? Credibilizar as instituições? Nada disso! Para Royal, o ideal é criar “júris populares”, com acesso às reuniões dos conselhos de ministros, para avaliar a acção governativa. Isto sim, é democracia! Trazer os cidadãos anónimos para o centro das decisões políticas. Imagino o que terão a dizer o Pierre e a Marie da subida de impostos, dos cortes na Saúde e da restrição às emissões poluentes... Mas Royal sabe dar uns beijinhos, por isso não tem nada a temer.

A França vive um conflito social? Moralizar é a palavra de ordem, diz-nos Royal, que critica as jovens raparigas que usam fio dental (as marotas!), defende os valores tradicionais da família (casamento & procriação, entenda-se) e apela às “virtudes do povo francês”. “Eu sou de esquerda”, diz-nos a senhora. E quem somos nós para duvidar?

Na política externa, Royal volta a brilhar. Irão nuclear? “Devemos combater a hipótese de um Irão voltado para a utilização civil do nuclear”. Boa malha! Estimulemos o uso militar do nuclear – confiando na boa-fé de Ahmanidejad, que parece bom rapaz. Entrada da Turquia na UE? Ségolène responde: “Eu estou em sintonia com o que pensa a sociedade”. Que naturalmente, não pensa coisa nenhuma – dispensando assim à senhora Royal qualquer meditação sobre o tema. E a Constituição Europeia? Royal diz-se “desiludida” e aponta o caminho: é preciso “mais e melhor Europa”. Novamente, ninguém sabe o que isto quer dizer. Se calhar, o melhor é perguntar aos “júris populares”.

Confusos? Eu não preciso de mais. E, pelo que dizem as sondagens, os franceses também não. Ségolène Royal está a um passo de se tornar a primeira mulher a ocupar o Eliseu.

A agonia gaulesa (I)

Anteriormente um exemplo social, cultural, económico e político, a França é hoje um concentrado de equívocos, onde triunfam a desigualdade, a exclusão social, a intolerância e o conformismo. A sua estratégia económica falhou – como o comprovam as sucessivas dificuldades em lidar com o défice público. A sua orientação política está à deriva, sem uma agenda coerente – a Política Externa em particular é um agregado de decisões contraditórias.

Naquilo que podemos designar de “complexo de Robespierre”, a elite política decidiu enfrentar este declínio com uma espécie de refundação do sistema. Os métodos são diferentes – Robespierre criava Comités de Saúde Pública; os novos políticos franceses adoptaram uma “agenda de medidas avulsas” – mas o objectivo é o mesmo: conceber uma França moralmente impoluta, edificada num novo plano social. A ideia não é apostar na cidadania, mas sim educar a sociedade a pensar e agir segundo padrões definidos pelo Estado, num processo de aclimatação colectiva no qual a liberdade individual não tem evidentemente futuro.

É provavelmente a maior enfermidade dos gauleses: uma noção leviatiânica do Estado, o verdadeiro Senhor, educador das massas, tutor económico e conselheiro moral. Nenhum outro povo na Europa está tão dependente de um progenitor carinhoso e protector.

A França não sabe lidar com as diferenças culturais que nela convivem? Nada como apelar ao laicismo radical e coarctar a liberdade individual: assim surgiu a “lei do véu”, interferência inaceitável do Estado numa manifestação pessoal socialmente inócua.

Existem problemas de segurança, ligados à exclusão social? Estigmatizem-se os “marginais” – a “escumalha” segundo Sarkozy – e reclamem-se cargas policiais, vídeo-vigilância, penas pesadas. Com um Estado-polícia, podemos conviver tranquilamente com o Mal que habita as nossas ruas – e manter puras as nossas consciências.

A Europa reclama um alargamento e uma maior cooperação? Só por cima do cadáver francês. Como lidar com uma instituição maior que a Gália? Como pode a arrogância francesa, ensimesmada no seu próprio modelo social (falhado), assistir à transformação da Europa num espaço multicultural? Incapaz de tratar as próprias feridas, a França limita-se a resistir ao surgimento de um panorama étnico, político e social heterogéneo. O “não” à Constituição Europeia foi por isso tão previsível quanto inevitável.

Encerrada no seu casulo, surda perante a sua própria história, e cega aos conflitos que grassam no seu interior, resta à França debitar tratados morais aos outros actores. Daí a condenação às intervenções americanas – passíveis de uma excelente justificação, mas envoltas numa lamentável verborreia moralista. Daí a recente lei que proíbe os cidadãos franceses de negarem a existência do genocídio arménio pelas autoridades turcas, no contexto da Primeira Guerra Mundial – um atentando inqualificável à livre expressão e à liberdade de pensamento e discussão.

O pior é que algo me faz crer que não vamos ficar por aqui. Quanto mais ignora a sua doença, mais profundamente mergulha a França no abismo.

sexta-feira, novembro 17, 2006

o belo e o sublime, 4

Libélula (anisoptera)

Etiquetas:

quinta-feira, novembro 16, 2006

No Ribatejo, 2

"Está muita gente e mulheres também"

No Ribatejo

"Nem para as gajas tem habilidade quanto mais para os cavalos"

Saudades de Hugo Chávez

Por razões que não vêm a propósito, acabo de receber esta mensagem na caixa de correio, enviada pela agência DC-Comunicar:

"A estrutura de base da maior Árvore de Natal da Europa já está montada e esta manhã algumas caras da SIC estiveram presentes na Praça do Comércio. Hugo Pinto, Eduardo Madeira e Francisco Garcia escalaram quase ao topo dos 60 metros da estrutura de base da Árvore Millennium bcp/SIC. Raquel Strada e Carolina Patrocínio foram surpreendidas pela chuva, que as impediu de passarem por esta experiência única. Será sobre esta estrutura de base que vai ser colocada já na próxima semana a cenografia que vai dar vida e cor à Árvore de Natal Millennium bcp/SIC, este ano dedicada à temática dos Sinos. Com a inauguração prevista para a próxima noite de 25 de Novembro, a Árvore do Natal Millennium bcp/ SIC, a maior alguma vez construída na Europa, terá 75 metros, o equivalente a 25 andares. Este monumento, que se pode já considerar o centro do Natal, poderá ser visitado até 7 de Janeiro, na Praça do Comércio, em Lisboa".

That's the spirit!

Da surdez e outras enfermidades

José Sócrates encontrou recentemente um novo antídoto para todas as críticas: a “maioria absoluta”. Perante os protestos dos sindicatos, as denúncias da oposição ou as observações dos comentadores políticos – independentemente do seu fundamento – a resposta é a mesma: há um ano e meio, o povo falou e deu a maioria absoluta ao PS.

Este argumento é perigoso e deveria ser utilizado com parcimónia. A maioria absoluta legitima, mas não desresponsabiliza. Este voto maioritário não é um cheque em branco, e como tal não dispensa uma justificação das acções propostas pelo Governo, como Sócrates pretende. Entendamo-nos: o Governo PS pode e deve adoptar as medidas que considera mais adequadas. Todavia, quer o conteúdo, quer o modo da prática governativa não podem estar isentos de críticas. A dinâmica democrática pressupõe um confronto de ideias e um diálogo com a oposição (política ou social) – com os quais Sócrates convive mal.

Esta conduta arrogante conduz inevitavelmente a um autoritarismo que começa já a ser a imagem de marca do primeiro-ministro. Protegido pela “maioria absoluta” e pela necessidade de seguir medidas impopulares, o líder do PS adoptou uma altivez que, a breve trecho, lhe poderá toldar o julgamento. Ao considerar-se acima de todas as apreciações, ridicularizando a oposição e os observadores políticos, Sócrates dispensará mais tarde ou mais cedo a auto-crítica. Então, recolhido nessa surdez imposta a si próprio, o primeiro-ministro dificilmente evitará exibir sintomas de autismo político. E quando isso acontecer, espera-o uma perigosa espiral de equívocos. Para bem do país, seria bom que Sócrates resistisse a estas enfermidades.

terça-feira, novembro 14, 2006

o horizonte sensível

Robert Capa, "Running for shelter during air raid", Barcelona, 1939

segunda-feira, novembro 13, 2006

Quiz show

Na revista “Actual” do Expresso, anunciam-se os “destaques” televisivos da semana. Aí encontramos a referência ao jogo Portugal-Cazaquistão, a disputar na próxima quarta-feira. O comentário jornalístico que o acompanha é precioso: “A selecção nacional de futebol tem mais confiança que resultados positivos na caminhada para o Euro 2008. As «tropas» de Scolari, no entanto, sabem que uma vitória em casa sobre o Cazaquistão apagará todas as dúvidas e confirmará Portugal entre os qualificados para o grande evento que começa já daqui a ano e meio.”

Pedem-se justificações para este encantador naco de prosa:

a) o autor é na verdade um famoso dirigente da Federação Portuguesa de Futebol, que, preocupado com a fraca venda de bilhetes, gizou uma estratégia de marketing condenada ao sucesso, transformando este encontro pacato num jogo de vida ou morte.

b) trata-se de um requintado exercício de desinformação, com um toque humorístico, de um jornalista que estagiou no “Inimigo Público” e que anseia fazer parte da equipa do Gato Fedorento.

c) estamos perante um especial conhecedor do Cazaquistão, esse poderoso obstáculo que se atravessa no caminho português. Apesar de Portugal ter apenas uma vitória em três jogos, e de faltarem onze partidas para terminar a qualificação, o jornalista crê que um triunfo sobre esta potência mundial bastará para amedrontar os nossos adversários. Depois de batido o Cazaquistão, vencer a Sérvia e a Polónia é canja!

O vencedor habilita-se a um prémio extraordinário. Se responder correctamente à nossa questão nas próximas 24 horas e conseguir identificar o nome de um jogador do Cazaquistão, beneficiará de uma entrevista exclusiva com o compositor desta peça singular.

domingo, novembro 12, 2006

Far and Away

No repovoamento falhado de Vila de Rei há uma infelicidade que tudo abafa. Os brasileiros contratados para fecundar o município descobriram, afinal, que ali a vida é demasiado dura. E confirmaram o que os beirões já sabiam: falta esperança e horizonte. Com 500 mil imigrantes a residir em Portugal - e outros tantos portugueses desempregados - a autarca Irene Barata achou oportuno seleccionar licenciados no Brasil. Homens e mulheres adultos e com filhos. Como pássaros dentro de gaiolas, eles acabaram enfiados em comunidade num casarão velho e a receber o salário mínimo em lares de terceira idade e residenciais. Obviamente, não gostaram. De 14 restam 12. Um desastre previsível. Pretender inverter a desertificação do interior apenas através da importação de mão-de-obra estrangeira é ingenuidade ou desonestidade política. Entretanto, a comunicação social continua a caminho de Vila de Rei. Deixou de descrever um sonho cor-de-rosa e relata agora uma luta de lama ultra-realista. Que pode ser acompanhada ao momento através do google news. Eis o único pingo de modernidade numa história triste do princípio ao fim.

sábado, novembro 11, 2006

Coisas que fazem rir, 3

sexta-feira, novembro 10, 2006

Espírito de natal

“Hugo Chávez proíbe imagens do Pai Natal nos edifícios e locais públicos na Venezuela.”

... e troca-as por posters de Che Guevara com um gorro vermelho, ladeado por renas, entregando de presente Kalashnikovs às criancinhas.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Há 17 anos

O dia seguinte (III): consequências imediatas

A derrota Republicana implicará, desde logo, o surgimento de uma nova agenda política, conduzida a partir da Câmara dos Representantes. Este órgão detém competências muito alargadas, em especial nos domínios da finança pública e da política económica, e em alguns aspectos da dinâmica educativa e social. Todavia, os seus poderes são extremamente limitados no âmbito da política externa, além de que qualquer iniciativa legislativa poderá ser bloqueada pelo veto presidencial. Veto este que os Democratas não poderão ultrapassar, por não possuírem uma maioria qualificada na Câmara dos Representantes (2/3 dos membros), como requer a Constituição. Uma alteração significativa na política para o Iraque, dirigida apenas pelos Democratas e contrária às convicções dos Republicanos parece, por isso, inexequível.

Por outro lado, a Administração Bush enfrentará, pela primeira vez, uma oposição maioritária no Congresso, que bloqueará a sua agenda conservadora e exigirá certamente uma mudança de rumo em vários domínios (política externa, política fiscal, ambiente, etc.). Além disso, os Republicanos receberam um importante alerta: a eleição presidencial de 2008 está em risco. Neste sentido, a Administração Bush poderá adoptar uma dinâmica governativa minimalista, que não comprometa em demasia os Republicanos.

Este cenário prefigura um impasse político? Creio que não. Será certamente necessário estabelecer plataformas de entendimento entre a maioria Democrata no Congresso e a Administração Republicana, mas essa necessidade de compromissos está na base da criação dos EUA e é um dado comum na vivência política de Washington. Na verdade, estas eleições – que foram em si um exemplo de democracia em acção (mais de 1100 candidatos, entre congressistas e senadores, cerca de 25 governadores eleitos, duas centenas de referendos, perto de cem milhões de votantes) – permitiram, de algum modo, restabelecer uma faceta essencial da democracia americana: o equilíbrio de poderes. A doutrina checks and balances – eixo vital do federalismo – readquiriu efectividade, garantindo que a dinâmica política decorra num ambiente de salutar vigilância e cooperação entre os vários órgãos de poder, necessárias a uma acção governativa transparente e mais eficaz.

O dia seguinte (II): causas da viragem eleitoral

A orientação de um voto deve-se a um conjunto de vários motivos, desde o carácter do candidato ao alcance das suas propostas em múltiplos domínios, a que se juntam as circunstâncias políticas propriamente ditas, entre muitos outros factores a considerar.

Espanta-me, por conseguinte, que uma boa parte da imprensa e dos comentadores políticos se limite a debitar, taxativamente, que a derrota dos Republicanos se deve a uma única e evidente razão: a política externa da Administração Bush, e em concreto a intervenção americana no Iraque. Sejamos claros: é óbvio que este tema foi decisivo: chegam diariamente notícias de Bagdade cada vez mais trágicas, a questão manipulou o debate político e os americanos há muito que tomaram consciência de que os Republicanos estão a falhar no Iraque. Todavia, parece-me que, neste caso, a simplicidade das asserções deve-se a uma preguiça especulativa, quando não a uma orientação ideológica.

(Pelo menos) tão importantes como o falhanço no Iraque foram os escândalos que recentemente eclodiram no seio do Partido Republicano: a polémica em torno dos favores prestados ao lobbista Jack Abramoff – que arrastou consigo dezenas de Congressistas e alguns Senadores; a confirmação de que Mark Foley, representante da Flórida, exercera assédio sexual sobre jovens estagiárias no Congresso; a prematura demissão de Tom DeLay, anterior líder dos Republicanos na Câmara dos Representantes, envolvido num escândalo de financiamento ilegal de campanhas eleitorais, corrupção e suborno.

Durante anos, o Partido Republicano auto-caracterizou-se (ainda o faz) como um baluarte dos valores morais. Em oposição aos “liberais” Democratas, os Republicanos intitulam-se os defensores dos “bons costumes” e dos valores tradicionais, apregoando a sua inflexibilidade face ao aborto, aos casamentos homossexuais, à utilização de células estaminais para investigação e ao uso de marijuana com fins terapêuticos. Esta estratégia deu frutos no passado, sobretudo nos Estados mais conservadores, mas nesta ocasião o feitiço virou-se contra o feiticeiro e os eleitores condenaram os abusos dos representantes Republicanos. São os próprios votantes que o dizem: uma sondagem da CNN, feita à boca das urnas, revela dados conclusivos. Instados a responder sobre os temas que mais pesaram para o seu voto, 42% dos eleitores responderam “a corrupção e a (falta de) ética dos governantes” (1º lugar) e 37% apontaram os “valores” – ou o desrespeito por eles – como um factor decisivo.

O dia seguinte (I): o problema do Senado

Doze anos depois, a América votou nos azuis. Extraordinária vitória do Partido Democrata na eleição para a Câmara dos Representantes: aumentou consideravelmente a sua representação, obtendo uma maioria razoável (de momento, 229 eleitos contra 196, 10 ainda por decidir), reconquistou lugares em bastiões Republicanos (Arizona, Geórgia, Kansas, Kentucky) e criou condições para que a liderança da Câmara recaia numa fervorosa liberal – Nancy Pelosi (a primeira mulher a exercer o cargo).

O êxito apenas não foi absoluto devido a uma espinha eleitoral, chamada Senado. Nesta altura, os Democratas garantiram 50 senadores, contra 49 Republicanos. A eleição na Virgínia foi inconclusiva, devido à proximidade dos resultados. O candidato Democrata lidera por escassos 7000 votos (num universo de cerca de dois milhões e meio), o que antecipa a (previsível) hipótese de uma recontagem e o arrastar da decisão para meados de Dezembro. Este resultado é vital para os Democratas, porque, em caso de empate, a Constituição determina que o Vice-Presidente, actualmente o amável Dick Cheney (braço-direito de Bush), seja chamado a votar para desbloquear a situação – equivalendo na prática a igualdade 50-50 a um controlo Republicano.

Mesmo que se registe uma eventual vitória dos Democratas na Virgínia, um problema adicional acrescentará um travo amargo ao seu triunfo. Dois senadores eleitos são contabilizados entre as trincheiras Democratas, mas na verdade, concorreram como independentes. Um deles, Joe Lieberman (Connecticut), é um político de destaque na América, conhecido pelo seu apoio incondicional à intervenção no Iraque. Mesmo em tempos recentes, quando os Democratas se uniram na sua crítica à Administração, Lieberman manteve-se fiel à sua posição, o que lhe valeu o repúdio do Partido e uma corrida eleitoral a solo. É certo que Lieberman deverá votar com os Democratas numa série de temas, mas na política externa a sua orientação estará mais próxima dos Republicanos. Qualquer alteração de fundo nesse domínio – nomeadamente uma nova agenda para o Iraque – terá que passar (também) pelo Senado, onde Lieberman se cotará como um (mais que provável) obstáculo.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Felicidade

A organização do festival de chocolate está a rogar aos portugueses para não aparecerem em Óbidos aos sábados e domingos. A explicação é simples: não cabe mais ninguém do lado de lá das muralhas. O evento dura 11 dias - mais seis do que em 2005 - mas uma hora antes da inauguração já se formavam filas na bilheteira. No meio de todo este absurdo - há gente que viaja três horas de carro para lá chegar - são cinco esculturas em manteiga de cacau, evocando heróis da banda desenhada no interior de uma igreja, o real motivo da excitação.
Haja circo.

terça-feira, novembro 07, 2006

Perigo de contágio

Já só falta o aval da Autoridade da Concorrência para consumar um negócio de milhões: a compra da Portugália pela TAP. Em comunicado, lemos que a PGA deverá manter “a identidade própria, a sua autonomia de gestão e também a normalidade das operações já programadas”. Esperemos que sim.

Na verdade, receio bem que a TAP contamine a Portugália com os seus maus hábitos: permanentes atrasos nas partidas e chegadas; refeições intragáveis; serviços de bordo minimalistas; taxas excessivas; escassos voos com tarifas promocionais; preços exagerados em alguns trajectos (o caso Lisboa-Porto é clamoroso).

segunda-feira, novembro 06, 2006

América a votos

Na próxima terça-feira, realizam-se nos EUA as eleições intercalares. Estão em disputa os 430 lugares da Câmara dos Representantes e mais de 30 assentos no Senado. As sondagens são unânimes: o Partido Democrata é favorito e a maioria Republicana, que tem apoiado as medidas da Administração Bush, deverá sofrer uma pesada derrota. A imprensa lança títulos bombásticos, num perigoso exercício de antecipação: “Crónica de uma queda anunciada” (The Weekly Standard); “Cenários para um fim de reinado” (The Washington Post). Entre nós, o mesmo registo: “O princípio do fim de Bush”, lemos no Sol.

Coloco algumas reservas a este cenário. Julgo que não vai ocorrer um vendaval Democrata, como tem sido vaticinado. É possível que os Republicanos percam o controlo da Câmara dos Representantes (ainda que por uma margem muito curta), mas a alteração de forças no Senado parece-me improvável. As minhas dúvidas devem-se a três razões principais.

Por um lado, o Partido Democrata tem uma deficiente organização. Fruto de uma complexa agregação de várias orientações políticas, a Esquerda americana não fala a uma só voz. O registo de votos no Congresso mostra uma surpreendente falta de sintonia entre os representantes Democratas. As suas principais figuras não reúnem consenso: Nancy Pelosi (líder dos Democratas na Câmara dos Representantes) é uma liberal ortodoxa; Hillary Clinton (Senadora de Nova Iorque) é detestada pela América conservadora; John Kerry seduz apenas na Nova Inglaterra. Em suma, falta consistência aos Democratas e capital político nacional aos seus líderes.

Em segundo lugar, a posição do Partido Democrata em relação à política externa pautou-se inicialmente por uma grande ambiguidade, que ainda hoje leva os americanos a olharem com desconfiança para a sua agenda política nesse campo. A desorientação dos Democratas – que ora votavam no Congresso a favor da intervenção no Iraque, ora protestavam em comícios contra a ilegitimidade do ataque – contrastava com a tenacidade dos Republicanos, que lhes valeu um apoio público maioritário. Hoje, a mensagem Democrata é transmitida em uníssono (contra a guerra do Iraque e a favor de uma retirada progressiva das tropas americanas), mas a incoerência inicial deixou marcas na opinião pública.

Por fim, e pese embora a relevância da “questão do Iraque”, há que ter em conta que a decisão popular é motivada por um conjunto de outros temas. Os eleitores estão particularmente atentos ao impacto económico e social das propostas em discussão e, nesse domínio, os Republicanos parecem estar em vantagem. Num período de recessão mundial, os EUA continuam a mostrar um crescimento económico assinalável e a manter baixos índices de desemprego. Este factor pode ser relevante na definição do sentido de voto dos indecisos. Tal como uma boa parte dos eleitores, este grupo poderá preferir a segurança de uma política familiar, à imprevisibilidade de uma nova agenda.

domingo, novembro 05, 2006

Natal de metal

O mamarracho já está a ser construído. Daqui a uma semana, começa o circo na Praça do Comércio.

sábado, novembro 04, 2006

a arte da fuga, 2

René Magritte, Perspective: Madame de Récamier (de David), 1951

Etiquetas:

sexta-feira, novembro 03, 2006

National Geographic

Recomendo vivamente a edição (portuguesa) de Novembro. Excelentes artigos, produção gráfica imaculada, boas traduções e excepcionais fotografias. Destaques:

- a entrevista ao cientista Alexandre Quintanilha
- o trabalho sobre a Cueva de los Cristales, uma gruta no México que contém os maiores cristais de selenite do mundo (atenção para as belas fotos de Javier Trueba)
- o artigo dedicado aos sacrifícios humanos praticados na antiga cidade de Teotihuacán
- a fotografia de um peixe-sapo nas páginas iniciais
- a reportagem sobre a vida quotidiana e os rituais de acasalamento das rãs-arborícolas-de-olhos-vermelhos (fascinantes animais com que iniciámos a nossa rubrica “o belo e o sublime”).

Até o preço é convidativo: a revista custa um euro.

Etiquetas: ,

quinta-feira, novembro 02, 2006

Vida de bolseiro

A Associação de Bolseiros de Investigação Científica organizou um protesto, chamando a atenção para um problema com raro eco público: a precariedade da condição de bolseiro em Portugal.

Como seria de esperar, a imprensa decidiu lidar com o evento de um modo superficial e sensacionalista. As televisões limitaram-se a mostrar uma série de pessoas a montarem umas tendas de campismo em frente ao Parlamento, “as quais” – dizia a repórter – seriam “símbolo das suas dificuldades”. Em seguida, e depois de registar o protesto “dos jovens bolseiros precários”, a mesma afirma, em tom jocoso: “mas a idade de alguns manifestantes pareceu oferecer dúvidas”. Imagem seguinte: uma senhora nos seus sessenta anos, queixando-se (justamente) de algumas incoerências na atribuição de bolsas. Palavras que, naturalmente, estavam condenadas ao desdém dos espectadores, conduzidos por aquele gracejo jornalístico.

Os jornais seguiram caminho semelhante. O “Público” traz o assunto para primeira página, mas eis que encontramos de novo o mesmo registo: “Serão pelo menos 8000 os bolseiros de investigação científica em Portugal: jovens investigadores que só conseguem passar de bolsa em bolsa, sem conseguirem um emprego a sério”. Aparentemente, os bolseiros andam a jogar ao berlinde. O seu único desejo é conseguirem arranjar um patrão que pague bem e um trabalhito das 9 às 5.

Aparte esta zombaria, diga-se que o protesto falhou na identificação de alguns problemas vitais. Na realidade, houve espaço para um pouco de tudo: reivindicações certeiras (a inclusão do bolseiro no regime geral da Segurança Social), razoáveis, mas discutíveis (a atribuição de subsídio de férias) e francamente exóticas (o pagamento de um subsídio de desemprego, quando a bolsa terminar).

No meu entender, não se mencionaram as duas principais lacunas do Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica.

Por um lado, o facto de as bolsas não serem actualizadas regularmente. A última revisão ocorreu no já distante ano de 2002. Com o crescimento da inflação, e por vias do seu congelamento, as bolsas sofrem anualmente um decréscimo significativo em relação ao custo de vida – o que contribui para o adensar da precariedade do bolseiro.

Por outro, a impossibilidade de os bolseiros contraírem empréstimos bancários. Apesar de previstas para um tempo relativamente longo (na sua maioria de 4 a 6 anos), as bolsas são sujeitas a uma reapreciação anual. Perante este cenário, os bancos dificultam – ou pura e simplesmente rejeitam – a concessão de empréstimos de médio ou elevado valor. Era fundamental que o Estado estabelecesse um protocolo com as entidades bancárias para moderar o processo. Afinal, os bolseiros às vezes andam de carro e, diz-se por aí, também gostam de comprar casa própria.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Finados


"Volver" (opening), Pedro Almodóvar, 2006

Coisas que fazem rir

Público”, 31 de Outubro, secção de Economia (mas também podia ser na Política Nacional, na Cultura ou nos Insólitos), página 41:

“O director de serviços do IVA e presidente da Assembleia Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Nunes dos Reis, decidiu utilizar o e-mail da Direcção-Geral dos Impostos para angariar fundos para a banda musical da terra onde é autarca. Na mensagem enviada (...) Nunes dos Reis começa por admitir que não pediu autorização para utilizar o e-mail institucional do fisco, mas diz-se convicto que não ‘seja um abuso’. Depois, começa a justificar o pedido: ‘A Banda é um dos poucos veículos de cultura que existem em Freixo e é constituída, na sua maioria, por jovens que nela dão azo, dum modo materialmente desinteressado, à divulgação da música e ao entretenimento saudável das populações’. Ora, tendo em conta as recentes intempéries, a banda sofreu prejuízos ‘num montante que se cifrará em cerca de 150.000 euros’. Assim, Nunes dos Reis solicita a ajuda dos seus colegas (...) ‘para que a Banda de Freixo, no próximo Natal, possa reiniciar as suas actuações, com novos instrumentos e novas fardas’.

Como dizia o outro, se Portugal não existisse, tinha de ser inventado.

Etiquetas: ,