Pode não se gostar da personagem. Pode não se gostar do percurso político nem da ideologia. Pode não se gostar da forma como promove a ecologia através de uma agenda mediática. Pode não se gostar que tenha recebido o Nobel da Paz. E pode não se concordar com as suas teses acerca das alterações climáticas e da degradação do ambiente. Mas, por favor,
não permitam que esta antipatia desemboque numa deturpação dos factos.
Nas últimas horas, choveram críticas um pouco por todo o lado. A direita conservadora – talvez porque lhe custe abdicar dos seus hábitos aristocráticos – apressa-se a desvalorizar a causa ambiental e a ridicularizar o “aquecimento global” (vejam
aqui, por exemplo). A esquerda revolucionária – melhor,
o Partido “Os Verdes” – critica a atribuição do prémio (ah, ecologistas!), dizendo que o contributo de Al Gore para a causa ambiental resulta de um
“mediatismo que decorre de um posicionamento de tensão ao nível económico” (uma daquelas tiradas fascinantes,
made in 1917). Por outro lado, os verdes mais vermelhos deste país afirmam que
“Al Gore não fez das alterações climáticas uma bandeira na sua campanha. Isso só veio numa fase posterior, através do filme Uma Verdade Inconveniente”.
Não se trata de uma afirmação nova; a imprensa tem veiculado com frequência
a ideia de que Al Gore se converteu recentemente à causa ambiental, com o propósito de relançar a sua carreira política.
Nada mais falso. Não sei se Gore ainda tem aspirações políticas (é possível que sim), mas a sua dedicação à ecologia não tem dois, nem três, nem cinco anos.
Desde o final dos anos 70 – numa altura em que poucos sabiam sequer o que eram os problemas ambientais –
que Gore tem lutado pela causa ecológica.
Começou por promover sessões de esclarecimento no Congresso sobre as alterações climáticas, durante toda a década de 80. Escreveu artigos na imprensa alertando a opinião pública para os perigos da crise ambiental. Lançou programas educativos na Internet e nas escolas, para consciencializar os jovens para os problemas ecológicos.
Em 1992 publicou “Earth in the Balance”, um dos mais notáveis textos da década de 90 sobre a crise ambiental.
Defendeu com veemência o Protocolo de Quioto, cuja aprovação foi bloqueada pelo Senado. Propôs dezenas de pacotes legislativos referentes à protecção do ambiente. Durante vinte anos, fez centenas de conferências por todo o mundo publicitando a causa ecológica e alertando para os perigos das alterações climáticas.
Há quem não goste do senhor. Há quem o considere ambicioso e arrogante. E há quem considere que o aquecimento global é um mito. São opiniões legítimas e que respeito. Mas
que ninguém o apelide de “arrivista”; que ninguém considere que a sua dedicação à causa ambiental é uma manobra de ocasião – pois trata-se, para o bem e para o mal, da luta de uma vida.