segunda-feira, abril 30, 2007

Duvidança Especial (13)

- Conseguirá o youtube conter a generalidade das minhas cenas cinematográficas preferidas?

sábado, abril 28, 2007

Coisas que fazem rir, 9

Uma questão de consciência

Num programa recente da RTP N sobre saúde, discutia-se o problema da “hipocondria” (um tema predilecto deste vosso escriba). Perante o testemunho de um doente – que reconhecia ser hipocondríaco – um médico afirmou: “este reconhecimento é um passo fundamental para se superar a doença”. Nada mais falso. O hipocondríaco não vê a hipocondria como um estado clínico objectivo, que eventualmente poderá ser alvo de tratamento. Ao invés, a hipocondria surge para o hipocondríaco como mais um sintoma de que ele é, efectivamente, uma pessoa muito doente.

sexta-feira, abril 27, 2007

o belo e o sublime, 13

Hipopótamo, Botswana

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quinta-feira, abril 26, 2007

A teologia negativa continua a dar cartas

Memórias de Abril

No 25 de Abril, para não variar, fomos inundados com propaganda comunista e palavras de ordem, a que se opuseram os habituais protestos saudosistas do regime fascista. Onde estão os moderados? Na televisão certamente que não. Os canais generalistas limitaram-se a alimentar o monstro da “nostalgia”, que ameaça transformar o 25 de Abril numa recordação bolorenta e dispensável. A TVI apostou na velha guarda: Júlia Pinheiro entrevistou Paulo de Carvalho, Carlos Mendes e Fernando Tordo, ao longo da tarde. A RTP presenteou-nos com o insípido “Capitães de Abril”, filme penoso e documento histórico duvidoso. A SIC não esteve para isso e apostou em telenovelas e em “Betty Feia”.

Talvez no próximo ano possa surgir alguém num canal televisivo que consiga explicar o que esteve em causa – sem violinos de fundo, sem apelos à lágrima fácil e sem mencionar os termos “revolucionário”, “fascista” ou “cravos”: que o 25 de Abril representou o triunfo das liberdades individuais e a instauração plena de um regime democrático, sem os quais o nosso progresso como país, como sociedade política, e como seres humanos, estaria para sempre ameaçado.

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Duvidanças de uma mente curiosa, 24

A propósito de Pina Moura e do discurso de Cavaco Silva na AR:

- Segundo noticia aqui o Público, disse Cavaco Silva no dia 25 de Abril ser necessária "uma clara separação entre actividades políticas e actividades privadas, [e] que as situações de conflito de interesses sejam afastadas por imperativo ético e não apenas por imposição da lei". Daqui se infere (1) que Cavaco Silva acha que há alguma promiscuidade entre o representante público e o interesse privado, (2) que a lei do Estado é por si mesma impotente e insuficiente para evitar tal promiscuidade, (3) que há um plano ético de normatividade imperativa que se sobrepõe à legislação estadual, (4) que esse plano ético exige a ausência de uma tal promiscuidade, e (5) que o cumprimento desse plano ético pelos nossos representantes políticos é não só possível, mas também condição inevitável para a boa representação política. Ora, a partir daqui, pasmo em vários níveis:

1) Se o próprio PR, que é o topo constitucional da representação política portuguesa, consegue interpretar o excesso de incapacidade pelos representantes políticos de captarem o que seja o interesse público, como é possível que o órgão representativo por excelência da nossa organização jurídico-política não o consiga fazer?

2) A maioria dos deputados portugueses tem formação universitária jurídica, e muitos deles acumulam funções de representação pública com funções liberais de representação privada. Desde miúdo que não compreendo isso, e ainda hoje o não compreendo: se o advogado, por definição, é aquele que representa alguém perante outrem, então quando o faz não pode representar o outrem, mas tão só o seu representado. Como é que nesses casos consegue ainda ser o representante de todos? Ou talvez seja representante de todos das 9h às 14h, e das 15h às 21h seja representante só dos que podem pagar bem por uma procuração...

3) Como é possível que o regime de incompatibilidades dos deputados seja fiscalizado usualmente por comissões parlamentares compostas por... deputados?

4) Se o Estado não consegue pela força do direito anular uma tal promiscuidade de interesses, será porque tal se não encontra no elenco do que lhe é possível efectivamente fazer, ou será porque pura e simplesmente fá-lo mal?

5) Entender Cavaco Silva usando expressões como "imperativo ético", tresandando a filosofia, é para mim equivalente a assistir a um porco-espinho brincando com um balão. Aristóteles, desde logo, entre muitos, discordaria de Cavaco Silva nessa sobreposição de um plano sobre o outro, dizendo precisamente o oposto. Ademais, porquê invocar um plano de normatividade ética quando falha a normatividade jurídica? Não haverá um plano intermédio, mais relevante, aqui invocável?: o da necessidade política? É que se a multidão votante se não acha representada nos seus votados, cada vez deles mais se distanciará; o Estado burocrático vai perdendo paulatinamente a sua base democrática; os excluídos constituir-se-ão como oponentes; a união faz a força, e o aumento dos excluídos dá-lhes mais força; e qualquer dia os pseudo-representantes vêem o chão fugir-lhes debaixo dos pés, e não percebem porquê. Um Estado representativo que não representa é um Estado caduco. Não é enfim do interesse dos representantes o representarem para se manterem seguramente como representantes?

6) Falando a sério: os políticos portugueses abandonando o chico-espertismo, e a passarem a regular as suas vidas por "imperativos éticos" não é pensar que vivemos na Idade de Ouro de poetas como Hesíodo e Ovídio?

quarta-feira, abril 25, 2007

Auf Wiedersehen

Pedro Arroja deixou o Blasfémias. O enfant terrible da blogosfera, especialista em argumentos falaciosos e generalizações simplistas, acabou traído pelos seus pares blasfemos, após um post anti-semita, onde se podia ler "(...) os intelectuais de cultura judaica são sempre mais fieis à sua cultura do que à verdade e, em caso de conflito entre ambas, optam pela primeira em detrimento da segunda - e sem hesitação”.

Nada que não se esperasse: há vários meses que o professor Arroja nos vem brindando com a sua peculiar visão de extrema-direita, assente no binómio autoridade/poder, na defesa incondicional de uma moral conservadora e uma visão social e política bafienta e caduca. Sem surpresas, os seus posts geravam largas dezenas de comentários, mas parece-me evidente que nem esta ideologia, nem a sua subversiva lógica argumentativa deixarão saudades. Deixo-vos com uma selecção de algumas preciosidades redigidas pelo professor, num post intitulado “Dona”, que vai perdurar como um momento ímpar na história da blogosfera portuguesa (sublinhados meus):

“(...) uma família de tradição católica é um sistema de autoridades hierarquizadas e especializadas, competindo à mulher o governo da casa, de que ela é a autoridade executiva, e competindo ao homem assegurar o sustento da casa, de que ele é a autoridade suprema, embora meramente simbólica.

Em consequência, a mulher da tradição católica desenvolveu ao longo dos séculos uma capacidade para, ao fim do mês, e em nome do governo da casa, despojar completamente o marido de tudo quanto ele ganha - e só às vezes condescendendo em que ele guarde uma pequena parcela para as suas despesas pessoais. Aos olhos do homem católico, a sua mulher é uma mulher cara, levando-lhe invariavel e religiosamente o vencimento por inteiro ao final de cada mês. (...)

O tratamento de jóia que o marido de tradição católica por vezes consagra à sua mulher está lá para lhe lembrar permanentemente que ela lhe custa os olhos da cara, e não tem correspondente em tratamento semelhante no mundo anglo-saxónico.

A forma como ele popularmente se refere a ela perante terceiros, como sendo a patroa, ilustra bem que, lá em casa, quem controla o dinheiro é ela, não ele. O título de Dona que a mulher da tradição católica adquire com o casamento revela que tudo aquilo que existe em casa é dela porque foi comprado por ela - embora quase sempre, e às vezes exclusivamente, com o dinheiro do marido.”

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terça-feira, abril 24, 2007

O voto francês

A primeira volta das eleições francesas não produziu grandes surpresas, com a excepção dos níveis de participaçãoverdadeiramente assombrosos (84%), num país onde os cidadãos parecem geralmente cansados da política. Sarkozy foi o mais votado (31%), superando largamente o resultado de Chirac em 2002 (mais 12%, correspondente a quase 6 milhões de votos). Seguiram-se Ségolène Royal (25,9%) e François Bayrou (18,5%). A primeira, campeã das frases vazias, defensora dos bons costumes e encarnação política da estética da SIC Mulher, segue para a segunda volta. Pelos vistos, mais de 9 milhões de franceses anseiam por uma governante especializada em tiradas monossilábicas e discursos vagos.

Bayrou, o “candidato centrista”, optou por não se comprometer com uma concepção política, adoptando uma retórica próxima da teologia negativa: “eu não sou de esquerda nem de direita”; “eu não sou nem a favor nem contra a Constituição europeia”; “eu não defendo nem ataco a imigração”; “eu não gosto de fiambre nem de ovos mexidos”. A ambiguidade valeu-lhe quase 7 milhões de votos.

A paixão francesa pelos discursos obscuros puniu naturalmente os ideólogos mais comprometidos. Os extremistas sofreram pesadas derrotas: Le Pen não chegou aos 11 % e perdeu um milhão de votos em relação a 2002. Os múltiplos candidatos da extrema-esquerda, incluindo anarquistas, trotsquistas e comunistas – que habitualmente têm uma boa base de apoio em França – tiveram resultados insignificantes.

A segunda volta decidir-se-á, como é costume, ao centro. Os apoiantes de Le Pen tenderão a votar Sarkozy, mas muitos não irão às urnas. A esquerda mais radical odeia Sarkozy, mas detesta igualmente Ségolène, a quem acusam de trocar o socialismo por um ideal conservador. De um modo geral, ficarão em casa no dia 6 de Maio. Em causa estão, por conseguinte, os 6 milhões e 800 mil votos de Bayrou, que Sarkozy e Ségolène cobiçarão nos próximos dias. Os media aguardam uma tomada de posição do candidato centrista, cujo apoio poderia ser decisivo na 2ª volta. No entanto, tendo em conta a tendência de Bayrou para não se comprometer politicamente, é bem provável que nunca se ouça uma declaração definitiva. Um palpite pessoal: ou Ségolène se decide, de uma vez por todas, a defender uma ideia que seja, ou Sarkozy, mais resoluto, mais claro, mais audaz – embora menos popular – conseguirá o lugar no Eliseu.

:: Resultados aqui. Para uma análise e acompanhamento mais pormenorizado dos resultados e sondagens, recomendo o Margens de Erro.

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segunda-feira, abril 23, 2007

Produtos Seleccionados

1. “Afinal, as comissões parlamentares podem servir para alguma coisa”, no Diplomata. Uma análise de um procedimento político comum nos EUA – as audições no Senado – como modelo de um saudável escrutínio público dos agentes governativos.

2. “Uma brecha”, no Ângulo Saxofónico. Um texto extraordinário acerca do que está – e sobretudo do que não está – em causa no massacre na Virginia Tech: a “impotência hermenêutica” e a experiência do indizível.

3. “O poder político na Ilíada”, no Juízo do Ega. Uma interessante leitura política da Ilíada, em torno do direito divino dos reis – o fundamento doutrinário de uma visão monárquica do poder.

4. “O incomparável”, no Arrastão. Um comentário lúcido sobre a disparatada intervenção de Mário Soares, na qual sustentou a tese da cabala relativamente ao caso da “licenciatura de Sócrates”, estabelecendo um paralelo com Ferro Rodrigues e o processo “Casa Pia”.

5. “Eu oposito, tu opositas, ele oposita (parte II)”, no Cachimbo de Magritte. Uma proposta para renovar a natureza da oposição em Portugal, insistindo na necessidade de providenciar novos instrumentos políticos aos partidos que não estão no poder, a fim de potenciar a dimensão construtiva da sua acção crítica.

6. “O plano”, no Notas ao Café. O incrível impacto que um cartoon – na sua impressionante simplicidade – pode transmitir.

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domingo, abril 22, 2007

Duvidança Especial (12)

(Clicar na imagem para ver filme)
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Hara-kiri?

É espantoso que os militantes de um partido de Direita – que faz da defesa de valores, do respeito pelos bons costumes e da apologia dos comportamentos éticos elementos essenciais do seu credo político – tenham hoje eleito para seu líder um homem que praticou uma das maiores canalhices políticas de que há memória.

Portas pode ser melhor orador que Ribeiro e Castro, mais mediático, mais acutilante nas suas críticas e mais objectivo na definição das suas propostas. Pode ser mais famoso, mais popular entre os media e ter melhor instinto político. Mas o que fez ao longo destes dois anos – planeando manobras de bastidores para minar a legítima liderança de Ribeiro e Castro, e engendrando artimanhas políticas de forma a manipular uma oposição interna sem nunca dar a carafoi um truque demasiado baixo. Que o desonra, e que desonra aqueles que nele votaram nas Directas do CDS-PP.

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sábado, abril 21, 2007

Jornalismo maniqueísta

O João Caetano Dias tem toda a razão: a cobertura jornalística das eleições em França demonstra uma parcialidade e um facciosismo político inaceitáveis.

Ségolène Royal é apresentada como o rosto da “Esquerda Moderna” (seja lá o que isso for), mulher bonita, decidida, inteligente, com um programa social adequado às exigências dos novos tempos, atenta à globalização e aos problemas internacionais, mas compassiva com as dificuldades dos franceses que mais sofrem. A salvação da França – ouvimos e lemos repetidas vezes nos órgãos de comunicação social – depende da sua eleição. Pouco importa a esta gente que Ségolène Royal seja a absoluta negação da política, uma oportunista que se limita a debitar vacuidades, tudo envolto num look muito moderno, muito snob, muito Lux. Mas, claro, nada como uma candidata fashion para animar o jornalismo sedento de eventos mediáticos.

Sarkozy, pelo contrário, reúne todos os defeitos do mundo. É arrogante, antipático, autoritário e pouco dado a vernissages. É contra os estrangeiros, despótico com os jovens e indiferente às velhinhas. Está-se nas tintas para os problemas sociais. Não quer saber dos conflitos internacionais. Anseia pelo poder, para se servir do poder. É auto-centrado, egoísta, vaidoso. Os portugueses em França não gostam dele e ele não gosta dos portugueses em França. É uma espécie de Le Pen, mas um Le Pen menos detestável – assim como um lobo mau com consciência moral. Méritos que justifiquem a liderança nas sondagens? Nenhuns. Tudo se deve à “propaganda” e ao “ideal extremista” que reina em alguns sectores da sociedade francesa.

Curiosamente, os jornalistas que veiculam este ridículo maniqueísmo são os mesmos que zombam diariamente da visão do mundo defendida por Bush, que tanto gosta de dicotomias e análises simplistas. Vá-se lá perceber.

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sexta-feira, abril 20, 2007

Alvo de uma "campanha negra"...

... injusta, despropositada e "pessoal".

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quinta-feira, abril 19, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 23

A propósito de livros e textos:

1) Pierre Bayard, no seu novo polémico Comment parler des livres que l'on n'a pas lu?, divide os livros em quatro categorias, os que não lemos, os que folheamos, os que lemos e esquecemos, e os dos quais apenas ouvimos falar. O mais estranho nesta categorização está na ausência das duas categorias que entendo como mais importantes: a dos livros que lemos e nos lembramos até de passagens inteiras, e a dos livros que nem nos lembramos de ter lido ou não. Esta última sempre me assustou imenso: não me lembrar se li o livro x ou y... Concebo ter lido livros que não sei se li. Onde estão as minhas horas mortas desses livros perdidos?

2) Aqui há uns anos não encontrava melhor lazer que uma boa leitura. Então via os livros como libertadores, potenciava-me na leitura de um livro. Hoje, que fiz da leitura de livros o meu mister, enfado-me com facilidade e não sinto liberdade alguma neles, talvez até o oposto ("Ai, que prazer/ter um livro para ler/e não o fazer"). Reparo aliás que os meus momentos mais felizes são os da pós-leitura. Onde reside então a libertação da leitura?: no debruçar-se sobre o livro ou no erguer-se do livro?

3) Em dias recentes, a minha mulher quis ler um clássico no seu vaivém diário no comboio. Para tal pediu-me conselho. Orgulhosamente, tentei ser prestável, mas não consegui. Todos os meus clássicos preferidos na estante são uns calhamaços enormes e grossíssimos, brutamente pesados, não muito aconselháveis para enfiar debaixo do braço. Quando é que as editoras portuguesas se lembram de publicar os livros em multiformatos (hardback e paperback e bolso)?

4) No filme Der Himmel über Berlin [As Asas do Desejo], de Wim Wenders, há uma personagem que afirma para si, pensando em off, a ideia de nunca ter havido quem conseguisse escrever uma epopeia da paz. É verdade que os Poemas Homéricos fizeram encalhar a epopeia na violência, assim enquadrando-a para os vindouros. Mas também é verdade que é difícil não encontrar uma espécie de hino à paz no Paradiso de Dante. Será da natureza do épico ser incompatível com a paz?

5) Por falar em poemas épicos, porque é que eles deixaram de ser escritos? Ou talvez a época pós-moderna tenha continuado a escrevê-los, mas agora disfarçados. De qualquer das maneiras, ou padeceram de morte ou de transfiguração. Se de morte, será possível ressuscitá-los? E se de transfiguração, como reconhecê-los?

Os EUA e as armas (II)

No post anterior referi-me às potenciais interpretações do Segundo Aditamento da Constituição americana, e de como a recuperação de uma leitura “limitativa” do mesmo poderia ajudar a resolver parcialmente o problema do excesso de práticas violentas cometidas nos EUA.

O comentário do André a esse post trouxe um relevante segundo ponto de vista: se o Aditamento em causa é equívoco, e se a interpretação “extensiva” (aquela que o lê como um direito indiscriminado à posse e uso de armas) triunfou historicamente, por que não alterar essa disposição constitucional?

Eis uma questão delicada, que remete para a dimensão mítica da Constituição americana, cuja imutabilidade tem sido decisiva para manter agregada a nação norte-americana. É bom recordar que falta aos EUA um passado histórico e uma narrativa mitológica que lhe sirva de fundamento simbólico – como sucede na esmagadora maioria dos países europeus. Sendo um país recente, e sem uma cultura singular (tendo emergido de um caldo cultural com raízes europeias, americanas e africanas), os EUA necessitaram de forjar os seus próprios símbolos. Cedo os americanos encontraram em George Washington a sua referência humana (homem de virtudes, patriotismo, coragem e liderança exemplares) e na sua Constituição o modelo político, capaz de unir os diferentes interesses e aspirações dos Estados e simultaneamente orientar a jovem nação para a posteridade.

A Constituição previa a eventualidade de serem adoptadas alterações – e logo no seu segundo ano de existência dez Aditamentos (a Carta de Direitos) foram aditados. Todavia, com o passar dos anos – e num contexto histórico em que as divergências entre os Estados eram extraordinariamente sentidas (até à Guerra Civil de 1861-1865) – a Constituição veio a assumir justamente uma índole quase sagrada, como se ela fosse a última barreira que impedia que a frágil União cedesse. Carente de referências políticas congregadoras ou verdadeiramente nacionais, o povo americano encarava a Constituição como a encarnação da própria unidade dos Estados, conferindo-lhe uma dimensão sagrada que a tornou quase intocável.

Trata-se de um sentimento que se prolongou até aos nossos dias. Desde 1791 (quando a Carta de Direitos foi incorporada), a Constituição americana sofreu apenas 18 Aditamentos. No mesmo período, a França já teve 30 Constituições distintas. Em apenas 33 anos, Portugal aprovou sete revisões constitucionais. Sem comparação com qualquer outro caso mundial, a Constituição americana transformou-se num instrumento intangível, e em certa medida intocável. Podemos julgar que essa inalterabilidade prefigura uma inevitável caducidade, mas para os americanos é justamente o seu carácter sagrado e quasi-imutável que lhe confere eficácia e que a perpetua.

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terça-feira, abril 17, 2007

Choque tecnológico

A Repartição de Finanças do meu Bairro Fiscal está de cara lavada. É verdade que persiste um curioso cheiro a mofo, que não existem cadeiras suficientes nem ar condicionado, e que os guichés abandonados e os funcionários impacientes continuam por lá, mas a Repartição está agora equipada com um novo painel electrónico, facilitando a contagem de senhas e a chamada dos utentes.

Quando notei que tinha na mão o D105, e vi no dito painel D90, exultei – prevendo ingenuamente uma visita curta. Vinte minutos depois ainda estava no D91, e uma hora mais tarde andávamos pelo D95. De súbito, uma voz abatida apregoa: “F78! F78!”. Não deve ser nada comigo. O F78 foi lá abaixo pôr dinheiro no parquímetro, responde alguém. Nesse caso, é melhor esperar por ele, suponho. O funcionário acha o mesmo, aproveitando para esclarecer que o painel deixou de funcionar: o computador hoje não quer trabalhar, justifica. O malandro.

São quase 4 da tarde e a malta quer ir para casa. Os guichés são ocupados com rapidez e os procedimentos aceleram. A juntar ao calor insuportável que se sente na sala – a que acresce o indispensável cheiro a suor – ouve-se agora um coro extraordinário: “G36! C12! Alguém viu o C12? Senha azul! Senha azul!”. Uma senhora idosa chega-se à frente: “Eu sou o B12”. “Não é o B12, é o C12!”. Pronto, pronto, não se enerve. Um jovem acorda de um sono profundo e clama ser o proprietário do D99. Pena já irmos no D103. O jovem protesta: “isto é uma merda!”. As velhotas indignam-se, os funcionários queixam-se do painel, que continua bloqueado. A confusão está instalada, a senhora do F78 ainda deve andar de volta do parquímetro, são 16 e 25. “Nunca mais chego a casa”, lamenta a funcionária que trata do IVA.

“D105!”, ouço. A redenção chega tarde, mas estou salvo. Uma Repartição de Finanças com cinco guichés conseguiu atender 21 pessoas numa hora e cinquenta minutos. Depois queixam-se da fuga ao fisco.

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domingo, abril 15, 2007

Duvidança Especial (11)

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sábado, abril 14, 2007

a arte da fuga, 10

Marc Chagall, Loneliness, 1933

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sexta-feira, abril 13, 2007

Os deveres (especiais) dos militares

O Ministério da Defesa inglês autorizou os marinheiros que estiveram presos no Irão a concederem entrevistas pagas. Os tablóides rejubilaram com a hipótese de revelarem as amarguras dos militares, e os ex-reféns aproveitaram para aumentar as suas contas bancárias. Uma das prisioneiras já arrecadou 100 mil libras por uma mera entrevista ao The Sun. O episódio provocou polémica na Grã-Bretanha, tendo a opinião pública condenado estes “negócios indignos”.

Pode discutir-se se esta forma de lucro é legítima, ou se era preferível que o Governo tivesse impedido esse aproveitamento. Trata-se, todavia, de uma questão secundária – que se debruça sobre o veículo da mensagem e sobre uma eventual forma de o condicionar – e não sobre os deveres propriamente ditos do mensageiro. Este é o problema fundamental: os militares são um grupo especial no seio da organização nacional, com responsabilidades acrescidas. A segurança de um país depende, em última instância, da sua eficácia e competência, e para que estas não sejam comprometidas, os militares estão ao corrente de informação confidencial e têm acesso a documentos e instrumentos vedados aos cidadãos comuns.

Pode argumentar-se que os militares também são pessoas “normais”, com aspirações sociais idênticas aos restantes cidadãos. No entanto – justamente pelo papel decisivo que desempenham – os militares têm igualmente deveres adicionais. Não espanta que os marinheiros ingleses reclamem o direito de lucrar com a triste situação que viveram: na sociedade actual, mesmo os grupos privilegiados entendem que a liberdade equivale a um pleno usufruto de direitos. Esquecem que há direitos onde existem deveres; e que, quanto mais relevante o papel social de um indivíduo/grupo, mais pesadas e relevantes são as suas responsabilidades.

Não por acaso os militares são um grupo de elite, sujeitos a um duro regime de preparação e a uma organização hierárquica que deve ser solenemente respeitada. Espera-se deles um comportamento exemplar e um cumprimento estrito dos seus deveres, que honre os mais elevados valores e princípios morais e dignifique a pátria que servem.

O problema não reside, pois, em saber se o Ministério da Defesa deveria ou não ter proibido as entrevistas pagas. O essencial do caso é questionar se o direito dos militares em lucrar com a situação militar em que se viram envolvidos – dando entrevistas pagas a jornais – não entra em conflito com o seu dever em honrar esses valores e princípios, e em proteger a integridade das Forças Armadas. E uma análise fria do caso não pode deixar de concluir que esse comportamento não apenas envergonha individualmente os militares, como fragiliza e desonra a nação que juraram defender e preservar a todo o custo.

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A entrevista

O melhor texto da blogosfera sobre a entrevista de Sócrates é este, do Pedro Correia, no Corta-Fitas, que passo a reproduzir (sublinhados meus):

"Ilude-se quem pensar que José Sócrates passará incólume do extenso rol de dúvidas suscitadas pela sua licenciatura na desprestigiadíssima Universidade Independente. As três semanas de pesado silêncio que manteve face às notícias que iam saltando para o espaço público terão repercussões inevitáveis na sua imagem, como aliás se verá.
Da entrevista de ontem à RTP ressalta uma ideia nítida: Sócrates convive muito mal com a crítica. Reage com arrogância e sobranceria às legítimas questões que lhe são dirigidas, por mais simples que sejam, percebendo-se que está pouco ou nada habituado a que o enfrentem de olhos nos olhos. Será talvez instinto de «animal feroz», como ele próprio se definiu numa memorável entrevista ao Expresso. Mas falar com manifesto desdém da «blogosfera», equiparando-a a um vespeiro de intrigas, sem atentar que vários dos seus camaradas de partido são responsáveis por alguns dos blogues mais influentes em Portugal, é algo indigno de quem tanto gosta de proclamar a necessidade de acertarmos o passo com o futuro na sociedade da comunicação.
Este Sócrates inchado de soberba e auto-suficiência, incapaz de aceitar críticas, constitui a pior face de um primeiro-ministro que tem revelado capacidade de decisão e competência política. Só lhe faltou dizer: «Deixem-me trabalhar!» Com a devida vénia a Cavaco Silva".

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quarta-feira, abril 11, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 22

A propósito do Bilhete de Identidade:

1) Porque é que o BI é tão grande que mal cabe na maioria das carteiras de uso masculino?

2) Porque é que o BI é um mero pedaço de papel plastificado, e não um verdadeiro cartão?

3) Qual a utilidade da impressão digital do BI num país que não tem sequer uma relevante base de dados de impressões digitais dos seus cidadãos que já foram prevaricadores penais?

4) Por que diabo é que surge a ascendência do cidadão no seu BI? Se colocarmos dois BIs de dois cidadãos lado a lado, e um deles for órfão, não estará aí um indício de discriminação em função de uma condição social? Ademais, porque é que o BI identifica, para uma pessoa casada, com filhos, o agregado familiar a que já pertenceu, e não o agregado familiar a que pertence agora? Se eu sou casado, onde está o nome da minha mulher na minha identificação? E porque não os nomes da minha descendência directa? Por outras palavras, enfim, qual a utilidade, para uma pessoa adulta, de ter o nome da sua ascendência directa no seu BI?

5) Qual a relevância de identificar a freguesia de nascimento do cidadão?

6) Qual a relevância de identificar, quanto ao domicílio do cidadão, tão só a cidade onde este se encontra? Identifica isto coisa alguma, especialmente para quem vive num centro urbano? Para lá ter escrito apenas "Lisboa", mais vale nada ter... Ademais, o que escreverá um sem-abrigo nesta parte do seu BI?

7) Qual a relevância da medida da altura do cidadão? Alguém identifica alguém em função da sua altura? E porque não também o peso, a cor dos olhos, ou o comprimento do dedo polegar?

8) Que quer dizer afinal aquele número isolado junto à data de emissão, que quase ninguém sabe explicar? Qual a relevância desse número, e, mais importante, o que é que ele identifica num papel que é suposto identificar algo?

9) É assim tão importante ter um BI? Os ingleses parecem ter sobrevivido até hoje sem dele necessitarem... E será que o malfadado cartão único resolverá estes problemas? É que, até ver, parece que poderá agravá-los, juntando num só cartão ainda mais informação inútil e inadequada (a sua única grande virtude parece ser a de prevenção de escolioses nos cidadãos, encolhendo-o em cartão)...

terça-feira, abril 10, 2007

De Santa Justa ao Recife

Um fim de tarde solarengo e um passeio pela Baixa. Num impulso improvável, o desejo de utilizar o elevador de Santa Justa e usufruir de uma panorâmica inimitável. O serviço desenrola-se com rapidez e eficiência. O elevador, velhinho, mas pitoresco, cumpre a sua função. Nos andares intermédios, admira-se a minuciosa construção de ferro. Para chegar ao topo é preciso subir uma apertada escada em caracol. Apesar dos muitos turistas, a ascensão processa-se com civismo e tranquilidade. Lá no alto espera-me uma vista desafogada, a indescritível luz de Lisboa, o Tejo de um azul transbordante, as casas que serpenteiam entre as colinas da cidade, as ruínas do Carmo, o Castelo, sobranceiro, e a Baixa pombalina, indiferente aos que a olham, lá do alto.

O que pode estragar este cenário idílico? A brilhante ideia de instalar num miradouro exíguo um café e uma esplanada, com várias mesas e cadeiras, empilhando os turistas e empurrando os que chegam para uma sucessão de atropelões, “com-licenças”, “excuse me”, “perdón!”. Não basta? Junte-se então uma banda brasileira, cantando clássicos do Nordeste ao som do violão. Tudo devidamente projectado em colunas potentes. A vista desafogada dá lugar a uma luta pela sobrevivência, pois só penso em agarrar-me com firmeza ao corrimão. Os empregados, que circulam como se nada fosse, abalroam um casal de idosos alemães. Mas o espectáculo prossegue, indiferente. Na confusão, alguém me fala. Pedem-me qualquer coisa. Ajuda, será? Pena eu estar surdo e em pânico.

Definitivamente, Portugal tem uma visão muito peculiar sobre a preservação do seu património.

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segunda-feira, abril 09, 2007

Um americano em Paris

A tradição iniciada por Chateaubriand e Tocqueville ensinou-nos que os europeus são excelentes observadores da América. Mas também existem bons exemplos do contrário, i.e., de americanos que entenderam muito bem fenómenos ocorridos no Velho Continente. Sirva de exemplo uma notável carta datada de 29 de Outubro de 1795, na qual James Monroe – então embaixador americano em Paris e futuro 5º Presidente dos EUA – procura descrever ao seu amigo James Madison o regime de Robespierre, que terminara abruptamente alguns anos antes.

A uma longa exposição, Monroe prefere uma sucinta ilustração, concisa, mas acutilante e fecunda: “No regime de Robespierre, a que bem se chamou terrorismo [terrorism], (...) a questão universalmente proposta era saber quem era terrorista, quem era jacobino, quem era insurgente e quem era anarquista, pois todos estes termos pareciam sinónimos”. Na tentativa de criar um regime impoluto, um sistema político puro e perfeito – inclusive através de um Comité de Saúde Pública – Robespierre originou um monstro moral, onde a diversidade e o pluralismo foram substituídos por uma única dinâmica pública, um único modelo teórico, de obrigatória implementação. Emergiu assim, não a figura de uma “vontade geral” virtuosa e imaculada, mas uma turbamulta violenta e febril.

Monroe soube descrever como poucos o problema de fundo do sonho revolucionário francês: porque a política é feita de homens e para os homens, a idealização de um mundo perfeito não passa de uma perigosa quimera. Talvez não fosse pior que os actuais líderes americanos reapreciassem esta mensagem de um dos seus Pais Fundadores.

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domingo, abril 08, 2007

Coisas que valem a pena, 11

Coleccionar relógios.

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sábado, abril 07, 2007

E entretanto, na República das Bananas...

Numa altura em que se multiplicam as notícias sobre a manipulação de documentos na Universidade Independente, a abstinência de Sócrates nas aulas da Licenciatura e as irregularidades no seu processo, eis que surge o Professor António José Morais a clarificar a situação. O dito Professor, que leccionava quatro (!) das cinco cadeiras frequentadas por Sócrates, garante que o actual primeiro-ministro era um aluno dedicado e com grandes capacidades, que completou as ditas cadeiras à custa de grande afinco.

Tudo isto seria normal não fosse o cabaz de informações adicionais que se segue: não é que o Professor António José Morais fez parte dos governos socialistas, não uma, mas em duas ocasiões? Não é que na primeira vez, foi demitido escassos meses depois de entrar ao serviço do Ministério da Administração Interna, onde coordenava o Gabinete de Estudos e Planeamento de Infra-Estruturas? Não é que o Professor foi demitido e acusado de estar envolvido em irregularidades na adjudicação de empreitadas na Quinta de Santo António – pelas quais nunca viria a responder em tribunal, depois do futuro ministro do MAI, Severiano Teixeira, ter arquivado o processo?

Não é que o Professor Morais regressou ainda uma segunda vez ao Governo, para dirigir o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça? E não é, meus caros, que o Professor resistiu novamente apenas alguns meses, sendo demitido depois de novo escândalo? E o que se passou desta vez? O Professor Morais resolveu nomear, sem concurso público, uma imigrante brasileira chamada Neidi Becker – que trabalhava no restaurante Sr. Bacalhau, no Colombo (!) – para chefiar o Gabinete de Logística do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (!!). Salário? Uns módicos 1700 euros por mês (!!!). Plenamente justificados pela profunda qualificação da senhora Becker, diga-se de passagem.

Uma perguntinha inocente para o fim-de-semana da Páscoa: que credibilidade tem o Professor António José Morais para se armar em Michael Knight e achar que o seu testemunho pode “clarificar” as trapalhadas de Sócrates? Realmente, há pessoas com lata, mas este grau de desfaçatez surpreende até o mais prevenido dos observadores.

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sexta-feira, abril 06, 2007

Duvidança Especial (10)

(Clicar na imagem para ver filme)

- Conseguirá o youtube conter a generalidade das minhas cenas cinematográficas preferidas?

quinta-feira, abril 05, 2007

Alguém falou em censura?

Ainda a propósito do artigo de Vicente Jorge Silva, chamo a atenção para uma passagem despercebida, que constitui no entanto um bom exemplo de uma lamentável prática cada vez mais comum entre agentes governativos e alguns opinion-makers: o ataque à imprensa e às novas formas de comunicação (nomeadamente à blogosfera). A passagem reza assim: “Muito antes do descalabro da Universidade Independente e das notícias dos jornais, já o currículo de Sócrates era maldosamente referido na blogosfera, essa outra praga moderna que escapa ao controlo dos poderes públicos (...)”.

Esta passagem rancorosa (ao melhor estilo do Procurador-Geral da República) mostra como esta gente convive muito mal com a liberdade de imprensa, com a denúncia pública e com a existência de um espírito crítico do cidadão comum (esse ser aberrante que se atreve a apontar erros aos governantes a partir do seu computador pessoal) – no fundo, com a sociedade aberta que submete os ocupantes de cargos públicos a um permanente e rigoroso escrutínio. Afinal, parece que as saudades do lápis azul não são um privilégio da Direita.

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Ser ou não ser Engenheiro: uma clarificação (II)

Este artigo de Vicente Jorge Silva faz-me regressar ao tema da “licenciatura” de Sócrates. O argumento não é diferente daquele que a inteliggentsia socialista tem avançado nas últimas semanas: Portugal é um país de invejosos e gente mesquinha onde se pensa que ter um canudo é condição necessária para se ser bem-sucedido num cargo público.

Não vale a pena insistir nesta tese. A partir do momento em que o próprio primeiro-ministro introduziu na sua biografia oficial um título académico – do qual recorrentemente se vangloria (não por acaso os jornalistas se referem ao “Engenheiro Sócrates”) – a questão de saber se esse título foi obtido de modo ilícito é matéria relevante. Repito: ninguém, no seu perfeito juízo, acha que Sócrates será um mau primeiro-ministro se não for Engenheiro. Mas haverá muito boa gente – na qual me incluo – que considera grave que o primeiro-ministro português possa ter manipulado documentos e utilizado a sua influência pessoal para obter um grau académico. De uma vez por todas: esta não é uma questão de títulos nem de ordens, mas sim um problema ético. O que está em causa não é a carreira académica de Sócrates, mas o seu carácter.

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Os finlandeses também se queixam

Duvidanças de uma mente curiosa, 21

A propósito da pascal paixão do Cristo:

1) Porque é que o local onde terá sido capturado o Cristo se chama Jardim das Oliveiras? É que um campo de oliveiras tende a constituir um olival, e não um jardim...

2) Consta que S. Francisco, o poverello de Assis, foi o cultor da primeira representação viva do presépio. Ora, quem terá sido o estranho cultor da primeira representação viva da crucificação?(como sucede nas Filipinas, ou no "Cristo Recrucificado" de Kazantzakis, por exemplo)

3) Quais terão sido afinal as derradeiras palavras do Cristo? Os evangelistas não se entendem neste ponto. Mas não seria desejável que se tivessem entendido?: se por nenhuma outra razão, pelo menos por me parecerem as propostas em cima da mesa contraditórias entre si...

4) Porque é que há quem chame à lança espetada no tronco do Cristo de "lança sagrada"? É que se o Cristo não estava já morto, certamente a lança tê-lo-á matado, e se morto já estava, então a lança terá profanado o cadáver. Onde está aqui a sacralidade da coisa?

5) Porque é que só no tempo pascal cristão a Rádio Renascença se torna agradavelmente escutável? (Apontem-se excepção e louvor a esse programa sensacionalista chamado Bola Branca.) Nenhumas asneiras ditas, nenhuma publicidade idiota, e até alguma música de qualidade (adágios, missas, concertos sacros, Morricone, e - pasme-se - até o "nova-erista" Enigma, o que significa que na Páscoa até a censura da RR é branda). Contudo, não serei eu o único a dar audiência à RR na Páscoa?

quarta-feira, abril 04, 2007

o belo e o sublime, 12

Mariposa-Vermelha, Madagáscar

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terça-feira, abril 03, 2007

Ainda o clássico

Na semana passada – e a propósito do FC Porto-Sporting – trouxe até aqui uma prova irrefutável de que os mundos paralelos existem: cortesia do site oficial do FC Porto. Oito dias depois, confirma-se que a malta do site tem talento para a comédia. Ora vejam este belo naco de prosa sobre o Benfica-FC Porto:

“Lucho González teve um instante infeliz, Renteria não teve sorte no último instante do desafio. Em escassos minutos, definiu-se uma história que esteve a ser escrita em mais de 80, muito por culpa da postura de um Dragão imperial, um verdadeiro Campeão, uma equipa sobranceira, confiante e decidida. O F.C. Porto apresentou-se fortíssimo e, pela coragem demonstrada, merecia regressar a casa vitoriosa. (...)

Ao contrário da tendência de todas as antevisões, desmentindo o ridículo do costume, o F.C. Porto entrou no Estádio da Luz com a intenção clara de vencer e com o intuito de mostrar aos desatentos que continua a ser um fortíssimo candidato a um título que é seu. O Dragão instalou-se em toda a largura do relvado, dispensou cuidados ou tibiezas e correu de imediato pelos três pontos.

A primeira parte do Campeão foi fantástica. Ainda antes do golo de Pepe, num golpe de cabeça precioso a coroar uma exibição de gala do central que, em sociedade com toda a defesa, actuou sempre em patamares superiores, já Adriano tinha ficado a milímetros de inaugurar o marcador, na sequência de um passe simplesmente genial de Lucho González.

A produtividade do F.C. Porto tinha reflexos no marcador e a vantagem era mais do que justa, face ao domínio incontestado, ao rigor da sua máquina e ao desempenho de todos os seus atletas. O Dragão chegava ao descanso muito à frente do seu adversário, com uma expressão que até podia ser mais carregada.

A segunda parte seria marcada pela esperada reacção do Benfica e pela conjugação de factores negativos que penalizaram o F.C. Porto. O meio-campo azul e branco perdeu fulgor com a saída forçada de Raul Meireles e pela inferioridade física de Paulo Assunção, peças fulcrais na filtragem de jogo adversário e o empate surgiria num desvio infeliz do capitão portista. Um autogolo com um certo sabor a injustiça, tão perto de um prémio que teria sido adequado à dedicação de todos os Dragões presentes no relvado.

Nos descontos, uma arrancada de Cech e uma oportunidade flagrante de Renteria podiam ter levado à euforia os portistas presentes nas bancadas e os milhões que sofreram à distância. Teria sido perfeito. O empate, apesar de tudo, mantém o F.C. Porto em posição privilegiada. (...)”

Quase perfeito. Só lhe faltou mesmo uma pontinha de objectividade...

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Homo Selvaticus

Uns animais que escaparam do Zoo aportaram no Estádio da Luz e provocaram desacatos. De quem é a culpa? “Do FC Porto”, dizem uns. “Do Benfica”, exclamam outros. As explicações multiplicam-se: falhou a revista à entrada do estádio; falhou o esquema de segurança; colocar as claques num piso superior foi um desastre. Tudo análises interessantes, mas nenhuma a acertar verdadeiramente no alvo. Alguém se importa de chamar as coisas pelos nomes? Esta gentalha tem comportamentos violentos, absolutamente marginais e criminosos, sobrevivendo num regime semanal fora-da-lei, cuspindo e zombando da polícia, dos seguranças e da ordem pública.

A desresponsabilização destes indivíduos não passa de uma estranha tentativa para branquear a única observação efectivamente genuína: quem se comporta assim deve ser detido e severamente punido. Felizmente, temos um Código Penal bem extenso, e tenho a certeza que, entre as férias judiciais e o fim-de-semana, os nossos juizes serão capazes de encontrar nas acções bárbaras desta gente motivos mais que suficientes para conseguir uma condenação. Repreenda-se a inabilidade da polícia e dos agentes desportivos para lidar com esta selvajaria, mas não se permita que estes delinquentes regressem a casa serenamente e em total impunidade.

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Ser ou não ser Engenheiro: uma clarificação

O que está em causa na polémica relativa à licenciatura de José Sócrates não é o facto de Sócrates ser ou não ser engenheiro. Muitos comentadores apressaram-se a sublinhar a tese do ministro Santos Silva, afirmando que se tratava de “jornalismo de sarjeta”, possível apenas num país de invejosos onde ter um canudo, ou um título, é sinónimo de sucesso público. Isto é secundário na discussão.

O que está em causa é a eventualidade de Sócrates ter adquirido ilicitamente o grau de Licenciatura, manipulando documentos, contornando a legislação e/ou utilizando o seu peso político e pessoal para pressionar entidades da Universidade Independente a cumprirem as suas solicitações. Por mais que custe aos defensores de Sócrates, é muito relevante saber se o primeiro-ministro se envolveu ou não em actos ilegais, que além do mais lhe serviram para forjar uma biografia política incorrecta e falaciosa. Ou a prática de falcatruas por responsáveis públicos é já tão habitual que pura e simplesmente nos resignámos a encará-las como normais e irrelevantes?

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domingo, abril 01, 2007

Duvidanças de uma mente curiosa, 20

A propósito dos livros de bolso:

- A Assírio & Alvim, a Cotovia e a Relógio d'Água anunciaram a edição e a distribuição conjunta de uma colecção de livros de bolso, incluindo nomes como Homero, Dante, Camões, a sair a partir de 4 de Maio, com preços variando entre os 4 e os 15 euros. Será finalmente desta vez que teremos uma colecção de livros de bolso de jeito em Portugal? Ademais, o livro de bolso será um investimento com tão elevado grau de risco, que exija a parceria conjunta de três editoras em simultâneo?

A propósito do que se diz aqui, no Jornal de Letras:

- Quando é que as traças humanas que se alimentam da papelada contida naquele baú sem fundo algures no tempo pertencente a Fernando Pessoa concordam entre si? Perante a qualidade dos excertos inéditos incluídos na nova versão de Teresa Sobral Cunha, por este andar, o livro atribuído a Bernardo Soares terá de renomear-se para O Livro do Desassossego Infindo. É que já não tenho espaço para mais Livros do Desassossego na minha estante...

A propósito do programa televisivo Portugal, Um Retrato Social:

- Apesar de pouco ou nada nos ensinar de novo, e apesar também de alguma lamechice no guião do primeiro episódio, é apenas impressão minha ou este é o único programa de televisão em Portugal que se consegue ver de princípio ao fim sem bocejar?